São Paulo, Terça-feira, 30 de Novembro de 1999


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Quem dá as cartas no jogo da OMC

MARCOS SAWAYA JANK
especial para a Folha

As peças do grande tabuleiro da Rodada do Milênio já estão na mesa. A agricultura continua sendo o pomo de discórdia entre as 135 nações que abrem as negociações da OMC hoje em Seattle.
A UE comanda o grupo protecionista com uma agenda carregada de interesses em outras áreas, como serviços, investimentos e meio ambiente. Na agricultura, insiste na tecla da multifuncionalidade, conceito que envolve desenvolvimento e emprego rural, proteção ao meio ambiente, à paisagem campestre, ao bem estar dos animais (isso vale para as touradas na Espanha?) e outros temas ambíguos.
No outro extremo, o Brasil e mais 14 países que formam o Grupo de Cairns pleiteiam basicamente maior acesso aos mercados e cortes profundos nos subsídios e proteções.
Os EUA chegam com um discurso liberal, acompanhado da prática das mais deslavadas formas de proteção aos seus agricultores. Ao mesmo tempo, insistem na questão trabalhista ligada ao comércio, na transparência do comércio de transgênicos e na liberação dos produtos eletrônicos.
Este ano, os EUA estão gastando US$ 22,5 bilhões e a UE mais US$ 42,7 bilhões com subsídios diretos aos seus agricultores. Isso dá a bagatela anual de US$ 11.200 por propriedade rural nos EUA e US$ 5.700 na Europa.
Como os subsídios são distribuídos basicamente por meio de preços artificiais garantidos, desconectados do mercado mundial, isso acaba criando castas de grandes produtores privilegiados dos dois lados do Atlântico Norte. Fora os enormes excedentes exportados a toque de subsídios. Se o apoio governamental fosse distribuído na forma de ajuda direta aos produtores, desconectado da produção e dos mercados, os danos seriam muito menores.
É aí que o conceito de multifuncionalidade começa a se tornar interessante para a nossa estratégia: em vez de brigar genericamente com os subsídios e os agricultores dos países ricos, que tal combater os instrumentos predatórios de proteção e certos lobistas privilegiados?
A grande notícia das últimas semanas, no entanto, foi a da entrada da China na OMC. Junto com a Índia e, mais tarde, com a Rússia e Ucrânia, a China constituirá o que poderíamos chamar de "Grupo das Baleias". Países ultrapopulosos, grandes produtores e consumidores de alimentos que, ao saltarem para dentro da OMC com o seu comércio altamente administrado, certamente desequilibrarão o atual jogo de forças.
O curioso é que apesar da presença na OMC de 134 países rezando a cartilha do "fair trade" multilateral, as grandes decisões tradicionalmente nascem de conchavos bilaterais entre as nações hegemônicas na hora do cafezinho ou na calada da noite.
Foi assim quando os EUA e a UE fecharam o acordo agrícola da Rodada Uruguai na famosa reunião de Blair House. Foi assim quando os EUA e a China avisaram aos demais países que os seus ponteiros estão acertados, apesar do fuso horário.
Será assim no provável impasse da próxima etapa de redução dos subsídios agrícolas, na regulamentação da multifuncionalidade e dos transgênicos, nas questões trabalhistas e ambientais relacionadas ao comércio.
Entre a Rodada Uruguai e a Rodada do Milênio nos destacamos como alunos extremamente aplicados na ""lição de casa" da globalização. Como essa foi uma decisão unilateral, não obtivemos quaisquer compensações relevantes na área comercial. Quem sabe agora, muito mais coordenados no Mercosul e no Grupo de Cairns, não conseguiremos pelo menos atingir os joelhos dos nossos grandes parceiros comerciais na busca por regras mais justas para o comércio internacional?


Marcos Sawaya Jank é professor da Esalq-USP e pesquisador do Pensa.

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