São Paulo, segunda-feira, 01 de março de 2004

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SOMBRA NO PLANALTO

Texto redigido às pressas deixou de atingir o empresário de loterias Carlinhos Cachoeira, citado no caso Waldomiro Diniz

Brecha em MP causa mal-estar no governo

FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Uma brecha na redação da MP dos bingos tem causado mal-estar dentro do governo e na Polícia Federal. O texto foi redigido às pressas para atender a uma necessidade política e deixou de fora a proibição para parte das atividades do principal citado no escândalo Waldomiro Diniz -o empresário do ramo de loterias Carlos Ramos, o Carlinhos Cachoeira.
Cachoeira aparece em vídeo de 2002 negociando propina e doações de campanha com Waldomiro Diniz -ex-subchefe de Assuntos Parlamentares da Presidência, subordinado ao ministro José Dirceu (Casa Civil).
Editada no último dia 20, a MP proíbe explicitamente apenas as "modalidades de jogos de bingo, bem como os jogos em máquinas eletrônicas, denominadas caça-níqueis". Ficaram de fora loterias e sorteios do tipo raspadinha, jogos explorados por particulares em alguns Estados com base em leis locais.
Na semana passada, durante o Carnaval, Carlos Cachoeira apareceu em telejornais dizendo de maneira irônica que a MP dos bingos não o atingia. Sentindo-se ofendido, o Palácio do Planalto ordenou que a PF fizesse uma batida nos negócios do empresário, o que ocorreu no sábado, no Estado de Goiás -de onde Cachoeira comanda seus negócios.
Ontem, menos de 24 horas depois, o empresário obteve a seu favor uma liminar (decisão provisória) na Justiça Federal para continuar a operar seus negócios. O trabalho de sábado da PF foi inútil. Cachoeira já havia retirado da Gerplan, sua empresa, todos os documentos e computadores. Nada do que foi apreendido revelará provas para futuras acusações na Justiça.
A Folha apurou que a direção da PF se sentiu usada politicamente para servir a uma estratégia do governo Lula.
Era necessário para o Planalto reprimir Cachoeira e dar a impressão para o público de que está agindo contra o jogo irregular.
No governo, sustenta-se que a lei atual sobre loterias já proíbe as atividades de Cachoeira. Ocorre que há também legislações estaduais que surgiram nos anos 90. Criou-se um cipoal jurídico na esteira das regras que permitiram, durante um período, o funcionamento de jogos vinculados a entidades esportivas.
A rigor, todos esses jogos e loterias como os de Cachoeira devem acabar fechados quando os processos chegarem ao Supremo Tribunal Federal. Mas isso pode demorar e o Planalto desejava resultados rápidos contra Cachoeira -como forma de diminuir o noticiário desfavorável sobre o caso Waldomiro Diniz.
A MP dos bingos foi decidida em algumas horas na sexta-feira, dia 20. Vários integrantes da cúpula do governo almoçaram com José Dirceu. Fizeram a proposta por telefone para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que estava no Rio Grande do Sul. Lula aceitou. Ao chegar da viagem, assinou o texto à noite, ainda na Base Aérea de Brasília.
A liminar obtida por Cachoeira respingou diretamente no ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Foi dele a responsabilidade final sobre o texto editado. Cresce entre alguns governistas a noção de que Thomaz Bastos é um excelente advogado, mas tem pouca tarimba na área política.
Além disso, segundo a Folha tem ouvido de vários governistas, Thomaz Bastos parece não ter controle absoluto da PF. A ação contra Carlos Cachoeira não contribui para melhorar a imagem do ministro dentro da corporação, pois uma parcela dos delegados considera que a PF foi jogada numa ação política e inútil do ponto de vista policial.

Liminar
A Gerplan Gerenciamento e Planejamento, de Carlinhos Cachoeira, conseguiu na noite de sábado uma liminar da Justiça Federal livrando a empresa de pagar multa de R$ 50 mil que seria aplicada caso houvesse sorteio e comercialização de loterias.
No sábado, a Polícia Federal notificou a Gerplan para suspender, sob pena de multa, as loterias Raspadinha Instantânea e Cartela da Sorte, além do funcionamento de 11,4 mil caça-níqueis, que Cachoeira afirma já ter desativado.
A empresa, com sede em Goiânia, opera em todo o Estado. Em 1995, assinou contrato com o governo de Goiás para explorar jogos. Tem exclusividade no mercado até 2010.
A crise política criada após a divulgação do vídeo no dia 13 pela revista "Época" levou Lula a proibir os jogos no Brasil.
O juiz Jesus Crisóstomo de Almeida, da 2ª Vara Federal em Goiânia, entendeu que a multa de R$ 50 mil deve ser aplicada a empresas que mantiverem o funcionamento de bingos e caça-níqueis, mas não a loterias.
A Cartela da Sorte, da Gerplan, realiza todos os domingos o sorteio de uma seqüência de números. Ontem, segundo a empresa, foram distribuídas seis motos (Titan e Biz). O primeiro prêmio ficou acumulado em R$ 77 mil.
A reportagem não conseguiu falar ontem com Cachoeira. No sábado, por meio de sua assessoria, afirmou "estranhar que a empresa dele seja a primeira notificada no país" para suspender loterias.


Colaborou a Agência Folha, em Anápolis

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