São Paulo, sábado, 01 de abril de 2006

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"O povo compreenderá minhas razões"

DA REDAÇÃO

Leia abaixo a íntegra do discurso de renúncia de José Serra.
 
Entrei na vida pública, como líder estudantil e presidente da União Nacional dos Estudantes, há mais de 40 anos. Muito jovem, eu tinha ideais e convicções. Ideais de progresso coletivo, de igualdade, de justiça. De um Brasil melhor para os brasileiros. Convicção de que não se avança sem luta, de que não se conquista sem esforço. Convicção de que, parafraseando Fernando Pessoa, a batalha vale a pena, se o sonho e a alma não são pequenos.
Fui exilado, fui deputado, fui senador, fui professor, fui ministro. Já fui muitas coisas na vida. Já estive no planalto e na planície. Já ganhei e já perdi. Caíram os cabelos, mas os ideais e as convicções são os mesmos. Justiça... Igualdade... Progresso coletivo...
São esses ideais e convicções que me fazem tomar a decisão que tomo hoje.
Que me fazem trocar uma posição conquistada e, sob esse aspecto, confortável, pelo risco de mais uma batalha.
Há momentos na vida da gente em que não somos nós que escolhemos as lutas; são elas que nos escolhem. E precisamos ter coragem de adotá-las. Sem coragem, sem luta e sem esforço não se avança.
À frente da Prefeitura de São Paulo vivi um dos melhores momentos de minha vida pública. Assumi o comando da maior cidade do Brasil com muitos problemas: dívidas, filas de credores, obras paradas, serviços públicos essenciais interrompidos. Não reclamei. Ou quase não reclamei.
Hoje, graças ao trabalho sério de toda a equipe, posso dizer com orgulho que avançamos muito. Depois de 15 meses de mandato, as pesquisas de opinião mostram que a população avalia bem a administração, aplaude o trabalho realizado. Devemos isso aos funcionários, aos secretários, aos assessores, ao time todo. Os jornais têm mostrado sondagens de opinião pública, mostrando que esta é a melhor administração da cidade de São Paulo desde que se começou a fazer pesquisas, há 20 anos. É um estímulo para todos nós, que participamos dessa empreitada. Mas é preciso seguir em frente.
Convenci-me que, daqui em diante, a melhor maneira de servir à cidade de São Paulo é assegurar que não mudarão os padrões de parceria e de colaboração entre a prefeitura e o governo do Estado.
Para que se tenha uma idéia do papel da cooperação entre Estado e capital e da importância da parceria entre governador e prefeito, dou dois números: quando tomei posse havia apenas um convênio entre Estado e município; hoje temos 25 parcerias, convênios de trabalho conjunto, envolvendo cerca de R$ 750 milhões! Para a cidade de São Paulo, um bom governo do Estado é fundamental. E, conhecendo a administração da cidade como eu conheço agora, sei muito bem o que posso fazer pela cidade... como governador.
O peso do governo do Estado na capital é enorme, e três setores fundamentais para a vida dos paulistanos dependem até mais dele do que da prefeitura: segurança, saneamento e transportes (Metrô, CPTM, rodoanel...), sem falar das responsabilidades compartilhadas em educação, saúde e ambiente.
Os rumos da prefeitura, os padrões de austeridade e eficiência, as prioridades fundamentais já estão definidos e em implantação. Estamos no caminho certo e executando programas consistentes, na área da saúde, da educação, da cultura, do ambiente, dos transportes, da gestão, nas subprefeituras, nos serviços básicos. Assumo o risco de sair do comboio que está em marcha para assegurar condições de que ele continue progredindo. É a decisão correta. Difícil, arriscada, mas necessária. Correta. O vice-prefeito Gilberto Kassab não é um recém chegado, não desembarca na prefeitura como um novato. É um engenheiro que me acompanhou de perto nos últimos 15 meses. Daqui em diante, assumirá a regência. Tenho certeza de que continuará o que começamos. Muda o maestro, mas a orquestra é a mesma e a partitura também.
Quero mudar de endereço de trabalho, mas não de cidade. No governo do Estado, se o povo assim quiser, poderei continuar a fazer muito pela nossa capital em tabela com Kassab, como fiz, quando prefeito, com o governador Alckmin.
Por último, é fundamental registrar a importância de mantermos o nosso Estado no rumo certo. Fui secretário de Planejamento do saudoso governador Franco Montoro e vivi a experiência de termos de reconstruir um Estado de São Paulo arrasado.
Tenho que saudar o trabalho do saudoso governador Mario Covas que, anos depois, enfrentou e venceu desafio igual. Covas recolocou São Paulo na rota do progresso e do desenvolvimento. Geraldo Alckmin, que o sucedeu, continuou e aprofundou a arrumação. Ambos deixaram a casa arrumada, com qualidade de gestão em alta e recursos para investimentos em infra-estrutura e desenvolvimento social. Para quem encontrou a cidade como eu encontrei, o Estado vem redondo, pronto para fazer um grande trabalho, na capital, na Grande São Paulo e todo o interior.
São Paulo não pode viver mais o risco do retrocesso. Agora que o Estado está recuperado, que está com as finanças em dia, que tem grande capacidade de investimento, depois de muito trabalho sério e muito esforço, não se pode permitir que haja um retrocesso. E esse é outro motivo para que eu assuma esse novo e difícil desafio. Não podemos permitir que o nosso Estado volte para situações anteriores, de descontrole e falência.
Escolhi essa batalha e ela me escolheu. Mas vou a ela com disposição, com ânimo, com otimismo. Dois ideais me movem: assegurar que a nossa capital tenha, cada vez mais, recursos e condições para melhorar. E assegurar que o nosso Estado continue no rumo certo em que está há 12 anos e que, melhorando, ajude o Brasil a melhorar.
Esse trabalho representará a melhor maneira de contribuir a que o país se engaje, com Geraldo Alckmin à frente, no rumo da recuperação econômica, política e -por que não dizer- moral, condições hoje comprometidas pelo mau desempenho do poder federal.
Quero agradecer muito a toda a equipe que me acompanhou na tarefa de administrar a cidade. Alguns começaram na vida pública ao meu lado, há muitos anos. No início, aprenderam comigo. Hoje, aprendo com eles.
Quero agradecer a todos aqueles que me fizeram ver a importância de minha candidatura, dos meus colegas de caminhada partidária às pessoas que encontrei nas ruas. Foi muito difícil tomar a decisão de deixar a prefeitura paulistana para ser candidato a governador. O tempo do que sentimos nem sempre coincide com o tempo da política.
Sou filho de imigrantes, de família pobre. Mas sou filho, também, de uma época, de um dos grandes períodos da história de São Paulo, quando nossa cidade e nosso Estado eram uma terra de imensas oportunidades para todos. Quero, no governo do Estado, dar seqüência à luta para devolver a esperança às novas gerações de paulistas e de brasileiros que para cá vêm em busca dos frutos do progresso econômico e social. Acredito que o povo de São Paulo saberá compreender minhas razões. E a ele me submeterei!


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