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PRESIDENTE
Campanha chega ao final marcada por showmícios que são cada vez mais show
e menos comício
Assistentes de palco
FÁBIO VICTOR
DA REPORTAGEM LOCAL
Praça do Centro Cívico, Mogi
das Cruzes (SP), noite de 14 de setembro, sábado. No palco do
showmício de Ciro Gomes (PPS),
apresenta-se o grupo de pagode
"Os Travessos". O cantor Rodriguinho pede ao público para cantar o refrão "Ciro e Paulinho, esse
é o caminho". Diante da apatia
dos espectadores, ameaça: "Está
fraco. Assim não vai dar para cantar mais uma". O coro engrossa.
Largo da feira do Taboão, Guarulhos (SP), 22h15 de uma quarta-feira, 18 de setembro último. Dez
minutos depois de o candidato
petista Luiz Inácio Lula da Silva
bradar contra a Alca -a Área de
Livre Comércio das Américas-,
frisando que o Brasil não pode
"ser anexado aos EUA", o foco sai
do palanque para um palco ao lado, bem maior e cercado por telões, que anunciam a próxima
atração e um pouco mais: "Amor
Selvagem, o perfume de Zezé Di
Camargo & Luciano". Os 40 mil
presentes saúdam com bandeiras
e festa a dupla sertaneja.
Espaço de lazer Tancredão,
Campinas (SP), noite do sábado
retrasado, 21 de setembro. Atração musical do comício dos tucanos José Serra e Geraldo Alckmin,
o grupo teen KLB pede, às adolescentes estridentes que se acotovelam no local, licença para "falar
sério". Quem busca votos para os
tucanos é Kiko, o mais velho dos
três irmãos, que justifica: "O Brasil terra é muito bom, mas o Brasil
conduta anda meio machucado".
A euforia da platéia vira histeria
quando ele finaliza dizendo que
"o que está faltando [no Brasil" é
uma coisa muito simples e que se
resume a uma palavra: amor".
Praça Raposo Tavares, centro
de Maringá (PR), noite chuvosa
de uma quinta-feira, 19 de setembro. O temporal que caiu na cidade espantou o público do showmício gospel de Anthony Garotinho, mas o candidato do PSB aparece e faz um discurso, de sete minutos. Apesar da curta duração,
afirma: "Já falei demais. Vem
aqui, Shirley Carvalhaes". Espécie
de diva do gospel nacional, a cantora se aproxima do presidenciável, que pede: "Canta aquela que
eu gosto, "Esse Deus é Tremendo'", e sai de cena.
Discurso-relâmpago
A aparição-relâmpago de Garotinho naquela noite, uma "ponta"
no meio do espetáculo gospel,
tem sido regra nos showmícios
dos quatro principais candidatos
à Presidência. A estratégia de usar
artistas como "isca" para atrair
público a comícios, crescente no
país desde os anos 80, tem, na
campanha que entrou em sua última semana, ficado mais evidente com a ajuda dos políticos, que
se tornaram quase assistentes de
palco das estrelas musicais.
Em Mogi das Cruzes, Ciro falou
quatro minutos, contra quase
duas horas de shows (Bireth's &
Biroboys, Baião de Quatro, Os
Travessos e Vinny).
Em Maringá, foram sete minutos de Garotinho contra uma hora
de música gospel. Em Guarulhos,
Lula falou 15 minutos; Zezé e Luciano cantaram por duas horas.
Serra, que tem feito discursos
breves, cancelou a ida a Campinas, onde o KLB passou 1h20min
no palco -Alckmin discursou
por cinco minutos.
Não por coincidência, a maior
parte dos espectadores desses
eventos tem saído de casa mais
pelo artista que pelo político, mais
pelo show que pelo comício.
A Folha ouviu pelo menos 15
pessoas em cada showmício.
No de Ciro, ao qual compareceram cerca de 3.000 pessoas, nenhum dos entrevistados era eleitor do candidato do PPS. "Só vim
para ver os shows. Quando [os
políticos" começarem a falar, vou
embora. Não adianta, voto em
Lula", disse a estudante Natália
Cristina Teixeira, 16, logo após
comprar de um camelô, por R$1,
uma foto do ídolo Rodriguinho
-comércio frequente nos showmícios desta campanha.
No show do KLB em Campinas,
o público (8.000 pessoas) era formado em sua maioria por garotas, muitas das quais não tinham
nem idade para votar.
Ainda indecisa, a estudante Juliana Cândido, 16, disse que, em
vez de o show aproximá-la de Serra, a afastava do tucano.
