São Paulo, terça-feira, 01 de outubro de 2002

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PRESIDENTE

Campanha chega ao final marcada por showmícios que são cada vez mais show e menos comício

Assistentes de palco

FÁBIO VICTOR
DA REPORTAGEM LOCAL

Praça do Centro Cívico, Mogi das Cruzes (SP), noite de 14 de setembro, sábado. No palco do showmício de Ciro Gomes (PPS), apresenta-se o grupo de pagode "Os Travessos". O cantor Rodriguinho pede ao público para cantar o refrão "Ciro e Paulinho, esse é o caminho". Diante da apatia dos espectadores, ameaça: "Está fraco. Assim não vai dar para cantar mais uma". O coro engrossa.
Largo da feira do Taboão, Guarulhos (SP), 22h15 de uma quarta-feira, 18 de setembro último. Dez minutos depois de o candidato petista Luiz Inácio Lula da Silva bradar contra a Alca -a Área de Livre Comércio das Américas-, frisando que o Brasil não pode "ser anexado aos EUA", o foco sai do palanque para um palco ao lado, bem maior e cercado por telões, que anunciam a próxima atração e um pouco mais: "Amor Selvagem, o perfume de Zezé Di Camargo & Luciano". Os 40 mil presentes saúdam com bandeiras e festa a dupla sertaneja.
Espaço de lazer Tancredão, Campinas (SP), noite do sábado retrasado, 21 de setembro. Atração musical do comício dos tucanos José Serra e Geraldo Alckmin, o grupo teen KLB pede, às adolescentes estridentes que se acotovelam no local, licença para "falar sério". Quem busca votos para os tucanos é Kiko, o mais velho dos três irmãos, que justifica: "O Brasil terra é muito bom, mas o Brasil conduta anda meio machucado". A euforia da platéia vira histeria quando ele finaliza dizendo que "o que está faltando [no Brasil" é uma coisa muito simples e que se resume a uma palavra: amor".
Praça Raposo Tavares, centro de Maringá (PR), noite chuvosa de uma quinta-feira, 19 de setembro. O temporal que caiu na cidade espantou o público do showmício gospel de Anthony Garotinho, mas o candidato do PSB aparece e faz um discurso, de sete minutos. Apesar da curta duração, afirma: "Já falei demais. Vem aqui, Shirley Carvalhaes". Espécie de diva do gospel nacional, a cantora se aproxima do presidenciável, que pede: "Canta aquela que eu gosto, "Esse Deus é Tremendo'", e sai de cena.

Discurso-relâmpago
A aparição-relâmpago de Garotinho naquela noite, uma "ponta" no meio do espetáculo gospel, tem sido regra nos showmícios dos quatro principais candidatos à Presidência. A estratégia de usar artistas como "isca" para atrair público a comícios, crescente no país desde os anos 80, tem, na campanha que entrou em sua última semana, ficado mais evidente com a ajuda dos políticos, que se tornaram quase assistentes de palco das estrelas musicais.
Em Mogi das Cruzes, Ciro falou quatro minutos, contra quase duas horas de shows (Bireth's & Biroboys, Baião de Quatro, Os Travessos e Vinny).
Em Maringá, foram sete minutos de Garotinho contra uma hora de música gospel. Em Guarulhos, Lula falou 15 minutos; Zezé e Luciano cantaram por duas horas.
Serra, que tem feito discursos breves, cancelou a ida a Campinas, onde o KLB passou 1h20min no palco -Alckmin discursou por cinco minutos.
Não por coincidência, a maior parte dos espectadores desses eventos tem saído de casa mais pelo artista que pelo político, mais pelo show que pelo comício.
A Folha ouviu pelo menos 15 pessoas em cada showmício.
No de Ciro, ao qual compareceram cerca de 3.000 pessoas, nenhum dos entrevistados era eleitor do candidato do PPS. "Só vim para ver os shows. Quando [os políticos" começarem a falar, vou embora. Não adianta, voto em Lula", disse a estudante Natália Cristina Teixeira, 16, logo após comprar de um camelô, por R$1, uma foto do ídolo Rodriguinho -comércio frequente nos showmícios desta campanha.
No show do KLB em Campinas, o público (8.000 pessoas) era formado em sua maioria por garotas, muitas das quais não tinham nem idade para votar.
Ainda indecisa, a estudante Juliana Cândido, 16, disse que, em vez de o show aproximá-la de Serra, a afastava do tucano.
"Isso é compra de voto. Vim pelo KLB, mas é errado eles trazerem um artista para ganhar nosso voto. O meu não vão ganhar."

