São Paulo, Sábado, 01 de Maio de 1999
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SISTEMA FINANCEIRO
CPI descobre dados de transações na BMF com cotações abaixo das praticadas no mercado à vista
Lista mostra negócios com dólar barato


GUSTAVO PATÚ
em São Paulo

VANESSA ADACHI
da Reportagem Local


A CPI dos Bancos descobriu dados, da lista de operações de janeiro na Bolsa de Mercadorias & Futuros, segundo os quais os bancos Marka e FonteCindam, socorridos pelo governo, não foram os únicos a comprar dólar barato durante a desvalorização do real.
Entre os dias 13 e 15, quando houve pouquíssimos negócios no mercado futuro de dólar, alguns bancos e fundos fizeram negócios com cotações muito distantes das do mercado à vista.
Ao que tudo indica, não se trata de socorro oficial, uma diferença importante diante dos casos Marka e FonteCindam. Ainda assim, as operações levantam dúvidas.
A CVM (Comissão de Valores Mobiliários), uma espécie de xerife do mercado de capitais, chegou a investigar essas operações em janeiro e fevereiro, segundo a Folha apurou.
No dia 13, por exemplo, seis fundos ligados ao Banco Boavista venderam US$ 37,1 milhões à cotação de R$ 1,237.
Naquela data, o Banco Central havia permitido que o dólar subisse de R$ 1,21 para R$ 1,32. É difícil entender por que um fundo venderia barato uma moeda que prometia subir ainda mais.
A resposta pode estar nas operações de outros dois fundos administrados pelo mesmo Boavista, que, juntos, compraram US$ 33,8 milhões a R$ 1,237 no dia 13.
Não é possível, com os dados da BM&F em poder da CPI dos Bancos, afirmar que o primeiro grupo de fundos do Boavista vendeu para o segundo.
Mas se pode dizer que, considerando apenas essas operações, os primeiros fizeram um mau negócio, e os segundos, um bom. Procurado pela Folha, o Boavista informou que só pretende se manifestar quando ouvido pela CPI.
A cotação de R$ 1,237 não é por acaso. Naquele período, os limites máximos para a variação diária das cotações que servem de base para os negócios na BM&F faziam com que os preços na Bolsa ficassem abaixo do preço à vista. As cotações foram corrigidas gradualmente, só voltando a acompanhar o preço à vista por volta do dia 20.
Com cotações muito baixas, quase ninguém operou no mercado futuro naquele período.
Outra exceção foi o Banco Pactual, que vendeu US$ 80 milhões. No mesmo dia, o Banco Sistema, ligado ao Pactual, comprou exatamente a mesma quantia.
Há vários outros casos, mas nem sempre é possível identificar as possíveis duas pontas da operação -vendedor e comprador.
No dia 15, o BC desistiu da política de câmbio que era a base do Plano Real e permitiu que as cotações do dólar flutuassem livremente.
Àquela altura dos acontecimentos, deixar o dólar flutuar equivalia a deixar o dólar subir. Foi o que aconteceu: a moeda norte-americana fechou o dia em R$ 1,465.
Isso não impediu que alguns investidores fizessem negócios no mercado futuro a R$ 1,275 -a mesma cotação à qual o BC havia socorrido o Marka no dia anterior.
Foi o caso dos vendedores Credibanco (US$ 10 milhões), Patrimônio (US$ 16 milhões) e Fator (US$ 10 milhões). Entre os compradores, o Garantia (US$ 18 milhões) e dois fundos ligados ao BankBoston (US$ 50 milhões).
Há pelo menos um caso de operação que, aparentemente, começa no dia 13 e termina no dia 15.
Trata-se do Banco Matrix, que vende US$ 80 milhões a R$ 1,237. O mesmo volume é comprado por três fundos administrados pelo banco: Matrix Beta Capital Estrangeiro (US$ 16,5 milhões), Matrix T Capital Estrangeiro (US$ 3,5 milhões) e Geo Summit (US$ 60 milhões).
No dia 15, a operação se inverte, agora a R$ 1,275: o Matrix compra, e os fundos vendem, nos mesmos volumes de dois dias antes.

Uma explicação
No mercado é possível encontrar uma explicação para os negócios com cotações muito diferentes das do mercado à vista.
Segundo essa versão, alguns investidores contornaram os limites impostos pela BM&F combinando operações no mercado futuro com outras de uma segunda modalidade, a de opções.
O mercado de opções tem uma semelhança com o mercado futuro: são feitas compras e vendas de dólares com base em uma cotação futura.
A diferença é que o comprador da opção tem o direito de decidir se quer ou não exercê-la.
Por exemplo, se um investidor comprou um opção de compra de dólar a R$ 1,80 para uma determinada data, e nessa data o dólar está em R$ 1,70, a opção não será exercida -porque não interessa comprar por mais o que vale menos.
Em janeiro, havia uma diferença ainda mais importante: as operações de opções não são sujeitas a limites de preço como os contratos futuros.
Por isso, bancos e fundos teriam vendido dólares a cotações mais baixas no mercado futuro, mas compensado a diferença por fora, em negócios com opções.

Estranheza
Segundo a Folha apurou, essa combinação de operações chamou a atenção da CVM e da própria BM&F, que estranharam a estratégia adotada e pediram esclarecimentos aos bancos.
Ao ver negócios feitos abaixo do preço à vista, a BM&F percebeu que o complemento estaria sendo pago de outra forma. Como os negócios com opções foram expressivos, não foi difícil ligar uma coisa a outra.
Para a BM&F, no entanto, era positivo que essas operações acontecessem. Quanto mais investidores conseguissem fechar seus negócios naquele momento de alta instabilidade, menor o risco em seu mercado.
A CVM chegou a bater na porta de alguns bancos pedindo explicações. Aparentemente, ficou satisfeita com o que ouviu, pois as investigações não tiveram continuidade. Os departamentos de fiscalização interna dos próprios bancos também estranharam as transações e fizeram averiguações na época.


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