São Paulo, quinta-feira, 29 de agosto de 2002

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MÚSICA

No lançamento brasileiro do CD "Soy Rapero", nove MCs de Havana saem pela primeira vez do país de Fidel Castro

Rap de Cuba explicita choque cultural

Ana Ottoni/Folha Imagem
Os MCs cubanos do CD "Soy Rapero - Hip Hop Havana', que se apresentam hoje e amanhã no Sesc Pompéia com Xis e Guga Stroeter


LUCIANA MACEDO
DO GUIA DA FOLHA

Aproveite o banho de hip hop que a cidade está tomando neste mês. Depois da sequência com o b-boy alemão Storm, os senegaleses do grupo de rap Daara J e a bênção do "pai de todos" Afrika Bambaataa, é a vez de Cuba mostrar seus mais habilidosos "raperos" hoje e amanhã na choperia do Sesc Pompéia. Nove MCs -entre eles uma garota- saíram de seu país pela primeira vez para o lançamento da coletânea "Soy Rapero - Hip Hop Havana".
A história do disco é meio insólita. No ano passado, quando o músico Guga Stroeter (Heartbreakers), o produtor Kassin e o rapper paulistano Xis foram à Cuba para o festival de hip hop de Havana, uma forte chuva cancelou as apresentações do último dia do festival -os shows aconteciam ao ar livre.
Com horário reservado em um dos únicos estúdios da capital, Stroeter e Kassin convidaram 16 MCs de grupos locais para uma noite de improvisos sobre bases pré-gravadas por músicos cubanos de jazz. O resultado, o CD "Soy Rapero", é a primeira cria da Sambatá, ONG fundada por Guga Stroeter e sua mulher, que pretende promover o intercâmbio musical entre Brasil e Cuba.
É Xis quem abre os shows dos cubanos no Sesc. Em seu disco mais recente, "Fortificando a Desobediência", há um fruto do encontro na ilha de Fidel, a faixa "FAD". "O hip hop em Cuba é muito verdadeiro, e a levada dos caras é muito boa", afirma o rapper -que, dizem nos bastidores, deve gravar um acústico MTV com a mesma formação dos shows no Sesc: músicos do Heartbreakers e alguns MCs cubanos.
Com contraditório visual de rappers norte-americanos, a maioria dos "raperos" vem ao Brasil representando seus grupos, que não vieram com a formação completa.
Os integrantes do Primeira Base, da faixa "Guajira", são os que mais se parecem com os "gangtas" norte-americanos. Usando uma camiseta Tommy Hillfiger, El White, 30, justifica a estranha combinação: "Isso aqui é só roupa. O que vale é o que está aqui dentro", disse, batendo no peito.
Papo Record, 24, um dos mais bombados em Havana, é o único MC que rima sozinho, não tem grupo nem DJ. Com cara de desconfiado, ele conta que seu primeiro contato com o hip hop foi através do som do rapper porto-riquenho Bico C. Ele já foi fã de Method Man, do Wu-Tang Clan, mas hoje só escuta hip hop cubano. "Minhas letras falam de prostituição, do uso de drogas... falo dos problemas do meu bairro", conta. Se declarando um revolucionário, Papo Record faz questão de deixar claro sua postura pró-Fidel. "Também falo da Revolução nas minhas letras, porque o sistema socialista é o mais perfeito que existe", afirma o rapper, que também é médico clínico-geral. "No Brasil, existe uma guerra por dinheiro e fama -isso é o resultado do capitalismo. É por causa desse sistema que vocês têm crianças fumando crack e empunhando armas", diz.
Sem acesso a discos, pick-ups e sprays de tinta, grafiteiros e DJs são elementos raros na cultura hip hop de Havana. "Mesmo assim há grafites, que são feitos com rolinho. E eu consigo ler revistas e livros de outros países", conta o MC Rene, 28, falando sobre comércio ilegal de mercadorias estrangeiras.
A surpresa entre a banca dos cubanos é a MC e jornalista Telmary Diaz, 28, que, com voz rouca e rimas improvisadas, fala da realidade feminina em Cuba nas músicas de seu grupo, o Free Hole Negro.
Os "raperos" se apresentam no Brasil devidamente "batizados" por Afrika Bambaataa, que, na última terça, fez uma jam com os MCs de Cuba e os Heartbreakers para uma pequena platéia (embasbacada) no bar Grazie a Dio!.


LANÇAMENTO DO CD "SOY RAPERO - HIP HOP DE HAVANA" - choperia do Sesc Pompéia (r. Clélia, 93, Lapa, tel. 0/ xx/11/3871-7700). Quando: hoje e amanhã, às 21h. Quanto: de R$ 5 a R$ 10.



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