São Paulo, sexta-feira, 02 de março de 2007

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Lula diz que área econômica está "blindada pelo sucesso"

Em café da manhã com jornalistas, presidente descarta disputar terceiro mandato

Após anúncio do PIB de 2,9% e à espera de Bush, petista nega viés antiamericanista do governo, mas faz crítica a "erro histórico" dos EUA


ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA

Um dia após o anúncio de que a economia do Brasil cresceu 2,9% em 2006, bem abaixo da média global de 5,1%, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou claro ontem que não mudará o comando da economia e elogiou: "A área econômica está blindada pelo sucesso".
Se a manchete dos jornais de ontem foi o baixo crescimento do PIB, que foi de 2,6% no primeiro mandato, equivalente à da primeira gestão de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998), Lula preferiu comemorar um outro dado da economia: as reservas internacionais superaram US$ 100 bilhões.
Em café da manhã com jornalistas, no Palácio do Planalto, Lula contou que, em 2004, em viagem à Índia, soube que o país tinha reservas de US$ 100 bilhões e pensou no dia em que o Brasil chegaria lá. Concluiu, então: "Taí. Chegamos".
Um jornalista perguntou se, na viagem, ele não sonhara também em chegar ao crescimento de quase 10% da Índia.
Lula esquivou-se, dizendo que o Brasil teve pico de crescimento de até 14%, chegou a índices médios de 7% com Juscelino Kubitschek, mas não distribuiu renda: "O povo ficou mais pobre".
Horas depois dos elogios do presidente à equipe econômica, porém, foi anunciada a demissão de Afonso Bevilacqua, diretor de Política Econômica do Banco Central.
No café da manhã, Lula também descartou a intenção de concorrer ao terceiro mandato, criticou "erros históricos" dos EUA com a América Latina e falou de seu encontro com o presidente George W. Bush, em São Paulo, no próximo dia 9.
O café durou cerca de uma hora e meia. Havia 11 jornalistas e não foi permitida gravação. As declarações de Lula, portanto, foram anotadas.

 

TERCEIRO MANDATO
Pela primeira vez publicamente, Lula descartou disputar o terceiro mandato: "Eu acho impossível. Nada é impossível, mas não há essa hipótese. É brincar com a democracia."
Ele lembrou que é um crítico da reeleição, disse que tentará eleger "um companheiro" e manifestou "um sonho": "Terminar este mandato muito melhor do que terminei o primeiro. Nada pior do que um presidente terminar o mandato com o candidato dele sem o querer no palanque. Quero terminar meu mandato tendo que recusar convite para ir a palanque".
Lula admitiu, indiretamente, que poderia não estar bem preparado para assumir a Presidência na primeira vez que concorreu ao cargo, em 1989. "Dou graças a Deus [por ter perdido]. Esses 13 anos de espera foram uma universidade, um mestrado, um doutorado e... o que se faz depois disso? Ah. Sim. Pós-doutorado".

SUPERÁVIT PRIMÁRIO
O presidente disse que, além de preservar a equipe econômica na reforma ministerial, também não pretende mudar a política do setor. Disse que o país crescerá "sem que a gente faça loucuras" e acrescentou: "Não me peça para fazer mágica".
Segundo ele, o país vem de décadas de irresponsabilidade e "não custa nada ter uma década responsável".
Assumiu para si a responsabilidade pela economia, ao dizer: "Sou eu que me exponho, que ponho a cara na rua para ser xingado. Se alguém tem que reclamar sou eu". Em seguida, comparou: "Pior é pensar que dá um salto e cair num buraco".

REFORMA TRIBUTÁRIA
Segundo Lula, a reforma está empacada porque "cada entidade tem a sua, cada um quer uma", como, aliás, disse que já reclamou com os empresários Jorge Gerdau, do grupo Gerdau, e Armando Monteiro, presidente da CNI (Confederação Nacional da Indústria).

REFORMA POLÍTICA
Um compromisso assumido por ele durante a conversa: "A Presidência da República não vai se meter na reforma política", disse, defendendo que essa é uma questão para os partidos.

MINISTÉRIO
Afora confirmar a permanência da equipe econômica, Lula se negou a dar nomes que mudarão com a reforma ministerial e ironizou os jornalistas: "Eu fico sabendo das coisas por vocês. É fantástico".

SEGUNDO TURNO
Lula disse que, durante a campanha da reeleição, ele achava ruim a hipótese de disputar o segundo turno, que acabou ocorrendo, mas agora avalia que foi ótimo: "O segundo turno foi uma dádiva de Deus. Não poderia ter acontecido uma coisa melhor".
Explicou que o segundo turno muda a relação com senadores, deputados, partidos e destacou: "Senadores que trabalharam contra mim hoje não têm mais disso". Lula não deu nomes, mas pelo menos os pedetistas Cristovam Buarque (DF) e Jefferson Peres (AM) estão nesse caso.

ÁLCOOL
A Petrobras vai participar ativamente do programa do etanol, que considera prioritários os esforços para substituir o petróleo por biocombustíveis a médio e longo prazos. A participação da Petrobras será ambiciosa, "como garantidora de suprimento, inclusive no mundo". Ao defender o etanol e os carros flex, o presidente disse que não basta querer, é preciso também garantir que o combustível chegue aos postos.

CONVERSA COM BUSH
Confirmou que etanol é central nas conversas que terá com George W. Bush em São Paulo na semana que vem. "Para mim, o mais importante [na conversa] será o etanol. Vou discutir isso com o presidente Bush, porque o biocombustível não pode ser um programa de um único país, mas uma responsabilidade do mundo".
Em outro momento da conversa, ele afirmou que pretende perguntar aos norte-americanos: "Por que fazer etanol de milho? Por que não dar o milho para as galinhas?"

ESTADOS UNIDOS
O presidente desmentiu a acusação de "antiamericanismo": "Não. Veja. Os EUA são um parceiro estratégico para o Brasil. Nós temos muito a aprender e a ensinar a eles". Para Lula, os EUA "cometeram um erro histórico contra a América Latina, com uma relação truncada de preconceitos e cismas". Ele opinou que "as relações estão maduras" e fez uma ressalva: que não se deve confundir suas "posições pessoais" com suas "posições de chefe de Estado".
E criticou: "Durante décadas, o Brasil agiu como subserviente aos EUA. Nenhum interlocutor aceita subserviência. Nem o marido da mulher, nem a mulher do marido. Senão, ninguém te respeita".

FMI
O presidente lembrou que, "diferentemente das décadas passadas, quase não se fala mais em FMI [Fundo Monetário Internacional]" e comparou: se, antes, a instituição só falava em contenção de despesas, ajuste fiscal e arrocho, "agora tem que falar em crescimento econômico, em desenvolvimento, o que é uma mudança extraordinária". Ele acha que o alvo devem ser os países mais pobres, como os africanos e o Haiti.


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