São Paulo, quinta-feira, 01 de novembro de 2007

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Deputado que atirou em adversário renuncia para não ser julgado no STF

Ao deixar a Câmara, Ronaldo Cunha Lima perde o foro especial e, com isso, processo volta à 1ª instância

Na carta lida em plenário, tucano diz que abre mão do foro privilegiado para ser julgado pelo povo, "como um igual que sempre fui"

FÁBIO ZANINI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Em uma manobra para escapar de um julgamento no Supremo Tribunal Federal pelo atentado a tiros contra um adversário, o tucano Ronaldo Cunha Lima (PB) renunciou ontem a seu mandato na Câmara.
O julgamento estava marcado para a semana que vem, e o efeito imediato da renúncia foi fazer o processo recomeçar na Justiça paraibana, uma vez que Cunha Lima perdeu o foro privilegiado que tinha em razão do cargo. Agora, não há prazo para encerramento do caso.
A manobra levou a críticas e pedidos de modificação da legislação sobre o foro privilegiado. "O gesto mostra que o foro privilegiado é uma excrescência", disse Arnaldo Madeira (PSDB-SP). O presidente do Conselho de Ética da Câmara, Ricardo Izar (PTB-SP), afirmou que é preciso mudar a lei. "Passou um pouco dos limites. Não dá para esta Casa ficar tendo uma mancha por dia."
Em 1993, Cunha Lima, então governador da Paraíba, atirou em Tarcísio Burity, ex-governador, em um restaurante de João Pessoa. Burity sobreviveu ao atentado e teria perdoado Cunha Lima antes de morrer, em 2003, segundo o tucano.
O agora ex-deputado não foi entregar pessoalmente a carta de renúncia, protocolada às 13h06 na secretaria da Mesa por um advogado e pelo deputado Rômulo Gouveia (PSDB-PB), seu aliado. Às 14h02 ela foi lida pelo 1º vice-presidente da Casa, Nárcio Rodrigues (PSDB-MG), consumando a renúncia.
Na carta de dois parágrafos, Cunha Lima, cujo filho Cássio é o atual governador paraibano, diz que renuncia "a fim de possibilitar que esse povo me julgue, sem prerrogativa de foro como um igual que sempre fui". Em seguida, pede que o gesto seja comunicado à presidente do STF, Ellen Gracie.
O plenário estava praticamente vazio. Nárcio, após ler o documento, elogiou o colega. "Registramos a confiança de que a decisão tomada protegerá sua grande biografia de serviços prestados ao Parlamento, ao Brasil e à Paraíba."
Cunha Lima isolou-se ontem na casa que tem em Brasília, segundo sua assessoria, e não atendeu à Folha. Procurado, seu advogado, José Gerardo Grossi, não telefonou de volta.
Duas horas após a renúncia, o líder do PSDB na Câmara, Antônio Carlos Pannunzio (SP), leu uma outra carta, de duas páginas, em que Cunha Lima justifica seu ato dizendo que quer ser julgado por um tribunal do júri, na Paraíba.
"Quero, com esse gesto extremo, despir-me de quaisquer prerrogativas para assumir, apenas como cidadão, episódios particularmente dolorosos de um passado já remoto no tempo, mas ainda muito presente em minha vida e minha consciência, por seus desdobramentos de sofrimento e de dor", diz o ex-deputado. "Por esses gestos já me penitenciei junto aos que fiz sofrer."
A transferência do caso para a primeira instância traz outro bônus. Ele poderá recorrer de eventual condenação, enquanto no STF a decisão seria final.
Cunha Lima, 71, que teve um AVC (acidente vascular cerebral) há oito anos e usa uma cadeira de rodas, teria comunicado apenas ontem pela manhã a aliados a decisão. "Fui surpreendido. O fato é que ele desde aquele episódio tem a posição de que quer ser julgado pelo povo paraibano, e não pelo Supremo", disse Gouveia. A intenção, segundo o aliado, não foi ganhar tempo. "É o oposto. Ele quer se livrar disso. Ronaldo é um humanista, uma pessoa fantástica, que vem sofrendo com esse episódio há muitos anos", afirmou.


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