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JANIO DE FREITAS
Do céu para a terra
Ainda que não seja unânime, nos últimos anos a imprensa tem trazido o Supremo para mais perto do chão geral
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ESSE PESSOAL que escreve em
jornais, fornecendo o recheio
ou montando as edições, está
com o conceito muito avariado no
Supremo Tribunal Federal. A ponto
de alguns ministros comprovarem
em público, mesmo no meio de uma
sessão histórica, as suas opiniões depreciadoras. Uns, mais sutis, outros,
com mal contidas irritação e convicção de superioridade. É inegável a
justiça do conceito raso, como convém a um tribunal supremo, apesar
do trocadilho involuntário. Depreciação tão merecida quanto, por isso
mesmo, louvável para o jornalismo.
Por tempo demais vigorou na imprensa brasileira o tabu de que magistrados estavam sujeitos a qualquer gênero de reparo, ressalva, discordância ou crítica. Os componentes do Supremo assentavam-se em
nível, impreciso para a percepção
apenas humana, entre a terra e o
Olimpo.
Os jornais tinham suas razões para preservar o tabu, todos com causas judiciais ou cautelosos para a
perspectiva de tê-las, em suas atividades não jornalísticas, e bem resolvê-las por meios não jurídicos. O velho "Jornal do Brasil" é um bom
exemplo, entre outros dos seus inúmeros casos, pelas dezenas de anos
em que reteve decisão sobre nada
menos do que a propriedade real do
seu título, à época muito valioso.
Se os proprietários de imprensa
criaram o tabu, quem lhe deu vida
ativa foram os jornalistas. Parte deles, porque assim encontraram as
redações e isso lhes bastou para
aceitarem esse e outros costumes e
ocasionalidades, com freqüência
ainda piores. A outra parte, por motivos semelhantes aos criadores do
tabu, embora em escala muito mais
modesta. As ditaduras de Getúlio e
dos militares apenas deram, na obtusidade própria da sua prepotência,
um verniz "legal" ao que a imprensa
fazia (e continuou a fazer sem as ditaduras) por conta própria e sem
desgaste para o ditador.
Ainda que não seja unânime, nos
últimos anos a imprensa tem trazido o Supremo, como outras instâncias superiores do Judiciário, para
mais perto do chão geral. E há até
muitos tratamentos de ministros do
Supremo como humanos mesmo,
com qualificações profissionais, intelectuais e outras, equivalentes às
de milhões sem o privilégio de tabus
e de presunções olimpianas. Capazes e sujeitos, como todos esses, à
permuta dos tratamentos próprios
das relações civilizadas.
Mesmo quando se equivocam, por
falta de clareza até para os colegas
ou na defesa de artifícios e tergiversações, alguns ministros estranham
o enfraquecimento do tabu, talvez
tomado ainda por dever alheio. Mas
o jornalismo e a democracia ganham: sempre que um dos dois ganha, o outro se fortalece.
Estranhezas
A decisão da Assembléia Legislativa fluminense de anular a prisão
do deputado estadual e ex-delegado Álvaro Lins, pela Polícia Federal, pode ser eticamente deplorada,
mas não foi legalmente abusiva.
Detentor de mandato, Álvaro Lins
só poderia ser preso em flagrante, e
não foi o caso. Não é provável que
essa proteção a mandatários seja
ignorada pelos responsáveis por investigações, acusações, mandados
e prisões do bando que esteve na
cúpula da polícia civil fluminense.
Ficou a suspeita de algo irrevelado
por trás da decisão de prender o deputado junto com seus ex-auxiliares sob acusação.
Pela maneira como foi feito o envolvimento de Anthony Garotinho,
dado como integrante de uma quadrilha armada, ou o procurador federal que o acusa tem provas que
não revelou, ou fez a gravíssima
acusação sem as condições mínimas necessárias. As frases esparsas
de telefonemas, que expôs, não têm
relação explícita com ilicitude. Podem ter muitos sentidos e caberiam na relação funcional de um
superior em resposta a um auxiliar
que pede substituições de subordinados seus. Uma delas, dada como
a mais indicativa do comprometimento de Anthony Garotinho, revelou-se agora como pedido ou sugestão da Federação das Indústrias
do Rio de Janeiro.
A Procuradoria deve explicações,
porque, acima das acusações, deixou a suspeita de precipitação e,
pior, de injunção política incluída
em um caso criminal cujos praticantes e atos já são conhecidos há
meses.
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