São Paulo, domingo, 01 de setembro de 2002

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NO PLANALTO

PT luta para provar-se igual a todos os outros partidos

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Exausto de tanto centralizar tudo, o Centrão decidiu delegar tarefas. Introduziu na política uma prática comum às empresas: a terceirização. Confiou os afazeres da Presidência da República à esquerda, ficando apenas com a tarefa de cobrar resultados. Passou a dispor de mais tempo para mandar e desmandar no país.
A estratégia funcionou muito bem com FHC. O Planalto de fachada progressista resultou em ótimos negócios. Sobretudo para o setor financeiro. E a convivência com a intelectualidade tucana proporcionou ao Centrão excelente merchandising.
Para 2003, decidiu-se diversificar os investimentos. O Centrão já não se contenta com tudo. Quer mais um pouco. Avesso ao risco, evita colocar todos os ovos num mesmo cesto.
Aplicou um PMDB na apólice Serra, endossada por um passado que inclui uma escala na presidência da velha UNE e uma passagem pelo exílio. Apostou um PTB, 70% de PFL e um Scheinkman em Ciro Gomes, que cavalga o ex-Partidão. Em Lula, investiu um PL malufista, um Quércia e um Sarney.
Qualquer que seja o resultado da gincana eleitoral, a pantomima estará assegurada. O Centrão logrará manter tudo exatamente como está, com ares de quem muda absolutamente tudo.
Ao expor os seus produtos na vitrine do horário eleitoral, o Centrão ataca o Centrão e promete corrigir os erros que o Centrão cometeu. E o país vai sendo preparado para eleger mais uma encenação.
2002 passará à história como o ano em que o extermínio da esquerda brasileira, antes gradual, assumiu proporções alarmantes. Logo será preciso estabelecer cotas de abate de esquerdistas, para evitar o massacre indiscriminado.
Recomenda-se a criação de um santuário, que seria coabitado por micos-leões-dourados, por Roberto Freire e pela meia dúzia de dinossauros recalcitrantes que integram a resistência heróica.
O PT protagoniza o caso mais dramático de flexibilização das fronteiras ideológicas. À medida que foi atualizando o guarda-roupa -do macacão até o Armani-, Lula deslizou, quase sem sentir, para o outro lado. Súbito, acordou de mãos dadas com Quércia e Sarney.
Lula é um novo homem. Descobriu que quem ele era até seis meses atrás não estava preparado para o sucesso. Não tendo escrito nada, esqueceu-se do que falou. Virou mais tucano que o próprio FHC. Mimetiza a edulcorada retórica do arranjo, do possível.
Abandonou as convicções que lhe emprestavam aquele ar de sapo-cururu. O novo Lula acha que não deve nada ao velho passado sindical, muito menos explicações.
Convenceu-se de que, de braços dados com a esquerda, nunca seria aceito nos salões chiques de Brasília. Jamais seria um líder consentido e autorizado pelo Centrão.
Daí o esforço que empreende para barganhar a própria alma, prometendo-a, sob aplausos, à Febraban e à Fiesp. Devagarinho, Lula vai aniquilando o que parecia ser a sua maior virtude: a presunção da superioridade moral.
Aproveitando-se do pano de fundo proporcionado pela decomposição de Santo André, o PT do novo Lula luta para integrar-se à baixeza comum a todos os partidos. Peleja para provar-se capaz de ceder a todas as abjeções políticas, inclusive a das alianças esdrúxulas.
Diz-se, maliciosamente, que um fantasma passou a assombrar as noites do eterno presidenciável do PT. Trata-se da assombração do próprio Lula, quando era socialista. A alma penada ronda-lhe os sonhos, brandindo faixas com bordões inconvenientes: "Fora FMI", "Moratória já", "Vida longa a Fidel"...
A primeira vítima do pragmatismo do PT foi a semântica. Deu-se à capitulação o nome de amadurecimento. Uma afronta ao léxico. Coisa própria do cinismo que caracteriza o universo político brasileiro, onde qualquer coisa pode significar qualquer coisa. O novo Lula tornou-se a prova viva de que, com o passar do tempo, qualquer um pode atingir a perfeição da impudência.

 

Último moicano: é trágico o futuro que espreita Roberto Freire. Senador, rebaixou-se à refrega por uma vaga na Câmara. Pois nem o mandato de deputado o povo de Pernambuco deve lhe outorgar. Prevê-se que obterá uma reles suplência. Se for o primeiro suplente, só chegará à Câmara se Jarbas Vasconcelos, praticamente reeleito, lhe abrir o caminho, nomeando um deputado eleito para o posto de secretário de Estado. É isso ou a companhia dos micos-leões-dourados no santuário a ser criado para a esquerda em extinção.


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