|
Texto Anterior | Índice
JUDICIÁRIO
Primo de Collor, responsável por várias decisões contrárias ao governo, vai assumir presidência do STF em maio
Planalto teme a gestão de Marco Aurélio no Supremo
ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Há um clima de "profunda irritação" na praça dos Três Poderes,
em Brasília. O motivo: a atuação
do ministro Marco Aurélio de
Mello, vice-presidente do STF
(Supremo Tribunal Federal).
Em maio do ano que vem, pelo
critério da antiguidade que rege a
sucessão no comando do STF,
Marco Aurélio passará de vice a
presidente. Terá, então, mais do
que o seu próprio voto para incomodar o governo, como fez no caso Banespa, ao confirmar a suspensão da privatização do banco,
em julho.
A presidência dará ao ministro
poderes para definir a pauta de
votação do Tribunal e a prerrogativa de cassar liminares concedidas por outros ministros -um
dissabor que Marco Aurélio
amargou no próprio caso Banespa, quando o presidente do STF,
ministro Carlos Velloso, ao voltar
das férias, derrubou a decisão de
seu vice e liberou a venda do banco estatal paulista.
Na iminência de enfrentar um
ministro de conduta imprevisível
e com mais poderes, o Planalto vive em clima de "profunda irritação". A última de Marco Aurélio
foi criticar em público a lei aprovada pelo Congresso para flexibilizar a quebra do sigilo bancário.
"A Constituição Federal encerra a
privacidade e revela que só pode
ser afastada por ato judicial", declarou o ministro.
O ataque levou os principais assessores do presidente da República a retardarem a sanção da nova lei. Eles temiam que, como é
comum em períodos de férias, o
vice assumisse a presidência do
STF e acolhesse pedidos em caráter liminar para considerar a nova
lei inconstitucional.
Jogo político
Aos leigos no jogo político, o Palácio do Planalto apresentou uma
justificativa técnica para retardar
a sanção. Decidiu-se priorizar a
elaboração do decreto que regulamentará a lei. Portanto, a assinatura do presidente só sai em janeiro, quando Marco Aurélio estará
passando férias no Rio de Janeiro.
"Não quis dividir o período de
recesso com o ministro Velloso
para evitar novos desgastes", disse, numa alusão à sua decisão sobre o Banespa posteriormente
cassada por Velloso.
Nomeado pelo primo Fernando
Collor de Mello, em 1990, Marco
Aurélio de Mello é o único membro do STF oriundo da Justiça do
Trabalho nos mais de cem anos
de existência da Corte suprema.
De 1981 a 1990, ele foi ministro do
TST (Tribunal Superior do Trabalho). Inverteu o jogo e, em vez de
ser chamado de ministro "primo
de Collor", recebeu a alcunha de
"ministro da oposição".
Em outubro, no entanto, Marco
Aurélio emitiu sinais de que não
pretendia levar adiante a carreira
de "ministro da oposição". Votou
contra o aumento de 11,98% para
os funcionários do Judiciário. E
surpreendeu os colegas de plenário ao mudar de posição e votar
pela manutenção na Lei de Responsabilidade Fiscal do teto para
gastos com pessoal nos três Poderes e no Ministério Público
-num placar de seis votos a cinco que deu vitória ao governo.
"Não sou de situação nem de
oposição. Refleti, evoluí e mudei o
meu voto, o que demonstra que
não sou uma pessoa teimosa, que
vota costumeiramente contra o
governo simplesmente por votar", disse Marco Aurélio.
Conhecido por ser um ministro
acessível, não se nega a receber
advogados para ouvir suas teses.
Em conversa com um deles, o advogado Roberto Caldas, que ganhou a causa para corrigir em
68,9% os valores do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, Marco Aurélio declarou: "Veja, Roberto. No Tribunal Superior do
Trabalho, eu era considerado um
conservador. E agora, aqui no Supremo, me chamam de liberal".
