São Paulo, quinta-feira, 30 de julho de 2009

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Crítica/ "Os Figurantes"

Peça arrisca em drama fragmentado

Encenação não convencional oscila momentos interessantes e soluções mal resolvidas que arrefecem força dramática

Adalberto Lima/Divulgação
Cena de ‘Os Figurantes’, dirigido por Cacá Carvalho; a montagem leva ao palco esboços de tipos urbanos que não constituem personagens típicos com cenografia minimalista de Mario Medina

LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

A matéria-prima do teatro é a vida humana, e é seu milagre que nem toda representação alcance a potência do que é vivo.
"Os Figurantes" quer encenar a própria vida, sem organizar um desfecho nem apontar sentidos claros. Os sete atores em cena não constituem personagens. Esboçam tipos urbanos. Sem discursos concatenados em uma narrativa comum, esses rascunhos de seres constroem roteiros próprios, traçados com blocos de frases que se repetem e os delimitam.
A proposta de abrir mão da estrutura convencional do drama e jogar só com ações abertas e fragmentadas envolve riscos.
Muitos grupos contemporâneos os vêm enfrentando com maior ou menor êxito. No caso da Casa Laboratório para as Artes do Teatro, sobram méritos e experiências passadas a estimular a iniciativa. Os últimos trabalhos do grupo foram adaptações cênicas de romances e, agora, opta-se pela autoria coletiva organizada por uma dramaturga, Cláudia Barral.
O espetáculo oscila momentos muito interessantes e outros bem menos resolvidos, sem que ao final se tenha enfeixado, pelo menos, um tratamento incisivo do assunto proposto. O desespero que acomete as populações urbanas, e que torna cada ser humano um reles figurante numa produção em que não há protagonistas, vem sendo alvo de escritores e dramaturgos desde o fim do século 19. O que mudou aqui seria a forma de encená-lo.
Como instrumentos musicais, os atores tratam o tema com variações de ritmo e de timbre. Intercalam momentos de uníssono, encontros fugazes dialógicos ou corais e solos, mas sem nunca convergir de fato. Em alguns momentos, a encenação se impõe como matéria viva a impactar o espectador. Por exemplo, quando a fala de uma operadora de telemarketing, reiterada e modulada corporal e cenicamente, alcança a condição de verdadeira música. Ou na imagem de abertura e encerramento, quando os atuantes aparecem tombados, sem deixar seus assentos.
Contudo, nem todos os atores -ainda que homogêneos na qualidade expressiva- alcançam a mesma riqueza dramática em suas partituras, e a narrativa como um todo arrefece. O que de fato amarra a encenação é o cenário ao mesmo tempo minimalista e exuberante de Márcio Medina, pontuado por um peixe de aquário suspenso sobre um chão de praticáveis móveis e um conjunto de cadeiras. É ali, nessa dramaturgia do espaço, que o encenador Cacá Carvalho encontra o suporte que lhe faltou na ação.
"Os Figurantes" é um trabalho que merece ser visto e discutido, mas a vida que ele almeja encenar ainda espera outras alquimias para emergir.


OS FIGURANTES
Quando: qui. a sáb.: 21h. Dom.: 19h. Até 09/8
Onde: Casa Laboratório (r. Cons. Brotero, 182, Barra Funda, região oeste, tel. 3661-0068); 12 anos
Quanto: R$ 20
Avaliação: regular




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