UOL


São Paulo, sábado, 29 de março de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MÚSICA ERUDITA/CRÍTICA

Com apresentação de destaque das cordas, Osesp toca a sexta sinfonia do compositor austríaco

Roberto Minczuk rege um Mahler matador

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

Foi a noite das cordas. Desde a desnecessária primeira parte -com o "Adágio" do americano Barber (1910-81) lindamente regido por Roberto Minczuk, a música se revelando parte a parte, de dentro para fora, e a "Finlândia" de Sibelius (1865-57), libelo anti-russo na época, aqui talvez com conotações anti-Bush-, violinos, violas, violoncelos e contrabaixos chegaram aonde sempre se quis: chegaram a si. Prontos para o Mahler, que a Osesp avassalou, irreprimiu e seja que outro verbo for, na segunda parte.
Era a "Sexta Sinfonia", favorita de Alban Berg e, depois de ontem, a favorita por um tempo de todos nós. A começar pelo "Scherzo", um "tour de force" modelando elasticamente a música, como se o tempo estivesse à mercê dos sentidos. Uma fantasmagoria, também, onde sobrepõem-se visões de felicidade e desastres anunciados, convergindo para a intenção sempre frustrada da música de concluir numa tonalidade maior.
Só quem acompanha a trajetória de Minczuk ao longo dos últimos anos pode avaliar o que significa ver a Osesp tocando assim com ele. O crescimento de um e de outro é uma história para contar para os netos. Não se trata só da inteligência musical, a capacidade de fazer sentido deste mar de música; mas também a inteligência da mão, que agora toca naqueles limites mágicos onde não há diferença entre gesto e som.
Nem os próprios músicos devem ter consciência do que estão fazendo. No calor da hora, músico pensa na dificuldade de digitação, ou no som ideal de uma nota, ou não pensa nada: toca. Depois faz piada. Ou reclama que desafinou. Mas a gente está vendo de fora e dá vontade de chamar ministro e presidente para ver o que se pode fazer em música neste país.
Se as cordas foram destaque, o destaque dos destaques foi o "spalla" Ya'acov Rubinstein, com ótimos solos e comando vigoroso da moçada. Outra coisa: finalmente puseram todas as belas tocando junto no naipe de violoncelos, aleluia. Aliás, vamos ser francos: que orquestra bonita. (Pergunte ao Nuno Ramos se o espírito não depende da matéria.)
Outros destaques: Joel Gisiger, que há muito merece o Prêmio Nacional de Oboé (que devia ser criado para ele); e O Martelo, gigantesco e fantástico instrumento, pontuando fatidicamente o final. Mahler cancelou as três marteladas, depois de deixar seu posto na Ópera de Viena, perder uma filha pequena e descobrir que tinha uma doença cardíaca. Quinta-feira, uma senhora foi retirada da sala, passando mal, no último movimento. Felizmente, não era grave. Mas as marteladas...
Um concerto se mede durante e depois. Há os que fazem chorar na hora, mas passam depressa. Há os que não impressionam muito, mas ficam na lembrança. E há os grandes concertos, como este, que mobilizam o que ainda resta de humano nos farrapos da alma e calam depois na memória, mais fundo do que o fundo das notas do contrafagote e dos contrabaixos no final da sinfonia.


Osesp
     Onde: Sala São Paulo (pça. Júlio Prestes, s/nš, tel. 3337-5414) Quando: hoje, às 16h30 Quanto: de R$ 16 a R$ 52



Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: Dança: Musical segue da corte ao frevo
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.