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NEGATIVO
Para Renato Lessa, diminui discussão sobre rumos do país; enfoque da imprensa no seu "comportamento" prejudica Marta
Desideologização prejudica política, afirma intelectual
DO ENVIADO ESPECIAL A CAXAMBU
A diferença entre a boa avaliação administrativa de Marta Suplicy (PT) e os votos que efetivamente recebeu deveu-se em parte
à apresentação privilegiada de
"comportamentos" da petista, retratados de forma negativa na imprensa paulistana. É o que diz o
cientista político Renato Lessa,
professor do Iuperj (Instituto
Universitário de Pesquisas do Rio
de Janeiro).
"A coisa do namorado, do Luis
Favre. Ele é sempre apresentado
negativamente. A Marta não pode
se separar do marido, não pode
ter um namorado argentino ou
francês. Ele é sempre apresentado
como um sujeito semiclandestino", diz o cientista político.
Para Lessa, os embates eleitorais
no país têm piorado. "As eleições
vêm sendo crescentemente despolitizadas e desideologizadas.
Nos últimos dez, 15 anos, mesmo
quando os candidatos vêm de
campos ideológicos diferentes, a
apresentação deles com freqüência escamoteia a diferença."
A seguir, trechos da entrevista.
Folha - Como se explica que uma
prefeita com 48% de ótimo e bom
na avaliação da administração possa vir a perder uma eleição?
Renato Lessa - É um fenômeno
curioso a dissociação de uma avaliação de desempenho de uma
avaliação eleitoral. Um aspecto
relevante para entender isso é o
modo pelo qual a imagem dos
candidatos é produzida e acaba
sendo digerida pela opinião pública. No caso da Marta, até onde
posso observar, a avaliação e a
apresentação nos principais órgãos de imprensa de São Paulo
-até por aqueles com maior penetração popular- é em grande
medida negativa. Enfatizando dimensões do aspecto comportamental, menos do que dimensões
do aspecto administrativo. O fato
de ser mulher, de usar roupas caras, de ter um comportamento
muito afirmativo. Isso aparece de
maneira negativa. Não se trata de
discutir se é ou não verdade, se a
imprensa está certa ou errada.
Acaba decantando formas de
percepção. Quando o eleitorado
começa a avaliar informações sobre o que acontece na cidade, já
vão ser tratadas de maneira que
certos preconceitos e enquadramentos já estão definidos.
Folha - O fato de ser mulher influencia nisso?
Lessa - Não para o eleitorado inteiro, mas para um segmento do
eleitorado que pode ser suficiente
para explicar essa defasagem entre bom desempenho administrativo e desempenho eleitoral
-porque a diferença também
não é muito grande. Estamos falando de um resíduo. Não é que o
eleitorado enlouqueceu. Estamos
tentando explicar a exceção.
A coisa do namorado, do Luis
Favre. Ele é sempre apresentado
negativamente. A Marta é uma
mulher que não pode se separar
do marido, não pode ter um namorado argentino ou francês. Ele
é sempre apresentado como um
sujeito semiclandestino. Como
cientista social, sou obrigado a
tratar isso como uma imagem socialmente construída. Não é loucura supor que possa ter algum
efeito numa parcela do eleitorado
que pode ajudar a explicar essa diferença. Outro resíduo possível é
o de um eleitor otimista. Que
bom, São Paulo tem uma boa prefeita, mas acho que o Serra será
melhor. Isso não é loucura.
Folha - Como se explica a falta de
engajamento da militância petista? É resultado do governo Lula?
Lessa - Isso é uma evidência que
mostra a normalidade do PT enquanto partido político. As campanhas eleitorais em sociedades
de massa já com uma certa regularidade eleitoral têm um fortíssimo componente de militância
contratada. Mas, se ficar nisso, é
uma visão muito cínica e conformada com os rumos que a vida
acabou tomando.
Há coisas subjacentes que têm
maior gravidade. É o fato de que
as eleições vêm sendo crescentemente despolitizadas e desideologizadas. Antes mesmo do Lula.
Nas eleições no Brasil nos últimos
dez, 15 anos, mesmo quando os
candidatos vêm de campos ideológicos diferentes, a apresentação
deles com freqüência escamoteia
a diferença. Criou-se o mito de
que o eleitorado brasileiro não suporta o embate e que tende a privilegiar candidatos moderados,
convergindo para o centro. Mas o
eleitorado não tem nenhuma característica natural -ele é construído num processo de aprendizagem que tem como ator fundamental o comportamento de partidos e candidatos. É uma roda. O
comportamento dos candidatos
gera cognição política despolitizada, e essa despolitização exige
que, na eleição seguinte, a estratégia eleitoral a leve em conta.
Isso começa com a profissionalização das direções de campanha. Passa-se a agir como um
bom vendedor que se dirige a seu
público consumidor a partir das
expectativas que esse público
apresenta para ele. No fundo, eu
pergunto para você o que você
gostaria de ouvir.
Folha - Isso é ruim?
Lessa - Nostalgicamente, vou dizer que é. É ruim também do ponto de vista republicano, de quem
acredita ainda na política, na capacidade de organização da sociedade de modo minimamente racional, na capacidade de discutir
projetos, saídas para o país.
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