São Paulo, segunda-feira, 30 de setembro de 2002

Texto Anterior | Índice

"ENIGMA NO DIVÃ"

Adaptação é como brinquedo velho

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

Podia ser um exagero, mas Pauline Kael, a célebre crítica americana, não deixava de ter razão ao celebrar em "Diva, Paixão Proibida", cult que lançou o diretor Jean-Jacques Beineix nos anos 80, um "[Orson] Welles romantizado e embrulhado para viagem".
Afinal, não foram senão os "embrulhos" que fizeram a fama do "cinema-luz-de-néon" da maneirista geração francesa dos anos 80, da qual Beineix foi um dos expoentes, ao lado de Leos Carax e Luc Besson. Seus filmes eram simulacros sedutores, brinquedos reluzentes cujo design e brilho tornavam secundários a funcionalidade e o conteúdo. Seus personagens pareciam criação de quadrinistas, suas tramas eram truncadas, inverossímeis, mas seu despretensioso charme lúdico-cinefílico garantia-lhes a sempre duvidosa aura de cult-movies.
Em "Enigma no Divã", novo filme de Beineix, já não resta ao cineasta recurso estilístico que compense a sua habitual falta de destreza narrativa. O essencial de seu talento, a capacidade para "dourar a pílula", Beineix parece ter perdido -curioso que seu cinema high tech não tenha se adaptado à era digital.
"Enigma no Divã", adaptação de uma novela de Jean-Pierre Gattegno, é como um velho brinquedo estragado. O jogo do suspense pode tornar-se mesmo uma brincadeira tola quando praticada por alguém sem muita inventividade. Beineix mal consegue nos fazer importar pela sorte de seu personagem, um psicanalista (Jean-Hugues Anglade) às voltas com o assassinato de uma cliente cleptomaníaca.
O protagonista deverá enfrentar tanto obstáculos físicos quanto mentais para chegar à solução do mistério. O processo serve para que o autor de "Lua na Sarjeta" e "Betty Blue" se dedique mais uma vez a dar livre vazão às pulsões de morte de seus personagens.
Mas a esta altura, perdidas as amarras do suspense, Beineix já terá desistido de levar o público pela mão, contentando-se em explorar o eventual patetismo das situações. No despreparo do protagonista para a ação, ele encontra o correlato da desastrosa direção.


Um Enigma no Divã
Mortel Transfert
 
Produção: França/Alemanha, 2001
Direção: Jean-Jacques Beineix
Com: Jean-Hugues Anglade




Texto Anterior: Cinema: Refilmagem de "Rollerball" peca até na ação
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.