São Paulo, domingo, 30 de dezembro de 2007

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Arquitetura das baladas de SP vai do luxo ao lixo

Ambientes de casas noturnas da cidade exploram exotismo, tecnologia e excesso

Projetos de clubes levam assinatura de Marcelo Rosenbaum, Isay Weinfeld e ganham menções em publicações estrangeiras

Apu Gomes/Folha Imagem
Estátua da filial brasileira do Buddha Bar, que funciona em plena Villa Daslu; trazida de navio ao Brasil a peça pesa 900 kg e custou €35 mil

BRUNA BITTENCOURT
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL

De um mictório que simula a boca de Mick Jagger a um enorme equalizador sintonizado às frequências da música, a arquitetura das casas noturnas paulistanas reúne, com ou sem sucesso, tecnologia, exotismo, luxo e exagero, entre megacasas e espaços mais intimistas, da zona oeste à zona sul.
Por trás dessa arquitetura da diversão, estão nomes turbinados do design como Marcelo Rosenbaum e Isay Weinfeld, entre modelos copiados aos tropeços do exterior.
Liderando os excessos, gaivotas de madeira alçam um vôo estranho na Vila Leopoldina. Os bichos ficam pendurados sobre a entrada da Pacha, filial do clube de Ibiza (Espanha) que tenta trazer um clima mediterrâneo à terra da garoa.
O ar náutico está nas janelinhas dos guichês da entrada, com baias metálicas para conter o fluxo de 1.500 festeiros que vão disputar sofás brancos e as mesinhas do sushi e pizza bar, lá dentro.
Balada para ver e ser visto -é como define a arquiteta que assina a versão brasileira da casa, Lorenzza Lamoglie. Ela não estranha que a pista seja menor que os espaços de convivência. Ângulos de 90º são proibidos nas paredes brancas, para manter o que seriam as formas orgânicas e a luz de Ibiza.
O desejo de simular à beira da marginal Pinheiros o que os baladeiros encontram na Europa resulta numa decoração no mínimo singular.

Exclusividade rarefeita
A distinção entre VIPs e mortais, como classifica Lamoglie, é herança de Ibiza. Lá, o pedaço reservado a quem paga mais foi batizada de "Cielo". Aqui, o camarote fica numa área suspensa, com vista para a pista lá embaixo. O ar-condicionado privilegia esse "cantinho do céu": resfria primeiro quem senta lá em cima, para depois baixar a temperatura na "terra".
A filial brasileira do Buddha Bar, inaugurada no começo do mês em plena Daslu, também traz ares de longe. Se a matriz em Paris simula um antro de ópio em Macau nos anos 30, segundo um dos sócios da franquia, Rudolf Piper, o Buddha paulista é um restaurante asiático sofisticado em Hong Kong.
No saguão que divide com a entrada da Dior, um pequeno Buda serve de prelúdio à grande estátua no andar de cima.
Esculpido por Bruno Tanquerel, que faz todas as estátuas da rede, o Buda do grande salão veio da Tailândia para o Brasil de navio, com permissão dos monges de lá. Pesa 900 kg e custou 35 mil euros.
Alcovas nas paredes laterais do Buddha abrigam armaduras de samurais, réplicas de originais japoneses feitas por uma firma especializada na França.
Mesmo com exotismo de luxo, Piper diz não querer nenhuma "exclusividade rarefeita". Mas no dia em que a reportagem visitou o Buddha, homens-armário vigiavam a sala onde jantava Naomi Campbell.
Estátuas de Buda também decoram uma das salas da The Week, mas, aqui, a proposta é outra. Misto de casa noturna com clube, o terreno de 4.800 m2 na Lapa tem piscina, um jardim e duas pistas.
Instalada num amplo galpão, tem um bar de 12 m e promove, festas à tarde à beira da piscina.
Na The Week, foi investido cerca de R$ 1 milhão apenas no som, segundo Lonardi Dona, que assina também os projetos do D-Edge e da Pacha.
O jogo de luzes faz coro com a música e com o público. A casa GLS chega a receber até 2.500 pessoas aos sábados. Um exército de garotões descamisados e go-go boys dançando em plataformas iluminadas com lasers dão o tom da festa.
Não muito longe dali, o D-Edge, clube citado diversas vezes na revista-bíblia do design "Wallpaper", foca no mesmo casamento entre luz e som, num projeto hi-tech.
É a única casa noturna do quinto volume da famosa série "Architecture Now" (ed. Taschen), citada entre projetos de Oscar Niemeyer e Zaha Hadid.
"Minha idéia era que as pessoas se sentissem dentro de um sistema de som, que elas conseguissem vê-lo, além de ouvi-lo", conta Muti Randolph, que assina o projeto.
A idéia do cenógrafo ganhou forma com um imenso equalizador luminoso, que responde à freqüência da música.
No ano que vem, a D-Edge ganha uma expansão de 600 m2, com três novos ambientes.

Kitsch glamouroso
Na parte mais central e menos familiar da rua Augusta, o Vegas achou seu espaço.
O projeto se inspirou nos cassinos de Las Vegas e da Urca, no Rio. "A intenção era brincar com a idéia de falso luxo", diz o arquiteto Marcos Caldeira.
Lá dentro, um balcão curvo de mármore percorre parte do primeiro andar, onde funcionava uma tecelagem na década de 60. No teto, lâmpadas fluorescentes disputam atenção com lustres antigos. Ao fundo, sofás em couro capitonê dão ares retrô ao Vegas, quebrados por linhas de neon (os mesmos das fachadas de outras casas da rua), que conduzem à pista do segundo andar. A surpresa, entre referências quase conflitantes, fica por conta de uma mangueira em um jardim interno.
Como o Vegas, o Glória traz breve inspiração kitsch. "Queríamos um lugar que tivesse história. Procuramos muitos hotéis que já tivessem tido clubes, com um glamour de nightclub dos anos 80", conta André Hidalgo, um dos três sócios da casa. Mas, no lugar do glamour, o trio acabou se encantando com coisas bem menos mundanas: uma antiga igreja, que também abrigou o teatro Bixiga, com sua fachada tombada pelo patrimônio histórico e recuperada pelo projeto do arquiteto Marcelo Rosenbaum.
Lounges dourados não são exemplos de simplicidade, mas o clube não peca pelo excesso. Uma ilustração da estilista Fábia Bercsek decora o teto. "Nas casas noturnas, não se vê nada além do que está na altura dos olhos das pessoas", explica.
Na contramão, Royal e Disco exibem projetos sóbrios em espaços intimistas. A última ostenta um corredor assinado por Isay Weinfeld e um painel dos irmãos Campana. E a exclusividade se estende até a porta, com o público filtrado sem misericórdia por seguranças.


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