Polêmico
Liberal e polêmico, já disse a colegas que concederia a liberdade a
Nicolau dos Santos Neto num
eventual habeas corpus submetido a seu julgamento. O ex-juiz é
acusado de ter se beneficiado do
desvio de R$ 169,5 milhões na
construção do Fórum Trabalhista
do TRT de São Paulo. Também
pesam sobre o réu acusações de
lavagem de dinheiro, sonegação
fiscal e formação de quadrilha.
Conhecedor das posições do
ministro liberal, o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro
esperou o recesso de julho para
entrar com um pedido de habeas
corpus em nome do banqueiro
Salvatore Cacciola.
"O advogado que trabalha nos
tribunais superiores tem obrigação de saber qual o posicionamento de todos os ministros da
Casa", afirmou Almeida Castro.
"Conhecer com segurança quem
é conservador ou liberal."
Marco Aurélio deu liberdade ao
banqueiro acusado de se beneficiar de uma operação de socorro
em janeiro de 1999, que causou
um prejuízo de R$ 1,6 bilhão aos
cofres públicos. Cacciola fugiu e
agora vive em Roma.
A estratégia de buscar as decisões de Marco Aurélio no recesso
é conhecida. Dos 69 pedidos de
habeas corpus apresentados ao
STF em julho, 42 chegaram ao
distribuidor entre os dias 1º e 15
daquele mês, quando o vice despachava como presidente.
Marco Aurélio enfrentou muitas críticas ao deferir um pedido
da Incal Incorporações, a construtora responsável pelas obras
do prédio superfaturado do Fórum Trabalhista de São Paulo.
Como consequência de sua decisão, ficou suspensa a determinação do Tribunal de Contas da
União de cobrar dos réus o dinheiro público desviado da obra.
Outro momento de conflito
com a opinião pública: acolheu
pedido do senador cassado Luiz
Estevão, que se negava a depor na
Polícia Federal sobre sua participação no desvio do dinheiro da
obra superfaturada do TRT-SP.
"Ele não era mais senador. Portanto, não tinha o foro privilegiado do STF. O correto era, como se
fez depois, que ele prestasse depoimento no tribunal de origem
do caso, em São Paulo", afirma
Marco Aurélio.
Mal-estar
Oficialmente, o governo federal
tenta encobrir o mal-estar causado pelas polêmicas decisões do
ministro. "É um juiz arrojado, e
em alguns casos isso ajuda a contribuir para o avanço da Justiça",
afirma o advogado-geral da
União, Gilmar Mendes.
No Palácio do Planalto, a aposta
é que Marco Aurélio não usará o
poder para expressar posições
políticas. Pelo contrário, deverá se
investir de uma atuação cada vez
mais discreta.
Por via das dúvidas, há precauções em curso. Em novembro, foi
editada a medida provisória 1984,
que amplia as possibilidades para
o Poder Público questionar as decisões do presidente do Supremo.
No Congresso Nacional, tramita
um projeto de lei, assinado pelo
senador Lúcio Alcântara (PSDB-CE), que, se for aprovado, vai modificar o mandato dos presidentes
de tribunais. "Isso não tem nada a
ver com o Marco Aurélio. É uma
proposta para viabilizar a aplicação da Lei de Responsabilidade
Fiscal também no Judiciário",
afirmou o senador.
A proposta do projeto de lei de
número 276, de 2000, é igualar os
mandatos dos presidentes de tribunais ao ano fiscal -portanto,
de 1º de janeiro a 31 de dezembro.
No caso do STF, como a posse é
em maio, haveria um mandato
tampão até o final de 2001. Nesse
caso, Marco Aurélio assumiria somente em 2002.
Em conversas com amigos, o
ministro confessou seus temores.
Não acredita que o Palácio do Planalto jogue para valer a fim de impedir sua posse. Mas está preocupado e até tentou baixar o tom das
críticas. Em vão. Numa solenidade na Embaixada na Espanha, em
que FHC recebeu o rei Juan Carlos, Marco Aurélio aproveitou para manifestar seu descontentamento. Ao apertar a mão do presidente, disse: "O senhor vê: as intrigas continuam".
Texto Anterior: Outro lado: Diretor admite que contratos têm problemas Índice
|