"Isso é compra de voto. Vim pelo KLB, mas é errado eles trazerem um artista para ganhar nosso
voto. O meu não vão ganhar."
Paquera
O showmício de Lula foi onde a
Folha mais encontrou eleitores
que desprezaram a música -disseram estar ali para ouvir os candidatos-, mas ainda assim as tietes de Zezé e Luciano pululavam.
Com faixas da dupla sertaneja na
cabeça, as primas Vera Lúcia Duran e Janaína Duran, ambas de 17
anos, explicavam sua motivação:
"Zezé, Luciano, rapazes bonitos".
Questionadas se teriam ido só
para ver o comício, as duas gargalharam antes de juntas: "Nunca".
"Eles falam demais", justificou
Vera Lúcia. Ao lado delas, cinco
garotos, com colares fosforescentes no pescoço, disputavam um
concurso de gritos. "Duvido que
esses carinhas vieram ver Zezé e
Luciano ou Lula. Eles vieram foi
ver as gatinhas", apostou Janaína.
O novo perfil dos comícios traz
outras novidades. É comum ver
circular vendedores de uísque,
com bandejas completas -copo
com gelo e energético para acompanhar. Os preços são incrivelmente baixos: uma dose de Johnie
Walker Red Label custa de R$ 3
(puro) a R$ 5 (com energético).
Na festa gospel de Garotinho
em Maringá, que atraiu no máximo 500 pessoas, a maioria evangélicos, não havia uísque, mas um
conflito musical de gerações dominou a boca do palco.
Os sete integrantes da família
Moreira dos Santos, todos da Assembléia de Deus e eleitores de
Garotinho, exaltavam Shirley
Carvalhaes, a atração da noite.
"Ouço os hinos dela há 25 anos",
disse a matriarca, Sineide, 38.
Ali perto, as amigas Roseli, Estela e Sandra, todas na faixa dos 18,
reclamavam que a cantora era
"ultrapassada" e reivindicavam
atrações mais jovens, como o grupo gospel Oficina G3.
Os Moreira dos Santos rebateram, por intermédio da primogênita Vanessa, 21. "Esse Oficina G3
é um bando de drogados, parece
Sepultura. Dizem que são evangélicos, mas não são."
Alheia à polêmica, Shirley -estampa de uma Wanderléa morena, com cabelos revoltos, botas
pretas e saia jeans desfiada- subiu no palco e cantou três músicas, iniciando com "O Rio Vai se
Abrir, as Águas Vão Parar".
Pas-de-deux
A interação entre artista e candidato é outra constante. Em quase
todo showmício, Lula brinca que
queria cantar e ver Zezé e Luciano
discursarem, mas que só não inverte os papéis por causa da garganta irritada. A dupla também
gosta de brincar com o governador do DF, Joaquim Roriz, adversário do PT, que os contratou.
Já Serra, "cintura-dura" assumido, costuma arriscar passos desajeitados ao lado de KLB ou Chitãozinho & Xororó. Fã de gospel,
Garotinho vez por outra canta
com seus ídolos. Sempre ao lado
da mulher, Patrícia Pillar, Ciro
também participa, mas sua campanha é a que menos tem showmícios -pega muitas caronas
nos eventos de seu vice, Paulinho.
Quem mais gasta são Serra e Lula. Entre os que cantam para o tucano, Leonardo cobra R$ 100 mil
por show, Chitãozinho & Xororó,
R$ 75 mil, e KLB, R$ 50 mil. Zezé e
Luciano recebem R$ 75 mil por
cada show para Lula.
A participação de artistas na política não é novidade, mas o formato atual de showmício surgiu
no país nos anos 80, na campanha
das Diretas. Com a valorização do
marketing político e da propaganda gratuita na TV, o showmício caiu como uma luva para captar boas imagens de multidão e levá-las ao ar. Ainda assim, sua importância divide publicitários.
"Se você faz o comício só com os
políticos, atrai sempre o mesmo
público. O showmício traz pessoas novas", defendeu Duda
Mendonça, marqueteiro de Lula.
"Não gosto de showmício, é um
elemento em decadência, que serve mais para colher imagens para
a TV", afirmou Einhart Jacome da
Paz, que trabalha para Ciro.
Os maiores críticos da supervalorização dos artistas em campanhas são os políticos que viveram
a era dos grandes oradores.
"No tempo de meu pai, o show
era o próprio político, com seu
senso de humor e capacidade de
dialogar com o eleitor. Os políticos tornaram-se medíocres, não
criam nada", disse Adhemar de
Barros Filho, 72, sobre o líder populista que governou o Estado de
São Paulo três vezes.
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