São Paulo, domingo, 22 de março de 2009

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Entrevista: Rubens Junqueira Villela

por CLAUDIO ANGELO

Pioneiro brasileiro no polo sul relata aventuras e frustrações do programa antártico e diz que país conquistou uma “liberdade atrofiada” na região

O meteorologista Rubens Junqueira Villela não poderia estar mais longe do gelo. Aposentado pela USP, ele hoje faz previsão do tempo para obras de infraestrutura, a última delas na Bahia. Uma mudança e tanto para quem foi o primeiro brasileiro a pôr os pés no polo Sul, em 1961, participou da primeira missão oficial brasileira, em 1982, e viajou à Antártida 12 vezes.

Nesta entrevista, Villela, que completa 79 anos no mês que vem, faz um balanço do Programa Antártico Brasileiro, o Proantar, iniciado em 1982. E sentencia: “Ficamos 25 anos marcando passo na Antártida”.

Por que o Brasil se interessou por entrar no Tratado da Antártida?
O interesse existia da parte do Itamaraty. Um diplomata publicou nos anos 1950 dois trabalhos advogando a entrada do Brasil. Na década de 1960, o assunto foi levantado no Congresso pelo deputado Cunha Bueno. Mais ou menos naquela época surgiu o deputado Eurípedes Cardoso de Menezes, propondo que o Brasil anexasse território antártico, porque tinha tanto direito quanto qualquer outro país. Isso seria feito adotando a teoria do setor polar, que outra brasileira, a geógrafa Terezinha de Castro, propôs.

A ideia era que o Brasil usasse a projeção de seu próprio litoral sobre o continente, não era?
Exatamente, pegando desde a ilha da Trindade até o Chuí! Ela publicou esse mapa num atlas escolar editado pelo IBGE. Imagine, projetar o litoral brasileiro por mais de 4.000 km até a Antártida. Desse jeito, o Brasil poderia projetar seu mapa na Lua e dizer que a Lua é dele. Mas então outros começaram a levantar esse assunto, até que em 1972 o Clube de Engenharia teve a ideia de organizar uma expedição à Antártida, para comemorar os 150 anos da Independência.

Qual era o interesse do Brasil?
Era predominantemente político. Território e recursos minerais. Eu acabei contribuindo um pouco para essa confusão territorial, porque disse que em princípio a gente pode dizer que o Brasil tem um setor antártico, que é o do mar de Weddell, porque de fato confronta a nossa costa e dali saem massas de ar que influenciam nosso clima. Aí eu escrevi para o British Antarctic Survey e pedi mapas e fotos aéreas de alguns locais onde havia nomes brasileiros. O monte Barão do Rio Branco e o pico Alexandrino de Alencar, na península Antártica, por exemplo.

Quem deu esses nomes?
Foi o [explorador francês Jean-Baptiste] Charcot. Se o Brasil não cuidar, esses nomes caem. Qualquer um vai lá e dá outro nome. Tem de cadastrá-los oficialmente.

E a expedição do Clube de Engenharia nunca vingou?
O governo Médici vetou. Naquela época estavam sendo negociadas as cotas de Itaipu com a Argentina, e essa pretensão brasileira de enviar uma expedição à Antártida estava repercutindo nos jornais argentinos de forma negativa. Estavam acusando o Brasil de querer ocupar o “nosso” território.

O sr. tinha sugerido o setor do mar de Weddell como o local onde o Brasil pudesse se estabelecer. E nós fomos parar na ilha Rei George. Por quê?
Entrar no mar de Weddell não é fácil. Para alcançar a costa é preciso atravessar uma banquisa de até mil quilômetros de largura. Os argentinos e os ingleses já tinham desenvolvido uma estratégia para entrar naquele setor, pelo canal costeiro, bem a leste, quase na África. O vento ali afasta a banquisa e abre um canal a leste. Isso permite entrar para chegar a bases como a Von Neumayer, da Alemanha.

E ninguém topou fazer isso...
Topou! A primeira viagem brasileira, com o Barão de Teffé, foi no mar de Weddell, sob o comando do [mais tarde almirante] Fernando José Pastor. Eles inclusive desembarcaram de helicóptero na base alemã. Foi um negócio arriscado. Bem ali o navio ficou sem motor. Ainda bem que havia um alpinista alemão a bordo que era também engenheiro eletricista, que botaram para consertar o motor. O responsável pela escolha do local da base foi o Fernando Araújo, comandante da Marinha. Depois do mar de Weddell eles foram para a península Antártica. O Araújo dizia que o Brasil tinha de ir para um lugar de acesso fácil, que precisava dar um passo curto para não escorregar.

O sr. não estava nessa viagem?
Eu estava no Professor Besnard [navio oceanográfico da USP], no outro setor. Os tripulantes eram da Marinha Mercante e alguns tinham alguma ideia do que era gelo, mas a maioria não. O pessoal tinha medo. O casco do Besnard tinha chapa fina, de 8 milímetros. O veleiro Rapa Nui, do Amyr Klink, tinha 16 milímetros. Houve uns sustos, como sermos cercados por gelo sem liberdade de manobra. Começaram a aparecer blocos de gelo na altura do convés. Foi um sufoco.

Por que o Brasil demorou 27 anos para chegar ao interior da Antártida? Temos logística para isso, não?
Sim. Os aviões Hércules, por exemplo, são os mesmos que pousam no polo Sul. Eu mesmo propus uma expedição terrestre ao polo Sul em 1985. O Antônio Carlos Rocha-Campos,representante brasileiro no Scar (Comitê Cientí?co sobre Pesquisa Antártica), vetou. Disse: “Isso é maior do que o Proantar todo!” A Antártida é o seguinte: você precisa ser cauteloso, mas, se não tiver um pouco de ousadia, não faz nada.

Essa região onde nós fazemos pesquisa ainda é adequada aos interesses do Brasil?
Talvez não. Do ponto de vista da física da ionosfera, por exemplo, o setor do mar de Weddell seria muito mais interessante, porque é ali que ocorrem os fenômenos que realmente interessariam estudar, as tempestades ionosféricas. Mas, como aprendizado, mostrou ser uma região bastante rica de oportunidades, apesar de bastante explorada. A natureza antártica é de tal modo variada e mal conhecida que ainda não se esgotaram as oportunidades de pesquisa ali. Mas, do ponto de vista das questões maiores, como a mudança climática, essas coisas que o Jefferson [Simões] está fazendo estão mais de acordo com o interesse avançado da ciência.

Se o sr. recebesse hoje o comando do Proantar, que estratégia desenharia?
Hoje eu não queria essa chefia de jeito nenhum. Teria de começar tudo do zero. Eu antevia o programa por etapas. Primeiro, adquirir know-how, depois partir para a autonomia. Nós obtivemos autonomia, mas foi uma autonomia atrofiada. Ficamos 25 anos paralisados, marcando passo. É muito tempo.


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