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ELIO GASPARI
A ética, o primo,
a Anatel e o BC
O deputado Severino Canindé, do PC do B do Amapá, é nutricionista e está preocupado com a queda da rentabilidade calórica dos bóias-frias de
seu Estado. Canindé tem um
primo amigo que trabalha no
Banco Central e vai lhe entregar
um estudo sobre o assunto. Pedirá que leve o trabalho para a
reunião da Câmara de Política
Econômica. Quais são suas
chances de sucesso? Nulas. Ademais, Severino Canindé não
existe.
Quem existe é Arnaldo Tibyriçá, vice-presidente da BCP (operadora da telefonia celular na
Grande São Paulo), primo de
Luiz Fernando Figueiredo, diretor de Política Monetária do
Banco Central. No início de
março, ele entregou um papel
ao amigo mostrando sua preocupação com o futuro das telecomunicações nacionais. Nele,
metade do espaço era ocupado
pela enumeração de problemas
específicos das operadoras de telefonia celular.
O papel foi para a reunião da
Câmara de Política Econômica,
mobilizou a Anatel e deu um
bolo danado. O presidente interino da agência, Antonio Carlos
Valente, ironizou a conduta do
Banco Central, e o chefe da Casa
Civil, Pedro Parente, resolveu
pedir à Comissão de Ética Pública que julgue sua conduta.
Ontem, num artigo, o doutor
Armínio Fraga informou que
endossa a conduta de Figueiredo e se recusa a "aceitar as insinuações que se seguiram, de que
agimos movidos por interesses
espúrios". "Isso seria incompatível com os padrões éticos com os
quais sempre trabalhamos", arrematou.
Não se trata de discutir a qualidade dos interesses que moveram o papel.
Fica melhor para todo mundo
(e confere com a biografia de
Fraga) que tenham sido os mais
elevados e nobres. Trata-se de
entender que a conduta do presidente do Banco Central e do
seu diretor de Política Monetária foi imprópria, sobretudo para os padrões éticos com os
quais trabalham.
Fraga informa que a identidade de Tibyriçá, bem como a sua
vinculação com a BCP, foi revelada aos membros da Câmara
de Política Econômica no dia 6
de março, quando o documento
começou a tramitar. Tudo bem.
A existência desse papel -sem
nome nem vinculação grafados- foi revelada no início da
tarde de 15 de abril pelos repórteres Ariosto Teixeira e Gerusa
Marques. No dia seguinte, a
BCP reconheceu que eram de
sua autoria "algumas das idéias
constantes da análise" levada
ao Planalto. Nome? Nem pensar.
A identidade do autor, chamado até então de "amigo especialista", só foi revelada dois
dias depois, quando a Anatel já
tinha subido nas tamancas.
Foram necessários três dias
para que se soubesse que Tibyriçá era também primo de Figueiredo. (A essa altura fica a impressão de que esse cidadão acabou metido em encrenca alheia.
Ele entregou um papel, mas não
tem responsabilidade na sua
tramitação.)
A administração pública tem
ritos, e eles merecem respeito.
Quando Francisco Lopes teve a
idéia de inventar um tal de Comitê de Política Monetária para
fixar a taxa de juros em reuniões solenes, com ata e tudo,
poderia parecer doido. Queria
mudar costumes num país onde
o presidente da República trocava a taxa por telefone. Pois hoje
o Copom é uma instituição respeitada. Se o Banco Central se
dá esse respeito, por que a Câmara de Política Econômica deve tramitar papéis apócrifos, de
autoria apenas verbalizada?
O respeito que o Banco Central exige para si deve dar também à Anatel que, ao contrário
dele, já é independente.
É verdade que o presidente da
Anatel já disse que não disse o
que disseram que ele disse. É
verdade também que em seu artigo, generosamente, Armínio
Fraga disse que "aceito as explicações de que foi um mal-entendido".
Muito mais verdade é que se
tratou de um enorme bem-entendido. Fraga e Luiz Fernando
Figueiredo acharam liso e correto levar à Câmara de Política
Econômica um papel sem autoria grafada. A câmara foi informada de que o autor era vice-presidente da BCP (não se sabe
se foi informada também de que
era primo de Figueiredo). O presidente interino da Anatel, Antonio Carlos Valente, deu uma
entrevista na qual informou que
o papel foi desdenhado durante
a reunião, mas o Banco Central
dedicou-lhe uma "preocupação
diferenciada". Tudo muito claro.
A Comissão de Ética Pública
existe para dizer se Valente errou. O pior dos mundos é aquele
em que a comissão tira o corpo
fora, dando o caso por encerrado, sem apreciar seu mérito.
Pior dos mundos para quem
passou o dia de ontem fazendo
as contas do seu Imposto de
Renda, para desembolsar o dinheiro que paga os salários de
Fraga, Valente, Figueiredo e Parente.
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