São Paulo, Sábado, 28 de Agosto de 1999
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TEATRO - CRÍTICA
"Da Boca pra Fora" é uma irresponsabilidade

da Reportagem Local

"Da Boca pra Fora", novo título de "E Aí, Comeu?", uma peça de Marcelo Rubens Paiva, lembra aqueles primeiros filmes de Woody Allen.
Um deles em especial, "Sonhos de um Sedutor" ("Play It Again, Sam"), que aliás foi uma peça -em pleno 68- antes de chegar ao cinema. O tema é próximo, as agruras do homem num mundo sob domínio cada vez maior da mulher, homem cujo único pensamento é a mulher: como seduzi-la, amá-la, preservá-la.
Paiva cria cenas cômicas como um humorista, como autor de quadros de humor mais do que dramaturgo, propriamente. E o faz tão bem que não permite à platéia cinco minutos sem uma risada larga; muitas das cenas não ficam a dever a Allen ou qualquer outro dos pequenos gênios do humor judaico-americano.
Mas fala-se aqui do Woody Allen antes de cair sob a influência de Ingmar Bergman. "Da Boca pra Fora" é igualmente irresponsável, uma brincadeira perfeita, escrita por um artista que domina a carpintaria.
Uma sinopse: um homem passa a maior parte do tempo a conversar com dois amigos, em tom de besteirol, sobre mulheres em geral. Mas ele se separa da mulher, e a peça ganha ares de comédia romântica. Assim vai até o final, quando um desabafo da agora ex-mulher, em tom de besteirol também, torna a peça uma guerra de sexos, ou algo assim, com intervenções da platéia -em sua maioria, aliás, casais.
Não se deve esperar maior desenvolvimento dos personagens, homens ou mulheres, antes caricaturas sempre a falar das mesquinharias cotidianas dos casais e a amontoar preconceitos e obscenidades contra homens ou mulheres. Mas o entretenimento é aberto, neste que é um texto de desabafo -ainda que menos politicamente incorreto do que promete.
Paiva mostra em "Da Boca pra Fora" que sabe desenhar como poucos um tipo, o que é uma exigência na crítica de costumes. Mas não se pode dizer que tira tudo o que oferecem, potencialmente, as situações da peça -quanto à amizade masculina, por exemplo.
Quem se dá melhor com seus tipos é a atriz Bianca Byington, que faz todas as mulheres de "Da Boca pra Fora", em cenas curtas, quadros. Como a adolescente desconcertante ou a homossexual sedutora, ela sabe tratar-se de brincadeira e assim tira e põe com facilidade as máscaras.
Nenhum dos três atores está comprometedor. Felipe Camargo é o protagonista Fernando, o "straight man", o galã da comédia, o que faz com contenção, sem desprendimento, mas também sem erros.
Tato Gabus Mendes consegue dar nuances inesperadas -alguma perversidade, decadência- a Honório, o que o torna, em momentos, o mais interessante dos três amigos.
Marcos Winter mantém a qualidade geral da montagem, mas seu personagem, um amante profissional de mulheres casadas, é o mais absurdo deles: o ator poderia aproveitar muito mais o ridículo do papel.
A encenação de Rafael Ponzi e Cristina Pereira não arrisca nas marcações e na cenografia -de idéia gasta, aliás: quadros que lembram Carlos Zéfiro. A sua qualidade está no ritmo cômico das interpretações e em não tentar levar a peça a sério.
(NELSON DE SÁ)


Avaliação:    


Peça: Da Boca pra Fora Quando: sex., às 21h30; sáb., às 20h e 22h30; dom., às 19h Onde: Teatro Augusta (r. Augusta, 943, tel. 3151-2464 e 3151-4141) Quanto: R$ 20 a R$ 30


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