São Paulo, sexta, 1 de janeiro de 1999

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HISTÓRIA
Em 61, falta de estrutura de Brasília impedia festa maior; em 99, crise dita cerimonial FHC repete posse simples de Jânio

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
da Sucursal de Brasília

A primeira posse presidencial em Brasília e a de hoje têm em comum a discrição das suas festividades, independentemente da vontade de seus personagens principais.
Em 1961, a falta de condições físicas da recém-inaugurada capital para receber grandes delegações estrangeiras motivou a modéstia.
Em 1999, a crise econômica e o fato de não ocorrer a transmissão de cargo de um presidente para outro justificam a simplicidade.
Nos dois casos, ao contrário da tradição latino-americana, nenhum chefe de Estado estrangeiro foi convidado a vir a Brasília.
O embaixador Raul de Vincenzi, 80, na época chefe do Cerimonial do Itamaraty, disse à Folha que teve "muito trabalho" para convencer o presidente Juscelino Kubitschek de que seria "impossível" receber convidados estrangeiros.
A cidade tinha apenas três hotéis em funcionamento: o Nacional, o Brasília e os "hotéis da Caixa". Só os dois primeiros tinham condições de receber convidados de honra.
Assim, decidiu-se que apenas embaixadores no Brasil, suas mulheres e um secretário para cada seriam convidados.
Mesmo assim, houve problemas. Quando o embaixador português, Manuel Rocheta, chegou ao seu apartamento, achou-o ocupado.
Um deputado havia obrigado o gerente a cedê-lo a dois jornalistas norte-americanos amigos seus.
De Vincenzi diz que fez o gerente arrumar as malas dos jornalistas e os deslocou do Brasília para os hotéis da Caixa. Não sem antes enfrentar a ira do deputado (que ele não identificou), que chegou a puxar uma arma para ameaçá-lo.
Os portugueses não deram muita sorte. O secretário Castello Branco, que acompanhava Rocheta, ganhou um apartamento que ainda estava inacabado: chuveiro e torneiras não estavam instaladas quando ele chegou. Mas, à noite, já estavam lá e funcionando.
A transmissão de cargo de Juscelino para Jânio foi a primeira feita em público no Brasil. Antes, ela se realizava numa pequena sala no Palácio do Catete, no Rio.
Os presidentes e o vice (João Goulart, que havia sido reeleito) estavam de casaca, como determinava o protocolo (o presidente João Figueiredo aboliu o traje nas funções de Estado em 1979).
Graças a Figueiredo, FHC hoje estará apenas de terno. Por opção própria, vai deixar na garagem o Rolls-Royce conversível que ele mesmo e Jânio usaram.
² Discursos
FHC não vai discursar no parlatório, o que Jânio e Juscelino fizeram em 1961. Havia muito mais gente na praça dos Três Poderes há 38 anos do que se prevê para hoje. Sobre o parlatório, com autorização do arquiteto Oscar Niemeyer, foi colocado um toldo para caso de chuva.
Choveu e fez muito calor em Brasília em 30 de janeiro de 1961, o dia da posse de Jânio. Nas solenidades a céu aberto, brilhava o sol.
Na transmissão de cargo, os jornalistas ocuparam palanque provisório, idealizado por Niemeyer, em frente ao parlatório. Na posse e diplomação, circularam livres.
Jânio tirou seu discurso da cartola. Falou pouco e foi gentil com seu antecessor. À noite, no jantar de gala no Palácio da Alvorada, no entanto, fez muitas críticas a Juscelino.
Quase tudo que foi servido no banquete do Alvorada em 1961 veio do Rio. "Foi a primeira vez que se comeu caviar no Planalto", lembra, divertido, de Vincenzi.
Embora tudo tenha dado certo no jantar, houve um pequeno incidente: Jânio mandou que a comida fosse servida antes que seu ministro das Relações Exteriores, Afonso Arinos, chegasse.
Arinos se atrasou 20 minutos porque tentava resolver a crise criada pela chegada ao Recife do navio português Santa Maria, com o líder anti-salazarista Henrique Galvão a bordo.
Não haverá banquete hoje. Os cinco presidentes de países latino-americanos que manifestaram desejo de comparecer à posse de FHC serão recepcionados em almoço na segunda-feira próxima.
A faixa que FHC vai colocar em si próprio hoje foi feita em agosto de 1997 porque a anterior, usada por José Sarney e Itamar Franco, estava apertada demais nele.
Diz-se, sem confirmação, que Jânio levou consigo para a Europa, após renunciar em agosto de 1961, a faixa que JK lhe passara, a mesma usada desde sua instituição, em 1910, por Hermes da Fonseca.



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