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Deputado que atirou em adversário renuncia para não ser julgado no STF
Ao deixar a Câmara, Ronaldo Cunha Lima perde o foro especial e, com isso, processo volta à 1ª instância
Na carta lida em plenário, tucano diz que abre mão do
foro privilegiado para ser julgado pelo povo, "como
um igual que sempre fui"
FÁBIO ZANINI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Em uma manobra para escapar de um julgamento no Supremo Tribunal Federal pelo
atentado a tiros contra um adversário, o tucano Ronaldo Cunha Lima (PB) renunciou ontem a seu mandato na Câmara.
O julgamento estava marcado para a semana que vem, e o
efeito imediato da renúncia foi
fazer o processo recomeçar na
Justiça paraibana, uma vez que
Cunha Lima perdeu o foro privilegiado que tinha em razão do
cargo. Agora, não há prazo para
encerramento do caso.
A manobra levou a críticas e
pedidos de modificação da legislação sobre o foro privilegiado. "O gesto mostra que o foro
privilegiado é uma excrescência", disse Arnaldo Madeira
(PSDB-SP). O presidente do
Conselho de Ética da Câmara,
Ricardo Izar (PTB-SP), afirmou que é preciso mudar a lei.
"Passou um pouco dos limites.
Não dá para esta Casa ficar tendo uma mancha por dia."
Em 1993, Cunha Lima, então
governador da Paraíba, atirou
em Tarcísio Burity, ex-governador, em um restaurante de
João Pessoa. Burity sobreviveu
ao atentado e teria perdoado
Cunha Lima antes de morrer,
em 2003, segundo o tucano.
O agora ex-deputado não foi
entregar pessoalmente a carta
de renúncia, protocolada às
13h06 na secretaria da Mesa
por um advogado e pelo deputado Rômulo Gouveia (PSDB-PB), seu aliado. Às 14h02 ela foi
lida pelo 1º vice-presidente da
Casa, Nárcio Rodrigues (PSDB-MG), consumando a renúncia.
Na carta de dois parágrafos,
Cunha Lima, cujo filho Cássio é
o atual governador paraibano,
diz que renuncia "a fim de possibilitar que esse povo me julgue, sem prerrogativa de foro
como um igual que sempre fui".
Em seguida, pede que o gesto
seja comunicado à presidente
do STF, Ellen Gracie.
O plenário estava praticamente vazio. Nárcio, após ler o
documento, elogiou o colega.
"Registramos a confiança de
que a decisão tomada protegerá
sua grande biografia de serviços prestados ao Parlamento,
ao Brasil e à Paraíba."
Cunha Lima isolou-se ontem
na casa que tem em Brasília, segundo sua assessoria, e não
atendeu à Folha. Procurado,
seu advogado, José Gerardo
Grossi, não telefonou de volta.
Duas horas após a renúncia,
o líder do PSDB na Câmara,
Antônio Carlos Pannunzio
(SP), leu uma outra carta, de
duas páginas, em que Cunha
Lima justifica seu ato dizendo
que quer ser julgado por um
tribunal do júri, na Paraíba.
"Quero, com esse gesto extremo, despir-me de quaisquer
prerrogativas para assumir,
apenas como cidadão, episódios particularmente dolorosos de um passado já remoto no
tempo, mas ainda muito presente em minha vida e minha
consciência, por seus desdobramentos de sofrimento e de
dor", diz o ex-deputado. "Por
esses gestos já me penitenciei
junto aos que fiz sofrer."
A transferência do caso para
a primeira instância traz outro
bônus. Ele poderá recorrer de
eventual condenação, enquanto no STF a decisão seria final.
Cunha Lima, 71, que teve um
AVC (acidente vascular cerebral) há oito anos e usa uma cadeira de rodas, teria comunicado apenas ontem pela manhã a
aliados a decisão. "Fui surpreendido. O fato é que ele desde aquele episódio tem a posição de que quer ser julgado pelo povo paraibano, e não pelo
Supremo", disse Gouveia. A intenção, segundo o aliado, não
foi ganhar tempo. "É o oposto.
Ele quer se livrar disso. Ronaldo é um humanista, uma pessoa fantástica, que vem sofrendo com esse episódio há muitos
anos", afirmou.
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