São Paulo, sábado, 02 de fevereiro de 2008

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Ministra da Igualdade Racial cai por uso irregular de cartão

Matilde Ribeiro reconhece erro, mas culpa e demite assessores antes de sair

Ministra chora ao ver Lula; depois, recusa-se a falar a data em que teria devolvido o valor gasto em free shop após voltar de lua-de-mel

EDUARDO SCOLESE
VALDO CRUZ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O uso irregular do cartão corporativo derrubou a ministra Matilde Ribeiro (Igualdade Racial). Pressionada pela cúpula do Planalto a pedir demissão, ela não resistiu e entregou o cargo ao presidente Lula durante audiência no palácio.
Logo após a conversa com o presidente, a ministra divulgou em entrevista sua decisão de pedir demissão, admitindo ter errado no uso do seu cartão corporativo -que utilizou inclusive durante período de férias, o que foi considerado no Planalto como a gota d'água para sua queda.
Matilde tentou justificar seus erros alegando que sua secretaria, que tem status de ministério, não dispõe de estrutura adequada. "Erro, foi erro e aconteceu comigo", disse.
A ministra vinha resistindo ao pedido de demissão. Mas foi atropelada pela divulgação sobre o uso do cartão num free shop (R$ 461,16), no aluguel sistemático de carros (mais de R$ 110 mil, sem licitação) e em seu período de férias (R$ 2.969,01), como revelou ontem a Folha. Matilde gastou R$ 171 mil com o cartão em 2007, a recordista entre os ministros.
No início da tarde, Matilde Ribeiro foi ao Planalto já com sua carta de demissão, mas ainda tinha alguma expectativa de que pudesse receber um gesto de apoio do presidente, que acabou não vindo. A ministra entendeu, então, que restava a ela deixar o cargo.
Ao entregar a carta, Matilde, 47, chorou e ouviu do presidente que um erro administrativo não poderia ser apagado. No governo Lula, além dela, outros oito ministros deixaram o cargo diante de crises.
O Planalto pressionava a ministra a pedir demissão por avaliar que sua permanência iria prolongar o desgaste do governo no episódio, aumentando as chances de a oposição criar CPI no Congresso para investigar o uso de cartões corporativos. Mas em carta a Matilde, Lula foi condescendente e citou "preconceito" supostamente existente contra ela.
Filiada ao PT e antiga militante do movimento negro, Matilde estava no cargo desde a criação da secretaria, em março de 2003. Na entrevista concedida após a conversa com Lula, Matilde estava abatida e com a voz embargada.
Disse, porém, não estar arrependida porque foi orientada por assessores no uso do cartão. "Eu não estou arrependida. Eu até então estava sendo orientada a usar o cartão como um instrumento para essa agenda de trabalho que eu tenho", afirmou a ministra.
Matilde demitiu dois assessores que a teriam induzido ao erro. As exonerações de Carlos Eduardo Trindade Santos (Subsecretaria de Planejamento e Formulação de Políticas) e Antônio da Silva Pinto (assessor de Projetos Especiais) serão publicadas na edição de quarta-feira do "Diário Oficial" da União.
"Diante da improbidade administrativa, esse erro não foi cometido exclusivamente por mim. Então o tratamento vai ser coletivo", afirmou.
No lugar de Matilde assume interinamente o atual secretário-adjunto, o petista Martvs das Chagas. Lula deixou para depois do Carnaval a decisão de efetivá-lo no cargo ou escolher um outro nome.
Ontem, em sua primeira declaração pública após a divulgação das irregularidades, Matilde se recusou a revelar a data na qual devolveu aos cofres públicos o valor usado irregularmente no free shop. "O dinheiro foi devolvido em janeiro", limitou-se a dizer. Matilde também não revelou os produtos comprados no aeroporto, após viagem de lua-de-mel.
Ao justificar o uso freqüente de carros alugados, afirmou: "Há um número significativo de atividades fora de Brasília, não havendo estrutura descentralizada". Segundo ela, houve uma orientação de sua assessoria para, a partir de julho de 2006, utilizar o cartão para hospedagem, alimentação e locação de veículos.
"Se tivesse sido alertada do erro antes, eu teria corrigido antes. Só soube do erro no momento atual", disse a ministra.
Na entrevista, questionada se via preconceito na cobertura da imprensa sobre o uso irregular de seu cartão corporativo, ela disse que "o histórico do Brasil não permitiu que fosse reconhecido o peso da escravidão e o peso da não inclusão de negros e negras. Isso vale para a sociedade como um todo".


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