São Paulo, segunda-feira, 02 de janeiro de 2006

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ ENTREVISTA

Presidente da Petrobras nega uso da empresa com fins políticos, mas defende seu direito de participar de programas do PT na TV

"Valerioduto" foi superestimado, diz Gabrielli

PEDRO SOARES
DA SUCURSAL DO RIO

Tido como um dos trunfos eleitorais do governo para 2006 em razão da auto-suficiência na produção de petróleo prevista para maio, o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, 56, diz que há "superestimação" do valerioduto, afirma que ainda não existem provas de que o mensalão existiu e defende o ex-secretário-geral do PT, Sílvio Pereira, que ganhou um jipe Land Rover da GDK, contratada pela Petrobras.
"O que ficou provado de GDK e do Silvinho?", indagou: "Ao que me consta, nada". Sobre o "mensalão", afirmou: "Há muita superestimação de fatos não comprovados. Criou-se de fato no imaginário popular uma visão muito maior do que de fato é".
Gabrielli nega que pretenda usar a Petrobras como trampolim político e diz que não se candidatará a nada após deixar a empresa, mas defendeu seu direito de gravar depoimento no programa do PT. "Sou cidadão brasileiro e tenho direito político. Sou cidadão brasileiro, eleitor, pago os meus impostos, tenho direito como qualquer cidadão. Tenho militância partidária histórica. Não falei sobre a Petrobras. E vocês querem me cassar o direito de falar?"
Militante de esquerda preso durante a ditadura militar, Gabrielli negou que não haverá aumento dos combustíveis em 2006. O reajuste, diz, dependerá de uma mudança de patamar do preço do petróleo que não se vislumbra hoje.
 

Folha - Há alguma mudança na política de preços da Petrobras. Foi tomada a decisão de não aumentar os combustíveis em 2006?
José Sérgio Gabrielli -
O secretário-geral da Opep, Adnan Shihab-Eldin, disse em artigo que a perspectiva do preço do petróleo para 2005 e 2006 é permanecer alto e com alta volatilidade. Há uma redução da capacidade ociosa no refino no mundo, simultânea a um aumento das exigências da qualidade e produto.

Folha - É, portanto, uma questão de oferta também?
Gabrielli -
É uma questão de oferta e demanda, porque as refinarias têm pouca capacidade de conversão [de óleo pesado], portanto, pouca capacidade de utilizar petróleo pesado. No entanto, elas têm de produzir mais leves [derivados como gasolina e nafta]. Isso faz com que o barril de petróleo adicional [para aumentar a produção] demandado pelas refinarias seja do tipo leve. Enquanto isso, a produção adicional é de óleo pesado. Portanto, a diferença entre o preço de leve e pesado tende a aumentar. Além disso, os investimentos em refinarias novas são investimentos fortemente concentrados, até 2015, na Ásia e no Pacífico, previstos em US$ 30,3 bilhões; na América do Norte, US$ 19,8 bilhões; e na América Latina, US$ 21,1 bilhões.

Folha - Qual o cenário para a extração de petróleo?
Gabrielli -
No caso da oferta de petróleo bruto, a previsão é que o crescimento da produção dos países que não são membros da Opep é menor do que antes. Significa que o mundo, diferentemente do que previam várias análises da soberania absoluta do mercado, longe de depender mais das empresas independentes, vai depender mais das empresas nacionais de petróleo, categoria na qual se inclui a Petrobras.

Folha - Já que o futuro da produção dependerá das estatais, hoje as decisões da Petrobras são predominantemente técnicas e econômicas ou políticas?
Gabrielli -
Nenhuma decisão de empresas de grande porte é exclusivamente econômica, quaisquer que sejam as empresas de grande porte: privada, totalmente privada, familiar, controlada pelo governo. Todas elas têm de levar em conta a sociedade que está em volta. Isso acontece com a Shell, com a Exxon-Mobil, com a BP, com a Total, com a Saudi Aranco, com a PDVSA, com a Amerada-Hess.

Folha - O sr. acha que esse modelo da Petrobras, de não repassar a volatilidade do mercado externo automaticamente aos preços internos, é bom tanto para a companhia como para os consumidores?
Gabrielli -
Eu não estou falando de não repassar. Estou falando, objetivamente, que toda a empresa, quando decide preços, não pode desconsiderar os impactos da decisão de preço sobre a demanda. Toda empresa grande tem um papel no mercado que não pode desconsiderar o impacto da sua decisão sobre a demanda.

Folha - Objetivamente, haverá aumento da gasolina em 2006?
Gabrielli -
[Risos] Eu não vou responder essa pergunta porque ela depende da avaliação que ocorrer [na época]. Estou dizendo que o preço continua alto, com grande volatilidade. Se houver grande volatilidade, não caracteriza patamar. Se não carateriza patamar e se ele fica no mesmo nível do atual [no longo prazo], não haverá aumento no próximo ano.

Folha - O sr. apareceu no programa do PT....
Gabrielli -
Sim. Sou cidadão brasileiro e tenho direito político. Sou cidadão brasileiro, eleitor, pago os meus impostos, tenho direito como qualquer cidadão. Tenho militância partidária histórica. Não falei sobre a Petrobras. E vocês querem me cassar o direito de falar? Essa é a pergunta que eu deixo de volta. Eu não falei sobre a Petrobras, falei sobre a economia brasileira. Sou economista, formado em 1971. Sou militante profissional da economia há 34 anos de profissão. Sou presidente da Petrobras, sim. E me cobrem se eu estiver partidarizando as decisões da Petrobras. Agora, impedir que, como cidadão brasileiro, exerça meus direitos políticos, é uma coisa que nem a ditadura fez. E pelo contrário, durante a ditadura militar, eu fui lutar contra isso. E fui para a cadeia por causa disso.

