São Paulo, sábado, 2 de janeiro de 1999

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AS DUAS POSSES
Presidente mantém otimismo de quatro anos atrás, mas admite problemas em balanço das realizações
Discurso empolga menos que o de 95

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
da Sucursal de Brasília

Fernando Henrique Cardoso não é orador de arrebatar platéias.
Mas o discurso da reposse foi menos empolgante do que o de quatro anos antes e a média de seus pronunciamentos públicos.
Em 1995, FHC foi interrompido por aplausos duas vezes por causa do conteúdo do que dizia.
A primeira, quando prometeu ficar ao lado da maioria contra os privilégios da minoria; depois, ao concitar todos a realizar um mutirão nacional "para varrer do mapa do Brasil a fome e a miséria".
Ontem, nenhuma frase de efeito conseguiu tirar a platéia, no plenário da Câmara, do torpor.
A única ovação, curta, ocorreu quando FHC reverenciou a memória de Luís Eduardo Magalhães.
O discurso de 1995 foi mais bem estruturado do que o de ontem, talvez por ser mais fácil falar apenas do que se pretende fazer no futuro, sem ter de prestar contas do que foi feito e do que se deixou de fazer.
O encadeamento lógico de 1995 era claro: FHC apresentava-se como "cidadão da esperança", fazia breve análise dos sonhos de sua geração (justiça, liberdade e desenvolvimento), apresentava seus projetos para as grandes áreas do governo e terminava incitando o povo à solidariedade nacional.
No de ontem, as idéias foram apresentadas de maneira menos linear. FHC começou com uma retrospectiva genérica das realizações de seu primeiro mandato.
Deu ênfase, sem citá-los como tais, aos cinco pontos de sua plataforma eleitoral de 1994 (educação, saúde, alimentação, segurança e emprego). Mas os dois últimos itens foram mencionados muito depois dos três primeiros.
FHC não retornou, a não ser no final e quase de raspão, às suas ambições geracionais, embora tenha mencionado o clima de liberdade existente, dito que pretende "recolocar o país na trajetória do crescimento" e voltado a condenar a desigualdade social.
˛ Citações
Uma só personalidade histórica apareceu nos dois discursos: o jornalista, político e diplomata pernambucano Joaquim Nabuco (1849-1910), um dos líderes do movimento abolicionista.
O também jornalista, político e diplomata Gilberto Amado (1887-1969), de Sergipe, ganhou uma citação de FHC ontem.
Em 1995, o presidente se referiu a seu pai, Leônidas Cardoso, e a seus antecessores Juscelino Kubitschek e Itamar Franco.
Ontem, os personagens da vida de FHC homenageados por ele foram os amigos mortos em 1998, Luís Eduardo Magalhães e Sérgio Motta, este com a distinção de ter uma frase citada como "fecho de ouro" do discurso.
O presidente se arriscou menos a profecias ontem do que há quatro anos, quando disse: "Hoje não há especialista sério que preveja para o Brasil outra coisa que não um longo período de crescimento".
Mesmo assim, arriscou: "Tenho a convicção de que o Brasil sairá fortalecido da crise...O país terá credibilidade ainda maior. E será um mercado mais atraente para os investimentos". O tom é menos peremptório do que em 1995. Mas, de qualquer modo, ainda otimista.
˛ Balanço
Nas suas previsões da primeira posse, FHC dizia que "o Brasil tem um lugar reservado entre os países bem-sucedidos do planeta no próximo século" e "os únicos obstáculos importantes que enfrentaremos para ocupar o lugar vêm dos nossos desequilíbrios internos".
Na avaliação do primeiro mandato que fez ontem, o presidente atribuiu a maior parcela de responsabilidade pelos problemas da economia brasileira ao "quadro internacional adverso".
É verdade que, logo depois, diria que "também é forçoso reconhecer que temos as nossas vulnerabilidades, entre elas, o déficit público". Mas as "crises internacionais de graves proporções" foram as culpadas pelo que não se fez.
Mais do que em 1995, o FHC do segundo mandato parece disposto a dialogar com a oposição, que ganhou menções simpáticas ontem.
"Sei que temos divergências, em vários campos. Mas sei também que há temas e ações que estão acima das diferenças partidárias."
A gravidade da crise, não reconhecida explicitamente no discurso de ontem, obriga o presidente a deixar aberto o caminho para um governo de união nacional.
˛ Acertos e erros
A posse de 1995, de alguma forma, já marcava uma espécie de reeleição. O ministro da Fazenda de Itamar Franco tinha recebido uma promoção à Presidência.
Mas, de qualquer modo, FHC podia falar do seu governo como algo inteiramente novo, sem contas a prestar pelo passado.
Ontem, como reconheceu de início, havia acertos e erros do primeiro mandato a serem avaliados.
Como seria de se supor, FHC se concentrou mais nos sucessos do que nos fracassos dos quatro anos passados ao projetar os próximos.
Mas não havia como disfarçar um clima de frustração. "Não fui eleito para ser o gerente da crise", disse ele, num quase lamento.
O "objetivo número um" explicitado com ênfase há quatro anos (justiça social) não será alcançado.
O que resta é impedir que as grandes expectativas de FHC não terminem como "os anos dourados de JK", concluídos com inflação e tensão, conforme a avaliação do próprio FHC em 1995.



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