São Paulo, domingo, 01 de junho de 2008

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JANIO DE FREITAS

Do céu para a terra


Ainda que não seja unânime, nos últimos anos a imprensa tem trazido o Supremo para mais perto do chão geral

ESSE PESSOAL que escreve em jornais, fornecendo o recheio ou montando as edições, está com o conceito muito avariado no Supremo Tribunal Federal. A ponto de alguns ministros comprovarem em público, mesmo no meio de uma sessão histórica, as suas opiniões depreciadoras. Uns, mais sutis, outros, com mal contidas irritação e convicção de superioridade. É inegável a justiça do conceito raso, como convém a um tribunal supremo, apesar do trocadilho involuntário. Depreciação tão merecida quanto, por isso mesmo, louvável para o jornalismo.
Por tempo demais vigorou na imprensa brasileira o tabu de que magistrados estavam sujeitos a qualquer gênero de reparo, ressalva, discordância ou crítica. Os componentes do Supremo assentavam-se em nível, impreciso para a percepção apenas humana, entre a terra e o Olimpo.
Os jornais tinham suas razões para preservar o tabu, todos com causas judiciais ou cautelosos para a perspectiva de tê-las, em suas atividades não jornalísticas, e bem resolvê-las por meios não jurídicos. O velho "Jornal do Brasil" é um bom exemplo, entre outros dos seus inúmeros casos, pelas dezenas de anos em que reteve decisão sobre nada menos do que a propriedade real do seu título, à época muito valioso.
Se os proprietários de imprensa criaram o tabu, quem lhe deu vida ativa foram os jornalistas. Parte deles, porque assim encontraram as redações e isso lhes bastou para aceitarem esse e outros costumes e ocasionalidades, com freqüência ainda piores. A outra parte, por motivos semelhantes aos criadores do tabu, embora em escala muito mais modesta. As ditaduras de Getúlio e dos militares apenas deram, na obtusidade própria da sua prepotência, um verniz "legal" ao que a imprensa fazia (e continuou a fazer sem as ditaduras) por conta própria e sem desgaste para o ditador.
Ainda que não seja unânime, nos últimos anos a imprensa tem trazido o Supremo, como outras instâncias superiores do Judiciário, para mais perto do chão geral. E há até muitos tratamentos de ministros do Supremo como humanos mesmo, com qualificações profissionais, intelectuais e outras, equivalentes às de milhões sem o privilégio de tabus e de presunções olimpianas. Capazes e sujeitos, como todos esses, à permuta dos tratamentos próprios das relações civilizadas.
Mesmo quando se equivocam, por falta de clareza até para os colegas ou na defesa de artifícios e tergiversações, alguns ministros estranham o enfraquecimento do tabu, talvez tomado ainda por dever alheio. Mas o jornalismo e a democracia ganham: sempre que um dos dois ganha, o outro se fortalece.

Estranhezas
A decisão da Assembléia Legislativa fluminense de anular a prisão do deputado estadual e ex-delegado Álvaro Lins, pela Polícia Federal, pode ser eticamente deplorada, mas não foi legalmente abusiva. Detentor de mandato, Álvaro Lins só poderia ser preso em flagrante, e não foi o caso. Não é provável que essa proteção a mandatários seja ignorada pelos responsáveis por investigações, acusações, mandados e prisões do bando que esteve na cúpula da polícia civil fluminense. Ficou a suspeita de algo irrevelado por trás da decisão de prender o deputado junto com seus ex-auxiliares sob acusação.
Pela maneira como foi feito o envolvimento de Anthony Garotinho, dado como integrante de uma quadrilha armada, ou o procurador federal que o acusa tem provas que não revelou, ou fez a gravíssima acusação sem as condições mínimas necessárias. As frases esparsas de telefonemas, que expôs, não têm relação explícita com ilicitude. Podem ter muitos sentidos e caberiam na relação funcional de um superior em resposta a um auxiliar que pede substituições de subordinados seus. Uma delas, dada como a mais indicativa do comprometimento de Anthony Garotinho, revelou-se agora como pedido ou sugestão da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro.
A Procuradoria deve explicações, porque, acima das acusações, deixou a suspeita de precipitação e, pior, de injunção política incluída em um caso criminal cujos praticantes e atos já são conhecidos há meses.


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