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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ ENTREVISTA
Presidente da Petrobras nega uso da empresa com fins políticos, mas defende seu direito de participar de programas do PT na TV
"Valerioduto" foi superestimado, diz Gabrielli
PEDRO SOARES
DA SUCURSAL DO RIO
Tido como um dos trunfos eleitorais do governo para 2006 em
razão da auto-suficiência na produção de petróleo prevista para
maio, o presidente da Petrobras,
José Sérgio Gabrielli, 56, diz que
há "superestimação" do valerioduto, afirma que ainda não existem provas de que o mensalão
existiu e defende o ex-secretário-geral do PT, Sílvio Pereira, que ganhou um jipe Land Rover da
GDK, contratada pela Petrobras.
"O que ficou provado de GDK e
do Silvinho?", indagou: "Ao que
me consta, nada". Sobre o "mensalão", afirmou: "Há muita superestimação de fatos não comprovados. Criou-se de fato no imaginário popular uma visão muito
maior do que de fato é".
Gabrielli nega que pretenda
usar a Petrobras como trampolim
político e diz que não se candidatará a nada após deixar a empresa,
mas defendeu seu direito de gravar depoimento no programa do
PT. "Sou cidadão brasileiro e tenho direito político. Sou cidadão
brasileiro, eleitor, pago os meus
impostos, tenho direito como
qualquer cidadão. Tenho militância partidária histórica. Não falei
sobre a Petrobras. E vocês querem
me cassar o direito de falar?"
Militante de esquerda preso durante a ditadura militar, Gabrielli
negou que não haverá aumento
dos combustíveis em 2006. O reajuste, diz, dependerá de uma mudança de patamar do preço do petróleo que não se vislumbra hoje.
Folha - Há alguma mudança na
política de preços da Petrobras. Foi
tomada a decisão de não aumentar
os combustíveis em 2006?
José Sérgio Gabrielli - O secretário-geral da Opep, Adnan Shihab-Eldin, disse em artigo que a perspectiva do preço do petróleo para
2005 e 2006 é permanecer alto e
com alta volatilidade. Há uma redução da capacidade ociosa no
refino no mundo, simultânea a
um aumento das exigências da
qualidade e produto.
Folha - É, portanto, uma questão
de oferta também?
Gabrielli - É uma questão de
oferta e demanda, porque as refinarias têm pouca capacidade de
conversão [de óleo pesado], portanto, pouca capacidade de utilizar petróleo pesado. No entanto,
elas têm de produzir mais leves
[derivados como gasolina e nafta]. Isso faz com que o barril de
petróleo adicional [para aumentar a produção] demandado pelas
refinarias seja do tipo leve. Enquanto isso, a produção adicional
é de óleo pesado. Portanto, a diferença entre o preço de leve e pesado tende a aumentar. Além disso,
os investimentos em refinarias
novas são investimentos fortemente concentrados, até 2015, na
Ásia e no Pacífico, previstos em
US$ 30,3 bilhões; na América do
Norte, US$ 19,8 bilhões; e na
América Latina, US$ 21,1 bilhões.
Folha - Qual o cenário para a extração de petróleo?
Gabrielli - No caso da oferta de
petróleo bruto, a previsão é que o
crescimento da produção dos países que não são membros da
Opep é menor do que antes. Significa que o mundo, diferentemente do que previam várias análises da soberania absoluta do
mercado, longe de depender mais
das empresas independentes, vai
depender mais das empresas nacionais de petróleo, categoria na
qual se inclui a Petrobras.
Folha - Já que o futuro da produção dependerá das estatais, hoje as
decisões da Petrobras são predominantemente técnicas e econômicas ou políticas?
Gabrielli - Nenhuma decisão de
empresas de grande porte é exclusivamente econômica, quaisquer
que sejam as empresas de grande
porte: privada, totalmente privada, familiar, controlada pelo governo. Todas elas têm de levar em
conta a sociedade que está em volta. Isso acontece com a Shell, com
a Exxon-Mobil, com a BP, com a
Total, com a Saudi Aranco, com a
PDVSA, com a Amerada-Hess.
Folha - O sr. acha que esse modelo da Petrobras, de não repassar a
volatilidade do mercado externo
automaticamente aos preços internos, é bom tanto para a companhia
como para os consumidores?
Gabrielli - Eu não estou falando
de não repassar. Estou falando,
objetivamente, que toda a empresa, quando decide preços, não pode desconsiderar os impactos da
decisão de preço sobre a demanda. Toda empresa grande tem um
papel no mercado que não pode
desconsiderar o impacto da sua
decisão sobre a demanda.
Folha - Objetivamente, haverá
aumento da gasolina em 2006?
Gabrielli - [Risos] Eu não vou
responder essa pergunta porque
ela depende da avaliação que
ocorrer [na época]. Estou dizendo
que o preço continua alto, com
grande volatilidade. Se houver
grande volatilidade, não caracteriza patamar. Se não carateriza
patamar e se ele fica no mesmo nível do atual [no longo prazo], não
haverá aumento no próximo ano.
Folha - O sr. apareceu no programa do PT....
Gabrielli - Sim. Sou cidadão brasileiro e tenho direito político. Sou
cidadão brasileiro, eleitor, pago os
meus impostos, tenho direito como qualquer cidadão. Tenho militância partidária histórica. Não
falei sobre a Petrobras. E vocês
querem me cassar o direito de falar? Essa é a pergunta que eu deixo
de volta. Eu não falei sobre a Petrobras, falei sobre a economia
brasileira. Sou economista, formado em 1971. Sou militante profissional da economia há 34 anos
de profissão. Sou presidente da
Petrobras, sim. E me cobrem se eu
estiver partidarizando as decisões
da Petrobras. Agora, impedir que,
como cidadão brasileiro, exerça
meus direitos políticos, é uma coisa que nem a ditadura fez. E pelo
contrário, durante a ditadura militar, eu fui lutar contra isso. E fui
para a cadeia por causa disso.
