São Paulo, quarta-feira, 30 de abril de 2008

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Crítica/teatro/"Divina Elizeth"

Espetáculo é mais satisfatório como show do que como peça

Musical desperdiça histórias, mas tem o mérito de evitar fórmulas importadas

SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Ao endossar a nobre causa do musical brasileiro, "Divina Elizeth" marca pontos importantes.
Um país que tem uma intérprete como Elizeth Cardoso (1920-1990) em seu acervo não precisa partir de fórmulas consagradas importadas para contar histórias em forma de canções. Visto sob este prisma, o espetáculo do dramaturgo e encenador João Falcão é hábil por construir a narrativa basicamente contextualizando o que já está nas letras do repertório da "divina".
Músicas esquecidas, como "Falta um Zero no Meu Ordenado", de Ary Barroso e Benedito Lacerda, são muito eficientes não apenas para dar conta dos múltiplos empregos que teve Elizeth antes de se consagrar como também para aproximar a platéia daquela época, já que há coisas que não mudam nunca por aqui.
Sob o comando de Josimar Carneiro, que junto a outros cinco músicos executa ao vivo e com enorme competência uma trilha com mais de 40 canções, é preciso dizer, no entanto, que "Divina Elizeth" é mais satisfatório enquanto show do que enquanto peça de teatro.
Compreende-se o zelo de João Falcão em "evitar fofocas", mesmo concentrando-se na vida amorosa daquela que sempre cantou o amor. Mas, dessa maneira, o fio narrativo se torna uma monótona seqüência de amores infelizes com homens de quem se omite o nome e que acabam ficando apagados, por mais vivo que seja o seu intérprete -o divertido e afinado Cláudio Galvan, que se multiplica em personagens masculinos sem ter como diferenciar um do outro.
Assim, o musical resgata com eficiência a personalidade de sua protagonista, mas desperdiça personagens igualmente ricos, como Ari Valdez e Evaldo Rui, sem contar referências históricas vitais daquela que começou cantando sambas com Noel Rosa (1910-1937), consagrou-se no samba-canção e ajudou a lançar a bossa nova.
Mesmo se propondo a ser "apenas uma canção de amor a mais" a Elizeth, não se entende por que Falcão, com tanto material disponível, perde tanto tempo com um dispensável prólogo com dois anjos da guarda (o outro é Pedro Lima, simpático, e, no entanto, perdido na trama).

Várias Elizeths
Por outro lado, a opção surpreendente de multiplicar Elizeth em cinco intérpretes acaba funcionando devido ao grande carisma de todas, com destaque para a voz poderosa de Dhu Moraes e o charme de Beatriz Faria -que dá razão para o seu pai, Paulinho da Viola, passar a fazer como fazia o pai de Elizeth, usando o instrumento como "arma" para afastar namorados (ou "transformar sua viola em gravatas", para recuperar uma piada da peça).
Nesse clima de teatro de revista de bolso, torna-se sofrí- vel o cenário de Sérgio Marimba, que repete o mesmo recurso precário de palcos deslizantes, e o excessivo figurino de Cláudio Tovar.
O mérito de "Divina Elizeth", assim sendo, é sobretudo o de apontar o riquíssimo filão do teatro musical de temática brasileira: que surja em breve uma obra maior.


DIVINA ELIZETH
Quando:
sex. e sáb., às 21h; e dom., às 19h
Onde: teatro Shopping Frei Caneca (r. Frei Caneca, 569, Consolação, região central, tel. 3472-2229)
Quanto: R$ 80
Avaliação: regular


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