|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MÚSICA ERUDITA/CRÍTICA
Com apresentação de destaque das cordas, Osesp toca a sexta sinfonia do compositor austríaco
Roberto Minczuk rege um Mahler matador
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Foi a noite das cordas. Desde a
desnecessária primeira parte
-com o "Adágio" do americano
Barber (1910-81) lindamente regido por Roberto Minczuk, a música se revelando parte a parte, de
dentro para fora, e a "Finlândia"
de Sibelius (1865-57), libelo anti-russo na época, aqui talvez com
conotações anti-Bush-, violinos,
violas, violoncelos e contrabaixos
chegaram aonde sempre se quis:
chegaram a si. Prontos para o Mahler, que a Osesp avassalou, irreprimiu e seja que outro verbo for,
na segunda parte.
Era a "Sexta Sinfonia", favorita
de Alban Berg e, depois de ontem,
a favorita por um tempo de todos
nós. A começar pelo "Scherzo",
um "tour de force" modelando
elasticamente a música, como se o
tempo estivesse à mercê dos sentidos. Uma fantasmagoria, também, onde sobrepõem-se visões
de felicidade e desastres anunciados, convergindo para a intenção
sempre frustrada da música de
concluir numa tonalidade maior.
Só quem acompanha a trajetória de Minczuk ao longo dos últimos anos pode avaliar o que significa ver a Osesp tocando assim
com ele. O crescimento de um e
de outro é uma história para contar para os netos. Não se trata só
da inteligência musical, a capacidade de fazer sentido deste mar
de música; mas também a inteligência da mão, que agora toca naqueles limites mágicos onde não
há diferença entre gesto e som.
Nem os próprios músicos devem ter consciência do que estão
fazendo. No calor da hora, músico
pensa na dificuldade de digitação,
ou no som ideal de uma nota, ou
não pensa nada: toca. Depois faz
piada. Ou reclama que desafinou.
Mas a gente está vendo de fora e
dá vontade de chamar ministro e
presidente para ver o que se pode
fazer em música neste país.
Se as cordas foram destaque, o
destaque dos destaques foi o
"spalla" Ya'acov Rubinstein, com
ótimos solos e comando vigoroso
da moçada. Outra coisa: finalmente puseram todas as belas tocando junto no naipe de violoncelos, aleluia. Aliás, vamos ser francos: que orquestra bonita. (Pergunte ao Nuno Ramos se o espírito não depende da matéria.)
Outros destaques: Joel Gisiger,
que há muito merece o Prêmio
Nacional de Oboé (que devia ser
criado para ele); e O Martelo, gigantesco e fantástico instrumento, pontuando fatidicamente o final. Mahler cancelou as três marteladas, depois de deixar seu posto na Ópera de Viena, perder uma
filha pequena e descobrir que tinha uma doença cardíaca. Quinta-feira, uma senhora foi retirada
da sala, passando mal, no último
movimento. Felizmente, não era
grave. Mas as marteladas...
Um concerto se mede durante e
depois. Há os que fazem chorar
na hora, mas passam depressa.
Há os que não impressionam
muito, mas ficam na lembrança. E
há os grandes concertos, como este, que mobilizam o que ainda
resta de humano nos farrapos da
alma e calam depois na memória,
mais fundo do que o fundo das
notas do contrafagote e dos contrabaixos no final da sinfonia.
Osesp
Onde: Sala São Paulo (pça. Júlio Prestes,
s/nš, tel. 3337-5414)
Quando: hoje, às 16h30
Quanto: de R$ 16 a R$ 52
Texto Anterior: Frase Próximo Texto: Dança: Musical segue da corte ao frevo Índice
|