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OPINIÃO
Nova lei do ITR pode virar a maior farsa fundiária do mundo
FERNANDO JANK
Com a recente mudança do ITR,
o governo espera ver a concretização do seu sonho dourado. Os latifundiários especuladores colocarão suas terras à venda, cujos preços despencarão. A arrecadação
aumentará estrondosamente e autofinanciará não só a aquisição pelo governo de terras baratas, como
também os próprios assentamentos.
Tudo isso enquanto aumentam a
produção e o emprego rural, baixando os preços dos alimentos e
melhorando a balança comercial.
Será que vai dar certo? Infelizmente o provável é que a realidade
não será tão cor-de-rosa. Vejamos
por quê.
1º - Pulverização da propriedade:
É fácil prever o desmembramento
em massa de glebas rurais com
transferência dos pedaços a parentes, testas-de-ferro e empresas
criadas para este único fim, visando, racional e legalmente, fazer
com que as alíquotas incidam sobre módulos menores e se reduzam significativamente, dada a
forte progressividade da tabela de
alíquotas.
Além de inviabilizar as pretensões da nova lei, o país se tornará o
paraíso dos topógrafos e dos advogados.
Haverá festa nos cartórios, escrituras a rodo, e o atual governo ainda poderá declarar, dentro de alguns anos, com orgulho, que em
sua gestão foi triplicado o número
de proprietários rurais.
Economistas do além-mar citarão a reforma agrária brasileira via
tributação como exemplo de sucesso, mostrando que no governo
FHC a curva de redução do número de proprietários rurais inverteu
sua histórica e mundial tendência
de queda.
Fantástico. Poucos se lembrarão
que terá sido apenas a maior farsa
fundiária que já existiu.
2º - Fronteira agrícola : O governo, no seu maniqueísmo, olha para o campo e só vê dois grupos -
produtores estabelecidos e tubarões especuladores.
A realidade não é tão simples. O
Centro-Oeste só chegou onde está
devido a esta mistura de produtor-aventureiro-especulador que é
o pioneiro, cidadão que quer expandir a produção, não tem medo
do desconhecido e das condições
difíceis e espera, legitimamente,
ganhar com a valorização da região que ele próprio desenvolve.
Só que este agente econômico,
talvez o melhor representante do
espírito empreendedor no campo,
foi completamente ignorado pela
nova lei.
Ou pior, foi equiparado ao especulador puro e simples, mostrando o desconhecimento que tem o
governo da realidade.
Qual o comportamento que o
governo espera deste agente econômico a partir da nova lei? Que
desmate imediatamente toda a
área aproveitável que possui?
Esta é a única possibilidade que a
lei lhe deixou, caso contrário deverá entregar ao governo até 20% ao
ano de seu patrimônio na forma
do imposto. Aliás, não apenas desmate imediatamente, mas prepare
o terreno e plante, ou forme pasto,
cerque e coloque animais.
Imediatamente. Danem-se os ciclos naturais, o fato de que na agricultura existem épocas certas para
fazer as coisas e elas têm seu tempo
natural de desenvolvimento.
Não resolve dizer que os proprietários já tiveram todo o tempo do
mundo (até agora) para tornar
suas terras produtivas.
E os que adquiriram terras e depois se descapitalizaram? E os que
contavam com financiamentos
para investimentos que desapareceram? E os que adquiriram terras
recentemente com intuito de ocupá-las paulatinamente com recursos próprios oriundos de outra atividade?
Ou o governo supõe que toda a
gritaria dos agricultores é jogo de
cena, que as securitizações não
eram necessárias e que na verdade
a classe está bastante capitalizada?
Mas suponhamos que os proprietários tenham os recursos necessários para este investimento.
Deveríamos acreditar que há recursos físicos que tornem factível a
idéia de desmatar e plantar milhões de hectares do Acre ao Piauí
em poucos meses? E ainda que seja, o órgão ambiental do governo
permitirá a abertura imediata de
tão enorme área?
Mesmo sabendo-se que atualmente o Ibama costuma demorar
alguns meses para aprovar o pedido de desmate de áreas correspondentes a pequenas frações de propriedades com cobertura natural,
não permitindo o desmate de frações maiores de uma só vez?
Suponhamos que passe a permitir. A sociedade brasileira e a comunidade internacional vão assistir caladas ao incêndio do século
da mata amazônica?
Sim, pois na maior parte dos casos a única maneira de se derrubar
a cobertura florestal rapidamente
(para não pagar o ITR) e tornar
disponível as áreas para produção
agropecuária é por meio da queimada. Fogo na floresta.
Esperemos, contudo, que a nova
lei seja reformada a tempo para
que a sociedade não tenha mais
uma vez que pagar as consequências do improdutivo ``jeitinho''
brasileiro de governar, onde os erros precisam ser vividos intensamente até que a necessidade de
mudança fique evidente.
Assim foi com a inflação, com o
déficit público e com o protecionismo. Assim perdemos décadas.
Rezemos para que não tenhamos
de passar pelo mesmo penoso processo de aprendizagem com a
questão agrária.
Fernando Jank é produtor de leite na cidade de
Descalvado (SP).
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