São Paulo, sábado, 28 de novembro de 2009

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Artista explora sedução da língua

Julião Sarmento, português com individual na Estação Pinacoteca, cria jogos linguísticos com fragmentos eróticos

Mostra aberta hoje tem mais de 50 obras, entre pinturas, fotos e vídeos, do artista que já passou pela Bienal de SP e pela Documenta de Kassel


Divulgação
Cena de vídeo de Julião Sarmento, projeção em que mulher caminha para frente e para trás

SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL

Na montagem da mostra, Julião Sarmento controla cada detalhe. Cola os olhos na tela de projeção para conferir o foco e grita ordens à equipe até que se ajustem os pontos luminosos de uma única letra, espécie de medida para todo o conjunto.
Cada trabalho desse artista português, com individual agora na Estação Pinacoteca, também segue essa lógica metonímica, da parte pelo todo. Sarmento transforma sexo em abstração, fragmenta a literatura, reduz a arquitetura a plantas esquemáticas e o cinema a planos fechados de luz e cor.
"Meu trabalho é predatório de uma determinada verdade, de uma determinada circunstância", resume. "É tudo muito ambíguo, um modo de exercitar perguntas, não respostas." Dito isso, não espanta que um de seus vídeos, chamado "Faces", mostre só os cabelos de uma loira e de uma morena, roçando uns contra os outros num arrepio estranho de cor.
É a mesma fricção que aparece em cenas de sexo explícito transformadas em manchas negras sobre fundo branco. Sarmento copiou contornos de cenas pornográficas, reduzidas a abstrações expressionistas.
Cria um jogo linguístico em que o não dito tem mais força do que o que está ali, fragmentos da imagem obscurecida. São obras que trabalham a latência, a ideia em estado bruto, como proposição erótica, lúdica.
Noutro vídeo, uma mulher faz um striptease diante da câmera. Mas é uma ação fora de ritmo. Cada peça de roupa que cai ou fio de cabelo que sai do lugar volta para onde estava segundos antes, num tempo de repetições mais provocante que o próprio ato de se despir.
Sarmento reduz, aliás, o papel do sexo em seu trabalho, mas não da mulher. São pernas delas, rostos delas, mãos e braços femininos que aparecem retalhados contra fundos vazios, erodidos pelo silêncio.
Numa série de pinturas, retrata de forma fragmentada, às vezes só o tronco, as atrizes Elizabeth Taylor, Ingrid Bergman e outras. Deixa como possível chave de leitura o nome da personagem que interpretaram e sua primeira fala num filme.
Se não o sexo como ato carnal, Sarmento persegue, como predador, o potencial sedutor dos jogos semânticos. Nas telas das atrizes, frases soltas, fundo branco e bustos sem braços ganham uma contundência estranha. Tem algo a ver com o roçar de línguas, ou linguagens.


JULIÃO SARMENTO

Quando: abertura hoje, às 11h; ter. a dom., 10h às 17h30; até 21/2
Onde: Estação Pinacoteca (lgo. General Osório, 66, tel. 3335-4990)
Quanto: R$ 6 (grátis aos sábados)




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