Paquera
O showmício de Lula foi onde a Folha mais encontrou eleitores que desprezaram a música -disseram estar ali para ouvir os candidatos-, mas ainda assim as tietes de Zezé e Luciano pululavam. Com faixas da dupla sertaneja na cabeça, as primas Vera Lúcia Duran e Janaína Duran, ambas de 17 anos, explicavam sua motivação: "Zezé, Luciano, rapazes bonitos".
Questionadas se teriam ido só para ver o comício, as duas gargalharam antes de juntas: "Nunca".
"Eles falam demais", justificou Vera Lúcia. Ao lado delas, cinco garotos, com colares fosforescentes no pescoço, disputavam um concurso de gritos. "Duvido que esses carinhas vieram ver Zezé e Luciano ou Lula. Eles vieram foi ver as gatinhas", apostou Janaína.
O novo perfil dos comícios traz outras novidades. É comum ver circular vendedores de uísque, com bandejas completas -copo com gelo e energético para acompanhar. Os preços são incrivelmente baixos: uma dose de Johnie Walker Red Label custa de R$ 3 (puro) a R$ 5 (com energético).
Na festa gospel de Garotinho em Maringá, que atraiu no máximo 500 pessoas, a maioria evangélicos, não havia uísque, mas um conflito musical de gerações dominou a boca do palco.
Os sete integrantes da família Moreira dos Santos, todos da Assembléia de Deus e eleitores de Garotinho, exaltavam Shirley Carvalhaes, a atração da noite. "Ouço os hinos dela há 25 anos", disse a matriarca, Sineide, 38.
Ali perto, as amigas Roseli, Estela e Sandra, todas na faixa dos 18, reclamavam que a cantora era "ultrapassada" e reivindicavam atrações mais jovens, como o grupo gospel Oficina G3.
Os Moreira dos Santos rebateram, por intermédio da primogênita Vanessa, 21. "Esse Oficina G3 é um bando de drogados, parece Sepultura. Dizem que são evangélicos, mas não são."
Alheia à polêmica, Shirley -estampa de uma Wanderléa morena, com cabelos revoltos, botas pretas e saia jeans desfiada- subiu no palco e cantou três músicas, iniciando com "O Rio Vai se Abrir, as Águas Vão Parar".

Pas-de-deux
A interação entre artista e candidato é outra constante. Em quase todo showmício, Lula brinca que queria cantar e ver Zezé e Luciano discursarem, mas que só não inverte os papéis por causa da garganta irritada. A dupla também gosta de brincar com o governador do DF, Joaquim Roriz, adversário do PT, que os contratou.
Já Serra, "cintura-dura" assumido, costuma arriscar passos desajeitados ao lado de KLB ou Chitãozinho & Xororó. Fã de gospel, Garotinho vez por outra canta com seus ídolos. Sempre ao lado da mulher, Patrícia Pillar, Ciro também participa, mas sua campanha é a que menos tem showmícios -pega muitas caronas nos eventos de seu vice, Paulinho.
Quem mais gasta são Serra e Lula. Entre os que cantam para o tucano, Leonardo cobra R$ 100 mil por show, Chitãozinho & Xororó, R$ 75 mil, e KLB, R$ 50 mil. Zezé e Luciano recebem R$ 75 mil por cada show para Lula.
A participação de artistas na política não é novidade, mas o formato atual de showmício surgiu no país nos anos 80, na campanha das Diretas. Com a valorização do marketing político e da propaganda gratuita na TV, o showmício caiu como uma luva para captar boas imagens de multidão e levá-las ao ar. Ainda assim, sua importância divide publicitários.
"Se você faz o comício só com os políticos, atrai sempre o mesmo público. O showmício traz pessoas novas", defendeu Duda Mendonça, marqueteiro de Lula.
"Não gosto de showmício, é um elemento em decadência, que serve mais para colher imagens para a TV", afirmou Einhart Jacome da Paz, que trabalha para Ciro.
Os maiores críticos da supervalorização dos artistas em campanhas são os políticos que viveram a era dos grandes oradores.
"No tempo de meu pai, o show era o próprio político, com seu senso de humor e capacidade de dialogar com o eleitor. Os políticos tornaram-se medíocres, não criam nada", disse Adhemar de Barros Filho, 72, sobre o líder populista que governou o Estado de São Paulo três vezes.


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