São Paulo, quarta-feira, 01 de maio de 2002

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ELIO GASPARI

A ética, o primo, a Anatel e o BC

O deputado Severino Canindé, do PC do B do Amapá, é nutricionista e está preocupado com a queda da rentabilidade calórica dos bóias-frias de seu Estado. Canindé tem um primo amigo que trabalha no Banco Central e vai lhe entregar um estudo sobre o assunto. Pedirá que leve o trabalho para a reunião da Câmara de Política Econômica. Quais são suas chances de sucesso? Nulas. Ademais, Severino Canindé não existe.
Quem existe é Arnaldo Tibyriçá, vice-presidente da BCP (operadora da telefonia celular na Grande São Paulo), primo de Luiz Fernando Figueiredo, diretor de Política Monetária do Banco Central. No início de março, ele entregou um papel ao amigo mostrando sua preocupação com o futuro das telecomunicações nacionais. Nele, metade do espaço era ocupado pela enumeração de problemas específicos das operadoras de telefonia celular.
O papel foi para a reunião da Câmara de Política Econômica, mobilizou a Anatel e deu um bolo danado. O presidente interino da agência, Antonio Carlos Valente, ironizou a conduta do Banco Central, e o chefe da Casa Civil, Pedro Parente, resolveu pedir à Comissão de Ética Pública que julgue sua conduta.
Ontem, num artigo, o doutor Armínio Fraga informou que endossa a conduta de Figueiredo e se recusa a "aceitar as insinuações que se seguiram, de que agimos movidos por interesses espúrios". "Isso seria incompatível com os padrões éticos com os quais sempre trabalhamos", arrematou.
Não se trata de discutir a qualidade dos interesses que moveram o papel.
Fica melhor para todo mundo (e confere com a biografia de Fraga) que tenham sido os mais elevados e nobres. Trata-se de entender que a conduta do presidente do Banco Central e do seu diretor de Política Monetária foi imprópria, sobretudo para os padrões éticos com os quais trabalham.
Fraga informa que a identidade de Tibyriçá, bem como a sua vinculação com a BCP, foi revelada aos membros da Câmara de Política Econômica no dia 6 de março, quando o documento começou a tramitar. Tudo bem. A existência desse papel -sem nome nem vinculação grafados- foi revelada no início da tarde de 15 de abril pelos repórteres Ariosto Teixeira e Gerusa Marques. No dia seguinte, a BCP reconheceu que eram de sua autoria "algumas das idéias constantes da análise" levada ao Planalto. Nome? Nem pensar.
A identidade do autor, chamado até então de "amigo especialista", só foi revelada dois dias depois, quando a Anatel já tinha subido nas tamancas.
Foram necessários três dias para que se soubesse que Tibyriçá era também primo de Figueiredo. (A essa altura fica a impressão de que esse cidadão acabou metido em encrenca alheia. Ele entregou um papel, mas não tem responsabilidade na sua tramitação.)
A administração pública tem ritos, e eles merecem respeito. Quando Francisco Lopes teve a idéia de inventar um tal de Comitê de Política Monetária para fixar a taxa de juros em reuniões solenes, com ata e tudo, poderia parecer doido. Queria mudar costumes num país onde o presidente da República trocava a taxa por telefone. Pois hoje o Copom é uma instituição respeitada. Se o Banco Central se dá esse respeito, por que a Câmara de Política Econômica deve tramitar papéis apócrifos, de autoria apenas verbalizada?
O respeito que o Banco Central exige para si deve dar também à Anatel que, ao contrário dele, já é independente.
É verdade que o presidente da Anatel já disse que não disse o que disseram que ele disse. É verdade também que em seu artigo, generosamente, Armínio Fraga disse que "aceito as explicações de que foi um mal-entendido".
Muito mais verdade é que se tratou de um enorme bem-entendido. Fraga e Luiz Fernando Figueiredo acharam liso e correto levar à Câmara de Política Econômica um papel sem autoria grafada. A câmara foi informada de que o autor era vice-presidente da BCP (não se sabe se foi informada também de que era primo de Figueiredo). O presidente interino da Anatel, Antonio Carlos Valente, deu uma entrevista na qual informou que o papel foi desdenhado durante a reunião, mas o Banco Central dedicou-lhe uma "preocupação diferenciada". Tudo muito claro.
A Comissão de Ética Pública existe para dizer se Valente errou. O pior dos mundos é aquele em que a comissão tira o corpo fora, dando o caso por encerrado, sem apreciar seu mérito. Pior dos mundos para quem passou o dia de ontem fazendo as contas do seu Imposto de Renda, para desembolsar o dinheiro que paga os salários de Fraga, Valente, Figueiredo e Parente.


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