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Quem dá as cartas no jogo da OMC
MARCOS SAWAYA JANK
especial para a Folha
As peças do grande tabuleiro da
Rodada do Milênio já estão na
mesa. A agricultura continua sendo o pomo de discórdia entre as
135 nações que abrem as negociações da OMC hoje em Seattle.
A UE comanda o grupo protecionista com uma agenda carregada de interesses em outras
áreas, como serviços, investimentos e meio ambiente. Na agricultura, insiste na tecla da multifuncionalidade, conceito que envolve
desenvolvimento e emprego rural, proteção ao meio ambiente, à
paisagem campestre, ao bem estar dos animais (isso vale para as
touradas na Espanha?) e outros
temas ambíguos.
No outro extremo, o Brasil e
mais 14 países que formam o Grupo de Cairns pleiteiam basicamente maior acesso aos mercados e cortes profundos nos subsídios e proteções.
Os EUA chegam com um discurso liberal, acompanhado da
prática das mais deslavadas formas de proteção aos seus agricultores. Ao mesmo tempo, insistem
na questão trabalhista ligada ao
comércio, na transparência do
comércio de transgênicos e na liberação dos produtos eletrônicos.
Este ano, os EUA estão gastando US$ 22,5 bilhões e a UE mais
US$ 42,7 bilhões com subsídios
diretos aos seus agricultores. Isso
dá a bagatela anual de US$ 11.200
por propriedade rural nos EUA e
US$ 5.700 na Europa.
Como os subsídios são distribuídos basicamente por meio de
preços artificiais garantidos, desconectados do mercado mundial,
isso acaba criando castas de grandes produtores privilegiados dos
dois lados do Atlântico Norte. Fora os enormes excedentes exportados a toque de subsídios. Se o
apoio governamental fosse distribuído na forma de ajuda direta
aos produtores, desconectado da
produção e dos mercados, os danos seriam muito menores.
É aí que o conceito de multifuncionalidade começa a se tornar
interessante para a nossa estratégia: em vez de brigar genericamente com os subsídios e os agricultores dos países ricos, que tal
combater os instrumentos predatórios de proteção e certos lobistas privilegiados?
A grande notícia das últimas semanas, no entanto, foi a da entrada da China na OMC. Junto com a
Índia e, mais tarde, com a Rússia e
Ucrânia, a China constituirá o que
poderíamos chamar de "Grupo
das Baleias". Países ultrapopulosos, grandes produtores e consumidores de alimentos que, ao saltarem para dentro da OMC com o
seu comércio altamente administrado, certamente desequilibrarão o atual jogo de forças.
O curioso é que apesar da presença na OMC de 134 países rezando a cartilha do "fair trade"
multilateral, as grandes decisões
tradicionalmente nascem de conchavos bilaterais entre as nações
hegemônicas na hora do cafezinho ou na calada da noite.
Foi assim quando os EUA e a
UE fecharam o acordo agrícola da
Rodada Uruguai na famosa reunião de Blair House. Foi assim
quando os EUA e a China avisaram aos demais países que os seus
ponteiros estão acertados, apesar
do fuso horário.
Será assim no provável impasse
da próxima etapa de redução dos
subsídios agrícolas, na regulamentação da multifuncionalidade e dos transgênicos, nas questões trabalhistas e ambientais relacionadas ao comércio.
Entre a Rodada Uruguai e a Rodada do Milênio nos destacamos
como alunos extremamente aplicados na ""lição de casa" da globalização. Como essa foi uma decisão unilateral, não obtivemos
quaisquer compensações relevantes na área comercial. Quem
sabe agora, muito mais coordenados no Mercosul e no Grupo de
Cairns, não conseguiremos pelo
menos atingir os joelhos dos nossos grandes parceiros comerciais
na busca por regras mais justas
para o comércio internacional?
Marcos Sawaya Jank é professor da Esalq-USP e pesquisador do Pensa.
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