São Paulo, quarta-feira, 29 de maio de 2002

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ARTES PLÁSTICAS

Exposições estabelecem diálogo entre os dois expressionistas, retratando mudanças e conflitos mundiais

Segall e Otto Dix se encontram nas guerras

Divulgação
Obra de Segall, exibida no museu Lasar Segall, que compõe 'Visões de Guerra 1940-1943'


TIAGO MESQUITA
CRÍTICO DA FOLHA

O primeiro expressionismo aflorou na Alemanha quando a Europa acelerava o processo de modernização, implicando um desenraizamento das tradições. Ele surge, nas artes plásticas, entre grupos seminais chamados A Ponte e O Cavaleiro Azul. Eles procuravam aproximar seu trabalho de um mundo mais sensual, mais próximo da natureza e das relações comunitárias.
Queriam estar mais perto de um mundo cheio de cor e sensualidade, de que a intermediação cinzenta da modernidade, acreditavam, os afastava. Seguindo Gauguin e Van Gogh, a arte procurava lidar com o mundo como se pudesse extrair sua carne.
Essa crítica ao moderno acaba por coincidir com um dos episódios mais traumáticos dessa era: as guerras mundiais. A recepção dessa tradição artística nos anos de batalhas sucessivas é tratada direta ou indiretamente em duas mostras na cidade, que estabelecem o diálogo entre Otto Dix e Lasar Segall, dois artistas da geração mais tardia do expressionismo.
Na Faap, ambos falam abertamente da guerra, apesar das incômodas paredes. Já a do museu Lasar Segall não trata diretamente do conflito, mas expõe o trabalho dos artistas lado a lado, permitindo que contrastemos os diferentes modos de tratar um mundo de mudanças tão velozes.
Se o primeiro expressionismo, de Emil Nolde, Kirchner, Heckel até Kandinsky, procurava dar sabor e voluptuosidade à assepsia moderna, seu sucessor sente que o problema não reside num mundo inodoro. Repleto de fedor, dos mísseis, da fuligem e de decomposição, esse lugar acinzentado aprofunda a crise do moderno.
Nas gravuras de Dix, expostas na Faap, é estranha, num primeiro momento, a correlação com o expressionismo. As imagens, de tom distanciado e carregado, nada têm daquele sabor. As figuras aparecem mutiladas, cadavéricas, não apenas do ponto de vista físico, de vítimas da Primeira Guerra, mas de vidas pela metade, cheias de escárnio e violência.
As gravuras são corrosivas, por sua técnica e sua abordagem. A guerra, dos álbuns de 1924, arrasta tudo para o desfigurado. Apesar de se tratarem de trabalhos figurativos, os personagens não se reconhecem no humano. A dilaceração física e de valores entranha-se nas manchas e nos corpos, que passam indiferentes ao sofrimento e à morte alheios.
Nos trabalhos que Lasar Segall dedicou ao massacre dos judeus da Segunda Guerra, numa série dos anos 40, o cenário pouco difere desse vale da sombra e da morte. Sua linha fina, frágil e inconclusa, no entanto, delineia outra perspectiva. Se a sombra e a corrosão parecem afetar tudo que passa à frente nas gravuras de Dix, nas de Segall é na sombra e na corrosão que esse elemento mais vivo aparece.
Não existe nesses desenhos o grau de sensualidade do primeiro expressionismo. O ponto onde a realidade é transfigurada e repotencializada se dá na estreiteza do contato e da vivacidade das relações em meio à tragédia. No entanto os personagens, ao demonstrar gestos de solidariedade ou preocupação pelos outros participantes da cena, mostram uma humanidade irredutível ao que possa existir de mais cruel.
Desse modo, existe, como nas pinturas de Nolde, o anseio por repotencializar a vida a partir da técnica, embora aqui não se alcance a exuberância. A vontade é que as linhas finas não se dissolvam na acidez do horror. Numa aquarela, uma mãe envolve seu filho como se traçasse de uma linha só. Apesar de frágil e quebradiço, o traço não cede; à espreita, os personagens sabem da iminência da dissolução, mas não abrem mão da vida. Fazer essa afirmação é uma necessidade radical.


Otto Dix e Lasar Segall - Imagens da Guerra    
Quando: de ter. a sex., das 10h às 21h; sáb. e dom., das 13h às 18h; até 7/7
Onde: Museu de Arte Brasileira (r. Alagoas, 903, tel. 3662-1662)
Quanto: entrada franca

Lasar Segall e Otto Dix: Diálogos Gráficos    
Quando: de ter. a sáb., das 14h às 19h; e dom., até 18h; até 21/7
Onde: Museu Lasar Segall (r. Berta ,111, tel. 5574-7322)
Quanto: entrada franca




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