São Paulo, quinta-feira, 29 de março de 2007 |
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Crítica/documentário Drauzio Varella colhe belas "Histórias do Rio Negro" em filme
Documentário dirigido por Luciano Cury mostra viagem de barco do médico e escritor pelo noroeste amazônico
CLAUDIO ANGELO EDITOR DE CIÊNCIA Prepare-se para conhecer um Drauzio Varella que você nunca viu. Em vez do médico proselitista, sempre com o dedo em riste a prescrever receitas de vida aos interlocutores, aqui está um sujeito humilde -que se desloca por um ambiente no qual se sabe alienígena- ouvindo, com a curiosidade de um naturalista do século 19, o que eles têm a lhe dizer. Só por esse choque cognitivo, o documentário "Histórias do Rio Negro", protagonizado pelo pesquisador, escritor e colunista da Folha, já valeria a pena. Mas o filme é muito mais. Ele traz a voz dos amazônidas a "alienígenas" como Drauzio (os moradores do resto do país). Enquadrando-os, de bônus, em uma das paisagens mais espetaculares do planeta: o noroeste do Amazonas. O filme é uma espécie de "road movie" (ou melhor, "boat movie"), de concepção incrivelmente ingênua. Drauzio viaja pelo rio Negro coletando histórias de seus moradores no caminho. Liga a câmera e deixa que eles falem. Ponto. Mas, tal qual a simploriedade do caboclo e do índio, a simplicidade aparente do argumento do documentário é apenas isso: aparência. Os personagens revelam um mundo separado do resto do Brasil por muito mais do que um rio: por uma outra cosmogonia. É um universo essencialmente ameríndio, por mais branco que se tenha tentado torná-lo, onde as distâncias se medem em dias de viagem de barco e onde humanos, botos encantados e curupiras convivem cotidianamente. Para quebrar as pernas do senso comum, Varella reúne dois personagens contrastantes: o índio tukano cético e instruído, que aprendeu português tarde (mas o usa com perfeição), e o seringueiro branco como leite, que desfia um rosário de superstições (ou assim nós, alienígenas, as chamaríamos) sobre o curupira e o mapinguari e os malefícios de comer comida requentada. Há o eremita, o "corno", o ex-dono de um prostíbulo flutuante (Pantaleão Pantoja?) e as parteiras, obsessão do médico. E, claro, há o Negro, "rio condutor" da narrativa. Varella, lógico, não acredita em mapinguari e deixa isso muito claro em suas escolhas narrativas. Essa pontinha de chauvinismo científico, no entanto, não chega a impedi-lo de respeitar o universo do caboclo, ao qual ele sabe que não pode se mesclar. Alfred Russel Wallace, que palmilhou a mesma região no século retrasado com o mesmo deslumbramento, aprovaria. HISTÓRIAS DO RIO NEGRO Direção: Luciano Cury Quando: hoje, às 19h30, no Cinemark Eldorado Avaliação: bom Índice |
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