Folha - O sr. se exilou. Foi perseguido?
Gabrielli -
Eu não gostaria de falar isso, mas você pode investigar o passado. Isso tem 30 anos. Fui preso, condenado pela Justiça militar, cumpri pena e fui anistiado.

Folha - O fato de o sr. ser presidente da Petrobras e ter militância política pode se tornar um trampolim para uma carreira política?
Gabrielli -
Eu não tenho nenhum interesse em fazer isso. Já fui candidato a deputado, a governador. Não tenho nenhum interesse em voltar a disputar eleições.

Folha - Durante essa crise política deflagrada pelas denúncias do "mensalão", apareceu um suposto favorecimento à empresa GDK, que deu um carro ao Silvio Pereira, e indícios de irregularidades em licitações na Bahia. Houve ingerência do governo ou alguém do PT pediu para favorecer alguma empresa?
Gabrielli -
O que ficou provado de GDK e do Silvinho?

Folha - O Silvinho ganhou um carro da GDK.
Gabrielli -
E o que isso tem a ver com a Petrobras.

Folha - O Silvinho fez lobby em favor da GDK?
Gabrielli -
Está provado isso? Ao que me consta, não.

Folha - O TCU está investigando.
Gabrielli -
Sim. E enquanto estiver investigando nós estamos colaborando com o TCU adequadamente. Fizemos investigações próprias. Fizemos a nossa auditoria interna. A nossa auditoria interna está revisando procedimentos. E alteramos procedimentos. E tomamos todas as providências adequadas. Simplesmente porque há suposições e acusações não podemos condenar as pessoas a priori. É preciso aprofundar um pouco mais os dados. A própria Folha sabe disso. Já teve experiências dramáticas no passado. Deveria ter cuidado. Propagar e divulgar simplesmente informações não é maneira mais adequada de investigar os problemas.

Folha - O "mensalão" aconteceu? O presidente Lula sabia?
Gabrielli -
Há muita superestimação de fatos não comprovados. O próprio ombusmam da Folha apresentou que foram publicadas milhares de matérias por mês sobre o assunto. A estimativa inicial que nós tínhamos de agosto a setembro era de uma média de sete páginas de jornal da imprensa brasileira sobre o tema. Qualquer notícia ganhava destaque, mesmo sem comprovação. Dois ou três dias depois desaparecia. Criou-se de fato no imaginário popular uma visão muito maior do que de fato é. Existem denúncias que a imprensa tem veiculado que, em termos de volume de recursos, são maiores do que o que se chama do principal escândalo do país, o chamado "valerioduto". No entanto, não há nenhuma comprovação.

Folha - Mas o "mensalão" existiu?
Gabrielli -
Não tenho como comprovar isso. A CPI do Mensalão acabou sem comprovar o "mensalão". Os relatórios parciais das CPI dos Correios, apesar de afirmarem, não comprovam nada. Até agora não há comprovação.

Folha - O sr. soube ou ouviu falar dentro do PT de algum esquema?
Gabrielli -
Acho que estamos deixando de ver uma série de questões importantes que estão acontecendo no país. Estamos deixando de ver que 8,7 milhões de famílias no Fome Zero, que a agricultura familiar nunca recebeu tanto recurso como agora, que o crédito direto ao consumidor nunca foi tão grande como agora... Centenas de assuntos importantes, sem falar da Petrobras. Estamos escondendo tudo isso em razão de uma crise política, que é real. Toda a imprensa esconde isso.

Folha - Mas o sr., como petista, não acha que existem dois fatos a serem esclarecidos: as mortes de Celso Daniel e de Toninho do PT?
Gabrielli -
Sim. Quem é contra esclarecer? Agora revirar e dar destaque, por exemplo, à morte do legista. O que aconteceu?

Folha - Já morreram sete pessoas ligadas ao episódio.
Gabrielli -
Sim. Quais são as circunstâncias? O que tem de comprovado? São assuntos que têm de ser investigados e aprofundados. Mas outros assuntos têm de ser investigados e aprofundados. Não estou fazendo uma agenda positiva para o governo, mas falando de coisas que são importantes para a população brasileira.

Folha - O sr. acha que o noticiário fica só na política monetária?
Gabrielli -
O que se destaca é a igualdade da política macroeconômica com o passado. Vamos analisar o grau de dolarização da dívida externa brasileira: estamos quase zerando. A proporção da dívida prefixada, que está aumentando. Esses dois fenômenos tornam a gestão da dívida interna independente, de um lado, da crise cambial e, de outro lado, da política de juros da Selic, da dívida móvel. No entanto, o destaque para isso é muito pequeno.

Folha - O sr. concorda que a condução da política monetária foi um pouco austera e provocou um crescimento econômico menor?
Gabrielli -
Teoricamente, toda política de juros altos provoca redução de crescimento. Por isso ela é importante. É uma conseqüência normal. Se não fizesse isso, não teria efeito. Não tem sentido.

Folha - Mas a dose não foi um pouco excessiva?
Gabrielli -
Não vou comentar.


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