São Paulo, terça-feira, 01 de agosto de 2000


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JANIO DE FREITAS
O passo adiante

Unidos em uma dobradinha a ponto de trabalharem pela reeleição de um e de outro, violando no quesito mais importante o princípio da não-ingerência, Fernando Henrique Cardoso e Carlos Menem adotaram a mesma recusa a investigar denúncias de corrupção, adotam ambos a transferência das responsabilidades, mas o ex-presidente argentino está agora um passo à frente. E com esse avanço torna mais compreensível que o presidente brasileiro esteja considerando o lançamento já, faltando mais da metade do seu mandato, de um candidato dos partidos governistas à Presidência.
Liberado na Argentina, o primeiro relatório da Agência Anticorrupção, criada pelo presidente Fernando de la Rúa, demonstra que a corrupção no governo Menem apropriou-se de pelo menos US$ 3,2 bilhões, em 15 dos casos cujas investigações o então presidente conseguiu impedir. Mesmo a obra que o próprio Menem chamou de "monumento à corrupção" (orçada em US$ 2,5 bi, custou US$ 10 bi) não pôde ser investigada durante seu governo, como registrou Janaína Figueiredo, jornalista brasileira na Argentina.
As comissões, os desvios de verbas, o tráfico de influência, o uso abusivo de cargo no governo, ou saíam de gabinetes palacianos, ou tinham amigos de Menem como principais artífices e beneficiários. Às investigações e processos contra estes, segue-se uma perspectiva interessante: a possibilidade de processos criminais contra Carlos Menem a partir das constatações da Agência e de parlamentares. Crime de responsabilidade.
Intrometer na mídia, como o pessoal do Planalto começa a fazer, a antecipação do candidato dos governistas, serve, é claro, aos esforços da Presidência para desviar a atenção sobre o que era feito no gabinete contíguo ao presidencial. Mas a Presidência já conseguiu esse desvio na quase totalidade da chamada "grande imprensa" pelo país afora, embora por modo muito menos legítimo do que uma candidatura.
Se as privatizações já tornavam inquietante a possibilidade de um eleito alheio ao governo, mesmo que não de partido oposicionista, a amplitude das valas abertas pelo caso Eduardo Jorge favorece um candidato alheio e, no futuro, os desejosos de passar em revista os escândalos sufocados pelo governo. Tudo muito parecido com a Argentina de antes e de depois da eleição presidencial.
Por aí explicam-se os lamentos dos governistas por ter Fernando Henrique respondido, pelo porta-voz palaciano, à acusação que lhe fez Ciro Gomes, de complacência com a corrupção no governo. Candidato, Ciro não poderia abdicar da tréplica. Entrevero logo com ele, que é o mais temido dos candidatos potenciais conhecidos, pelo temperamento e pelas possibilidades. Logo ele, a quem os "coordenadores políticos" de Fernando Henrique -uma espécie de réplica arrogante dos Trapalhões- mais imaginam conquistar.


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