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Dorcelina atacou "máfia do contrabando'
FREDERICO VASCONCELOS
da Reportagem Local
Desde que decidiu abandonar
as salas de aula para atuar no movimento dos sem-terra, a professora Dorcelina Folador sabia que
sua vida corria sério risco.
Ela foi eleita prefeita de Mundo
Novo, no sudoeste do Mato Grosso do Sul, fronteira com o Paraguai, com um forte discurso contra as "máfias do contrabando".
"Diziam que se eu subisse no
palanque não desceria viva", contou à Folha, em dezembro de
1996, na varanda de sua casa, uma
moradia simples, de madeira, cercada por um milharal.
Dorcelina descreveu como pretendia "mudar as coisas" naquela
região controlada, segundo ela,
"pelas máfias do narcotráfico, do
contrabando de carros e do contrabando de bebês".
Deficiente física, ela era uma
mulher corajosa, consciente de
que sua liderança despertava a ira
de muita gente. O símbolo da
campanha de Dorcelina era uma
vassoura, ao estilo de Jânio Quadros, com os seguintes dizeres:
"Vamos varrer a corrupção, Dorcelina é a solução".
Dorcelina contou que, numa invasão dos sem-terra em Tacuru
(MS), os policiais do batalhão
mancavam como se também fossem deficientes físicos.
"Foi difícil controlar o povo. A
gente só tinha enxadas e foices. E
eles tinham metralhadoras. Haveria uma chacina", disse ela.
Durante a campanha eleitoral, o
bom senso indicou que ela não
deveria fazer uma campanha
mais agressiva nas ruas. Suas filhas também já haviam sofrido
ameaças.
"Tinha pessoas estranhas na cidade. Eu não fiz corpo-a-corpo
para evitar que tentassem, talvez,
me assassinar", disse a prefeita.
Com todos esses fatores contra
sua eleição, Dorcelina conseguiu
vencer com 46% dos votos. Ela
reuniu em torno de seu nome
uma coligação do PT (Partido dos
Trabalhadores) com o PMN (Partido da Mobilização Nacional).
Ela foi eleita com o apoio de várias igrejas de Mundo Novo e com
a discreta aprovação de pequenos
empresários do município.
Essa base de apoio se explicava,
em grande parte, pela desilução
da população, diante de sucessivas administrações marcadas pela corrupção e pela inépcia.
O antecessor de Dorcelina, Ademar Antônio da Silva, eleito pelo
PSDB, colocara a mulher e os
quatro filhos na folha de pagamento da prefeitura. Era acusado
de haver construído casas novas
para os filhos. Tinha negócios no
Paraguai, o que explicaria suas
longas ausências, na prefeitura.
O tucano frustrara a expectativa
de uma população que, assim como no governo Collor, também
fora às ruas para exigir o "impeachment" do prefeito José Carlos da Silva (PTB), outro político
acusado de desmandos administrativos e desvios de recursos.
Bolsa-escola
Na gestão de Dorcelina, a prefeitura criara um programa de financiamento da bolsa-escola para as famílias que viviam na pobreza extrema.
Inspirada na experiência do PT
no Distrito Federal, Dorcelina
também iniciara um programa de
financiamento para o pequeno
produtor rural de baixa renda.
Em Mundo Novo, a extrema
miséria convive com as facilidades do contrabando e do tráfico.
O assassinato de Dorcelina colocará em evidência um município
de nome sugestivo, mas que reproduz o que há de mais atrasado.
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