São Paulo, Segunda-feira, 01 de Novembro de 1999
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Dorcelina atacou "máfia do contrabando'

FREDERICO VASCONCELOS
da Reportagem Local

Desde que decidiu abandonar as salas de aula para atuar no movimento dos sem-terra, a professora Dorcelina Folador sabia que sua vida corria sério risco.
Ela foi eleita prefeita de Mundo Novo, no sudoeste do Mato Grosso do Sul, fronteira com o Paraguai, com um forte discurso contra as "máfias do contrabando".
"Diziam que se eu subisse no palanque não desceria viva", contou à Folha, em dezembro de 1996, na varanda de sua casa, uma moradia simples, de madeira, cercada por um milharal.
Dorcelina descreveu como pretendia "mudar as coisas" naquela região controlada, segundo ela, "pelas máfias do narcotráfico, do contrabando de carros e do contrabando de bebês".
Deficiente física, ela era uma mulher corajosa, consciente de que sua liderança despertava a ira de muita gente. O símbolo da campanha de Dorcelina era uma vassoura, ao estilo de Jânio Quadros, com os seguintes dizeres: "Vamos varrer a corrupção, Dorcelina é a solução".
Dorcelina contou que, numa invasão dos sem-terra em Tacuru (MS), os policiais do batalhão mancavam como se também fossem deficientes físicos.
"Foi difícil controlar o povo. A gente só tinha enxadas e foices. E eles tinham metralhadoras. Haveria uma chacina", disse ela.
Durante a campanha eleitoral, o bom senso indicou que ela não deveria fazer uma campanha mais agressiva nas ruas. Suas filhas também já haviam sofrido ameaças.
"Tinha pessoas estranhas na cidade. Eu não fiz corpo-a-corpo para evitar que tentassem, talvez, me assassinar", disse a prefeita.
Com todos esses fatores contra sua eleição, Dorcelina conseguiu vencer com 46% dos votos. Ela reuniu em torno de seu nome uma coligação do PT (Partido dos Trabalhadores) com o PMN (Partido da Mobilização Nacional).
Ela foi eleita com o apoio de várias igrejas de Mundo Novo e com a discreta aprovação de pequenos empresários do município.
Essa base de apoio se explicava, em grande parte, pela desilução da população, diante de sucessivas administrações marcadas pela corrupção e pela inépcia.
O antecessor de Dorcelina, Ademar Antônio da Silva, eleito pelo PSDB, colocara a mulher e os quatro filhos na folha de pagamento da prefeitura. Era acusado de haver construído casas novas para os filhos. Tinha negócios no Paraguai, o que explicaria suas longas ausências, na prefeitura.
O tucano frustrara a expectativa de uma população que, assim como no governo Collor, também fora às ruas para exigir o "impeachment" do prefeito José Carlos da Silva (PTB), outro político acusado de desmandos administrativos e desvios de recursos.

Bolsa-escola
Na gestão de Dorcelina, a prefeitura criara um programa de financiamento da bolsa-escola para as famílias que viviam na pobreza extrema.
Inspirada na experiência do PT no Distrito Federal, Dorcelina também iniciara um programa de financiamento para o pequeno produtor rural de baixa renda.
Em Mundo Novo, a extrema miséria convive com as facilidades do contrabando e do tráfico. O assassinato de Dorcelina colocará em evidência um município de nome sugestivo, mas que reproduz o que há de mais atrasado.


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