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"ENIGMA NO DIVÃ"
Adaptação é como brinquedo velho
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
Podia ser um exagero, mas
Pauline Kael, a célebre crítica
americana, não deixava de ter razão ao celebrar em "Diva, Paixão
Proibida", cult que lançou o diretor Jean-Jacques Beineix nos anos
80, um "[Orson] Welles romantizado e embrulhado para viagem".
Afinal, não foram senão os "embrulhos" que fizeram a fama do
"cinema-luz-de-néon" da maneirista geração francesa dos anos 80,
da qual Beineix foi um dos expoentes, ao lado de Leos Carax e
Luc Besson. Seus filmes eram simulacros sedutores, brinquedos
reluzentes cujo design e brilho
tornavam secundários a funcionalidade e o conteúdo. Seus personagens pareciam criação de
quadrinistas, suas tramas eram
truncadas, inverossímeis, mas seu
despretensioso charme lúdico-cinefílico garantia-lhes a sempre
duvidosa aura de cult-movies.
Em "Enigma no Divã", novo filme de Beineix, já não resta ao cineasta recurso estilístico que
compense a sua habitual falta de
destreza narrativa. O essencial de
seu talento, a capacidade para
"dourar a pílula", Beineix parece
ter perdido -curioso que seu cinema high tech não tenha se
adaptado à era digital.
"Enigma no Divã", adaptação
de uma novela de Jean-Pierre
Gattegno, é como um velho brinquedo estragado. O jogo do suspense pode tornar-se mesmo
uma brincadeira tola quando praticada por alguém sem muita inventividade. Beineix mal consegue nos fazer importar pela sorte
de seu personagem, um psicanalista (Jean-Hugues Anglade) às
voltas com o assassinato de uma
cliente cleptomaníaca.
O protagonista deverá enfrentar
tanto obstáculos físicos quanto
mentais para chegar à solução do
mistério. O processo serve para
que o autor de "Lua na Sarjeta" e
"Betty Blue" se dedique mais uma
vez a dar livre vazão às pulsões de
morte de seus personagens.
Mas a esta altura, perdidas as
amarras do suspense, Beineix já
terá desistido de levar o público
pela mão, contentando-se em explorar o eventual patetismo das
situações. No despreparo do protagonista para a ação, ele encontra
o correlato da desastrosa direção.
Um Enigma no Divã
Mortel Transfert
Produção: França/Alemanha, 2001
Direção: Jean-Jacques Beineix
Com: Jean-Hugues Anglade
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