São Paulo, sábado, 30 de outubro de 2004

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"NINGUÉM PODE SABER"

Hirokazu Kore-eda mostra a vida que existe fora da célula familiar

PAULO SANTOS LIMA
FREE-LANCE PARA A FOLHA

O cinema de Hirokazu Kore-eda costuma promover, desde "Maborosi" (95), o desabrochar da vida a partir de eventos derradeiros como o suicídio. Impulso tipicamente moderno, esse de ir ao encontro da vida, e que agora, com "Ninguém Pode Saber", assume novo estatuto ao creditar vida a partir do esfacelamento familiar.
O que é um tabu sobretudo no Japão, país que vê na célula familiar um modelo supremo para o funcionamento orgânico de toda uma nação. No filme, há quatro irmãos cuja mãe vai diminuindo a freqüência no lar até seu completo desaparecimento. Akira, o mais velho, é o chefe da casa aos 12 anos, cuidando e delegando funções aos seus maninhos.
Mas a célula familiar, mesmo frouxa pela má gerência materna, não deixa de ser uma prisão cheia de regras e proibições. Daí, após a partida, o que já era ordem frágil vira liberalização desenfreada, com direito a videogame, freqüência vândala no apartamento e outras ousadias adolescentes.
No abandono, as coisas vão apertando. Água e luz são cortadas, a comida escasseia, a sujeira toma conta do lar. Será o momento de avançar pelo espaço proibido da rua. Shigeru, o caçulinha que nem podia se aventurar na varanda do apartamento, terá a chance de virar um espoleta pelas ruas de Tóquio, por exemplo.
Akira (Yuuya Yagira, Palma de Ouro em Cannes) puxa a trama com sua presença quase simbólica, amadurecendo nesse lodaçal de vidas e vicejando como uma flor no pântano. Ele é como o presente caminhando para o futuro. E ainda que haja dor e desolação, há alegria entre a irmandade.
"Ninguém Pode Saber", enfim, não segue a dramaturgia corrente deste tipo de cinema, e o que vemos é uma secura narrativa barrando julgamentos ou choradeiras. As tomadas longas e os momentos de silêncio penumbram o que está por dentro dos personagens. O que vem aos olhos, então, é outro traço corrente no cinema moderno: a superfície dos corpos, a pele, o suor, as roupas puídas.
E sobre a crise do modelo familiar, que fique claro, é mais um meio para Kore-eda chegar à luz da vida do que repetir polêmicas como a do Nagisa Oshima de "O Império dos Sentidos".


Ninguém Pode Saber
Daremo Shinarai
    
Produção: Japão, 2004
Direção: Hirokazu Kore-eda
Com: Yuuya Yagira, Hiei Kimura
Quando: hoje, às 17h40 (Directv 1); 2/ 11, às 21h40 (Espaço Unibanco 1); 3/11, 14h (Cine Morumbi 3); e 4/11, às 21h30 (Espaço Unibanco 1)



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