São Paulo, quarta, 26 de março de 1997.

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OPINIÃO
Nova lei do ITR pode virar a maior farsa fundiária do mundo

FERNANDO JANK

Com a recente mudança do ITR, o governo espera ver a concretização do seu sonho dourado. Os latifundiários especuladores colocarão suas terras à venda, cujos preços despencarão. A arrecadação aumentará estrondosamente e autofinanciará não só a aquisição pelo governo de terras baratas, como também os próprios assentamentos.
Tudo isso enquanto aumentam a produção e o emprego rural, baixando os preços dos alimentos e melhorando a balança comercial.
Será que vai dar certo? Infelizmente o provável é que a realidade não será tão cor-de-rosa. Vejamos por quê.
1º - Pulverização da propriedade: É fácil prever o desmembramento em massa de glebas rurais com transferência dos pedaços a parentes, testas-de-ferro e empresas criadas para este único fim, visando, racional e legalmente, fazer com que as alíquotas incidam sobre módulos menores e se reduzam significativamente, dada a forte progressividade da tabela de alíquotas.
Além de inviabilizar as pretensões da nova lei, o país se tornará o paraíso dos topógrafos e dos advogados.
Haverá festa nos cartórios, escrituras a rodo, e o atual governo ainda poderá declarar, dentro de alguns anos, com orgulho, que em sua gestão foi triplicado o número de proprietários rurais.
Economistas do além-mar citarão a reforma agrária brasileira via tributação como exemplo de sucesso, mostrando que no governo FHC a curva de redução do número de proprietários rurais inverteu sua histórica e mundial tendência de queda.
Fantástico. Poucos se lembrarão que terá sido apenas a maior farsa fundiária que já existiu.
2º - Fronteira agrícola : O governo, no seu maniqueísmo, olha para o campo e só vê dois grupos - produtores estabelecidos e tubarões especuladores.
A realidade não é tão simples. O Centro-Oeste só chegou onde está devido a esta mistura de produtor-aventureiro-especulador que é o pioneiro, cidadão que quer expandir a produção, não tem medo do desconhecido e das condições difíceis e espera, legitimamente, ganhar com a valorização da região que ele próprio desenvolve.
Só que este agente econômico, talvez o melhor representante do espírito empreendedor no campo, foi completamente ignorado pela nova lei.
Ou pior, foi equiparado ao especulador puro e simples, mostrando o desconhecimento que tem o governo da realidade.
Qual o comportamento que o governo espera deste agente econômico a partir da nova lei? Que desmate imediatamente toda a área aproveitável que possui?
Esta é a única possibilidade que a lei lhe deixou, caso contrário deverá entregar ao governo até 20% ao ano de seu patrimônio na forma do imposto. Aliás, não apenas desmate imediatamente, mas prepare o terreno e plante, ou forme pasto, cerque e coloque animais.
Imediatamente. Danem-se os ciclos naturais, o fato de que na agricultura existem épocas certas para fazer as coisas e elas têm seu tempo natural de desenvolvimento.
Não resolve dizer que os proprietários já tiveram todo o tempo do mundo (até agora) para tornar suas terras produtivas.
E os que adquiriram terras e depois se descapitalizaram? E os que contavam com financiamentos para investimentos que desapareceram? E os que adquiriram terras recentemente com intuito de ocupá-las paulatinamente com recursos próprios oriundos de outra atividade?
Ou o governo supõe que toda a gritaria dos agricultores é jogo de cena, que as securitizações não eram necessárias e que na verdade a classe está bastante capitalizada?
Mas suponhamos que os proprietários tenham os recursos necessários para este investimento. Deveríamos acreditar que há recursos físicos que tornem factível a idéia de desmatar e plantar milhões de hectares do Acre ao Piauí em poucos meses? E ainda que seja, o órgão ambiental do governo permitirá a abertura imediata de tão enorme área?
Mesmo sabendo-se que atualmente o Ibama costuma demorar alguns meses para aprovar o pedido de desmate de áreas correspondentes a pequenas frações de propriedades com cobertura natural, não permitindo o desmate de frações maiores de uma só vez?
Suponhamos que passe a permitir. A sociedade brasileira e a comunidade internacional vão assistir caladas ao incêndio do século da mata amazônica?
Sim, pois na maior parte dos casos a única maneira de se derrubar a cobertura florestal rapidamente (para não pagar o ITR) e tornar disponível as áreas para produção agropecuária é por meio da queimada. Fogo na floresta.
Esperemos, contudo, que a nova lei seja reformada a tempo para que a sociedade não tenha mais uma vez que pagar as consequências do improdutivo ``jeitinho'' brasileiro de governar, onde os erros precisam ser vividos intensamente até que a necessidade de mudança fique evidente.
Assim foi com a inflação, com o déficit público e com o protecionismo. Assim perdemos décadas. Rezemos para que não tenhamos de passar pelo mesmo penoso processo de aprendizagem com a questão agrária.


Fernando Jank é produtor de leite na cidade de Descalvado (SP).

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