Folha - O sr. se exilou. Foi perseguido?
Gabrielli - Eu não gostaria de falar isso, mas você pode investigar
o passado. Isso tem 30 anos. Fui
preso, condenado pela Justiça militar, cumpri pena e fui anistiado.
Folha - O fato de o sr. ser presidente da Petrobras e ter militância
política pode se tornar um trampolim para uma carreira política?
Gabrielli - Eu não tenho nenhum
interesse em fazer isso. Já fui candidato a deputado, a governador.
Não tenho nenhum interesse em
voltar a disputar eleições.
Folha - Durante essa crise política
deflagrada pelas denúncias do
"mensalão", apareceu um suposto
favorecimento à empresa GDK, que
deu um carro ao Silvio Pereira, e indícios de irregularidades em licitações na Bahia. Houve ingerência do
governo ou alguém do PT pediu para favorecer alguma empresa?
Gabrielli - O que ficou provado
de GDK e do Silvinho?
Folha - O Silvinho ganhou um carro da GDK.
Gabrielli - E o que isso tem a ver
com a Petrobras.
Folha - O Silvinho fez lobby em favor da GDK?
Gabrielli - Está provado isso? Ao
que me consta, não.
Folha - O TCU está investigando.
Gabrielli - Sim. E enquanto estiver investigando nós estamos colaborando com o TCU adequadamente. Fizemos investigações
próprias. Fizemos a nossa auditoria interna. A nossa auditoria interna está revisando procedimentos. E alteramos procedimentos. E
tomamos todas as providências
adequadas. Simplesmente porque
há suposições e acusações não podemos condenar as pessoas a
priori. É preciso aprofundar um
pouco mais os dados. A própria
Folha sabe disso. Já teve experiências dramáticas no passado. Deveria ter cuidado. Propagar e divulgar simplesmente informações não é maneira mais adequada de investigar os problemas.
Folha - O "mensalão" aconteceu?
O presidente Lula sabia?
Gabrielli - Há muita superestimação de fatos não comprovados. O próprio ombusmam da
Folha apresentou que foram publicadas milhares de matérias por
mês sobre o assunto. A estimativa
inicial que nós tínhamos de agosto a setembro era de uma média
de sete páginas de jornal da imprensa brasileira sobre o tema.
Qualquer notícia ganhava destaque, mesmo sem comprovação.
Dois ou três dias depois desaparecia. Criou-se de fato no imaginário popular uma visão muito
maior do que de fato é. Existem
denúncias que a imprensa tem
veiculado que, em termos de volume de recursos, são maiores do
que o que se chama do principal
escândalo do país, o chamado
"valerioduto". No entanto, não há
nenhuma comprovação.
Folha - Mas o "mensalão" existiu?
Gabrielli - Não tenho como comprovar isso. A CPI do Mensalão
acabou sem comprovar o "mensalão". Os relatórios parciais das
CPI dos Correios, apesar de afirmarem, não comprovam nada.
Até agora não há comprovação.
Folha - O sr. soube ou ouviu falar
dentro do PT de algum esquema?
Gabrielli - Acho que estamos
deixando de ver uma série de
questões importantes que estão
acontecendo no país. Estamos
deixando de ver que 8,7 milhões
de famílias no Fome Zero, que a
agricultura familiar nunca recebeu tanto recurso como agora,
que o crédito direto ao consumidor nunca foi tão grande como
agora... Centenas de assuntos importantes, sem falar da Petrobras.
Estamos escondendo tudo isso
em razão de uma crise política,
que é real. Toda a imprensa esconde isso.
Folha - Mas o sr., como petista,
não acha que existem dois fatos a
serem esclarecidos: as mortes de
Celso Daniel e de Toninho do PT?
Gabrielli - Sim. Quem é contra
esclarecer? Agora revirar e dar
destaque, por exemplo, à morte
do legista. O que aconteceu?
Folha - Já morreram sete pessoas
ligadas ao episódio.
Gabrielli - Sim. Quais são as circunstâncias? O que tem de comprovado? São assuntos que têm de
ser investigados e aprofundados.
Mas outros assuntos têm de ser
investigados e aprofundados. Não
estou fazendo uma agenda positiva para o governo, mas falando de
coisas que são importantes para a
população brasileira.
Folha - O sr. acha que o noticiário
fica só na política monetária?
Gabrielli - O que se destaca é a
igualdade da política macroeconômica com o passado. Vamos
analisar o grau de dolarização da
dívida externa brasileira: estamos
quase zerando. A proporção da
dívida prefixada, que está aumentando. Esses dois fenômenos tornam a gestão da dívida interna independente, de um lado, da crise
cambial e, de outro lado, da política de juros da Selic, da dívida móvel. No entanto, o destaque para
isso é muito pequeno.
Folha - O sr. concorda que a condução da política monetária foi um
pouco austera e provocou um crescimento econômico menor?
Gabrielli - Teoricamente, toda
política de juros altos provoca redução de crescimento. Por isso ela
é importante. É uma conseqüência normal. Se não fizesse isso,
não teria efeito. Não tem sentido.
Folha - Mas a dose não foi um
pouco excessiva?
Gabrielli - Não vou comentar.
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