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ARTES PLÁSTICAS
Exposições estabelecem diálogo entre os dois expressionistas, retratando mudanças e conflitos mundiais
Segall e Otto Dix se encontram nas guerras
Divulgação
![](../images/ac2905200201.jpg) |
Obra de Segall, exibida no museu Lasar Segall, que compõe 'Visões de Guerra 1940-1943' |
TIAGO MESQUITA
CRÍTICO DA FOLHA
O primeiro expressionismo
aflorou na Alemanha quando a Europa acelerava o processo
de modernização, implicando um
desenraizamento das tradições.
Ele surge, nas artes plásticas, entre
grupos seminais chamados A
Ponte e O Cavaleiro Azul. Eles
procuravam aproximar seu trabalho de um mundo mais sensual, mais próximo da natureza e
das relações comunitárias.
Queriam estar mais perto de um
mundo cheio de cor e sensualidade, de que a intermediação cinzenta da modernidade, acreditavam, os afastava. Seguindo Gauguin e Van Gogh, a arte procurava
lidar com o mundo como se pudesse extrair sua carne.
Essa crítica ao moderno acaba
por coincidir com um dos episódios mais traumáticos dessa era:
as guerras mundiais. A recepção
dessa tradição artística nos anos
de batalhas sucessivas é tratada
direta ou indiretamente em duas
mostras na cidade, que estabelecem o diálogo entre Otto Dix e Lasar Segall, dois artistas da geração
mais tardia do expressionismo.
Na Faap, ambos falam abertamente da guerra, apesar das incômodas paredes. Já a do museu Lasar Segall não trata diretamente
do conflito, mas expõe o trabalho
dos artistas lado a lado, permitindo que contrastemos os diferentes modos de tratar um mundo de
mudanças tão velozes.
Se o primeiro expressionismo,
de Emil Nolde, Kirchner, Heckel
até Kandinsky, procurava dar sabor e voluptuosidade à assepsia
moderna, seu sucessor sente que
o problema não reside num mundo inodoro. Repleto de fedor, dos
mísseis, da fuligem e de decomposição, esse lugar acinzentado
aprofunda a crise do moderno.
Nas gravuras de Dix, expostas
na Faap, é estranha, num primeiro momento, a correlação com o
expressionismo. As imagens, de
tom distanciado e carregado, nada têm daquele sabor. As figuras
aparecem mutiladas, cadavéricas,
não apenas do ponto de vista físico, de vítimas da Primeira Guerra,
mas de vidas pela metade, cheias
de escárnio e violência.
As gravuras são corrosivas, por
sua técnica e sua abordagem. A
guerra, dos álbuns de 1924, arrasta tudo para o desfigurado. Apesar de se tratarem de trabalhos figurativos, os personagens não se
reconhecem no humano. A dilaceração física e de valores entranha-se nas manchas e nos corpos,
que passam indiferentes ao sofrimento e à morte alheios.
Nos trabalhos que Lasar Segall
dedicou ao massacre dos judeus
da Segunda Guerra, numa série
dos anos 40, o cenário pouco difere desse vale da sombra e da morte. Sua linha fina, frágil e inconclusa, no entanto, delineia outra
perspectiva. Se a sombra e a corrosão parecem afetar tudo que
passa à frente nas gravuras de Dix,
nas de Segall é na sombra e na corrosão que esse elemento mais vivo aparece.
Não existe nesses desenhos o
grau de sensualidade do primeiro
expressionismo. O ponto onde a
realidade é transfigurada e repotencializada se dá na estreiteza do
contato e da vivacidade das relações em meio à tragédia. No entanto os personagens, ao demonstrar gestos de solidariedade
ou preocupação pelos outros participantes da cena, mostram uma
humanidade irredutível ao que
possa existir de mais cruel.
Desse modo, existe, como nas
pinturas de Nolde, o anseio por
repotencializar a vida a partir da
técnica, embora aqui não se alcance a exuberância. A vontade é
que as linhas finas não se dissolvam na acidez do horror. Numa
aquarela, uma mãe envolve seu filho como se traçasse de uma linha
só. Apesar de frágil e quebradiço,
o traço não cede; à espreita, os
personagens sabem da iminência
da dissolução, mas não abrem
mão da vida. Fazer essa afirmação
é uma necessidade radical.
Otto Dix e Lasar Segall -
Imagens da Guerra
Quando: de ter. a sex., das 10h às 21h;
sáb. e dom., das 13h às 18h; até 7/7
Onde: Museu de Arte Brasileira (r.
Alagoas, 903, tel. 3662-1662)
Quanto: entrada franca
Lasar Segall e Otto Dix:
Diálogos Gráficos
Quando: de ter. a sáb., das 14h às 19h; e
dom., até 18h; até 21/7
Onde: Museu Lasar Segall (r. Berta ,111,
tel. 5574-7322)
Quanto: entrada franca
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