São Paulo, quarta-feira, 30 de junho de 2010

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Ciclo revela evolução estética de Ozu

Grande retrospectiva em película exibe 35 filmes que resumem todas as fases da carreira do cineasta japonês

Estilo singular do diretor influenciou nomes como Wim Wenders, Hou Hsiao-hsien e Claire Denis

Divulgação
Cena de "Era uma Vez em Tóquio", filme de 1953 sobre casal de idosos que vai à cidade visitar os filhos e enfrenta as mudanças na relação entre eles

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

No ano do centenário de nascimento de Akira Kurosawa, um dos gigantes do cinema japonês, quem ganha a homenagem mais completa por aqui é outro grande nome daquela cinematografia: Yasujiro Ozu (1903-1963).
Com a exibição (em película!) de seus 35 filmes preservados, a mostra "Emoção e Poesia: O Cinema de Yasujiro Ozu", no CCBB, oferece aos públicos de São Paulo (de hoje até 25/7) e do Rio (de 27/7 a 22/8) uma rara oportunidade de mergulhar em um dos maiores mistérios do Oriente.
O ciclo, composto de 32 longas, dois curtas e um média-metragem, abarca todas as fases da produtiva carreira de Ozu, iniciada em 1927 e encerrada em 1962, período de 35 anos durante o qual realizou 54 títulos.
O mesmo recorte histórico coincide com o do processo de modernização sofrido pelo Japão ao longo do século passado.
Com ele, os indivíduos tiveram de se adaptar às mutações sociais e políticas ocasionadas pela aceleração do capitalismo nas primeiras décadas, em diante aprofundadas pelo militarismo dos anos 1930 e 1940 e pela sociedade de consumo que se consolida no pós-Guerra.

DESPOJAMENTO
Não há, entretanto, evidências de um cinema histórico nos filmes de Ozu, não pelo menos na dimensão épica que se enxerga a olho nu nos de Kurosawa.
Em contraste com as espetaculares reconstituições do período feudal, os filmes dirigidos por Ozu parecem quase pobres, sem figurinos elaborados, sem cenários arrojados e, sobretudo, sem paixões destroçantes.
Esse despojamento "realista" resulta de uma busca estética perseguida com disciplina de sistema pelo diretor com o objetivo de captar e apontar as transformações na dimensão em que elas parecem menos visíveis: na ordem da subjetividade.
Ao abarcar todos os períodos da cinematografia de Ozu, o ciclo "Emoção e Poesia" funciona como demonstração dessa busca estética e desse foco ético.

CARACTERÍSTICAS
Há uma sucessão de constantes, especialmente formais, nos filmes de Ozu.
Estão entre eles o posicionamento da câmera, sempre numa distância fixa e de equilíbrio dos personagens ou objetos, a recorrência de planos fixos e longos, a estrutura espacial tão elaborada quanto despojada, o uso comedido ou singular de movimentos de câmera.
São características posteriormente identificadas e incorporadas ao percurso de diretores como Wim Wenders e Hou Hsiao-hsien e cujos índices de modernidade se mantêm influentes em filmes como os da francesa Claire Denis e os do chinês Jia Zhang-ke.
Tal sistema, no entanto, não se esgota no formalismo ou na satisfação do espectador sabichão.
Ele é porta e janela, telescópio e microscópio por onde nossa experiência olha e enxerga o maior drama humano, aquele que brota do conflito entre o passado vivo e vivido e um presente que condena à obsolescência.


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