São Paulo, domingo, 02 de abril de 2006

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CRISE NO GOVERNO/CERCO AO EX-MINISTRO

Foram duas viagens: uma para comemorar eleição de Lula; outra como ministro, o que é proibido pelo Código de Conduta da Alta Administração Federal

Empresário pagou helicóptero para Palocci

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

O empresário Roberto Carlos Kurzweil pagou as despesas de um helicóptero que levou Antonio Palocci Filho a Angra dos Reis e depois deixou-o em Ribeirão Preto (SP) em novembro de 2002, segundo os registros dos dois vôos obtidos pela Folha.
Palocci foi a Angra comemorar a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência, de quem havia sido o coordenador de campanha. Ficou numa casa de seis suítes, cuja diária costuma ser de R$ 2.000. Em novembro de 2003, quando já dirigia o Ministério da Fazenda, Palocci voltou à mesma casa, novamente convidado por Kurzweil. O empresário tem uma casa no mesmo condomínio em que Palocci se hospedou.
A CPI dos Bingos tem informações não confirmadas de que o próprio Kurzweil pagou pela casa nas duas vezes em que Palocci foi a Angra. Em 2002, Palocci era prefeito licenciado de Ribeirão e, aparentemente, a viagem de helicóptero não fere nenhum norma legal. Já em 2003, quando era ministro da Fazenda, o pagamento da casa de praia, se confirmado, viola o Código de Conduta da Alta Administração Federal.
Esse código, que vigora desde agosto de 2000, estabelece em seu artigo 7º que: "A autoridade pública não poderá receber salário ou qualquer outra remuneração de fonte privada em desacordo com a lei nem receber transporte, hospedagem ou quaisquer favores de particulares de forma a permitir situação que possa gerar dúvida sobre sua probidade ou honorabilidade". Em 23 de julho de 2003, Palocci pegou carona num jatinho do empresário José Roberto Colnaghi, conforme a Folha revelou em fevereiro deste ano.
Kurzweil confirma que Palocci ficou hospedado numa casa próxima a sua, que foi ele quem achou esse imóvel, mas nega que tenha pago as despesas nas duas viagens. Kurzweil foi o empresário que intermediou a doação de R$ 1 milhão que os empresários de bingo teriam entregue ao PT naquele mesmo ano, segundo o advogado Rogério Buratti.
Era um dos freqüentadores da "casa do lobby" mantida por ex-auxiliares de Palocci em Brasília, alugou carros blindados para o PT e fez um dos melhores negócios de sua vida quando Palocci foi prefeito de Ribeirão Preto pela primeira vez -obteve em 1995 a concessão para tratar o esgoto da cidade, que deve lhe render R$ 400 milhões em 15 anos.
Aliás, foi Kurzweil e Buratti que alugaram a primeira versão da "casa do lobby", no setor de mansões Dom Bosco. Kurzweil buscava negócios para a sua empreiteira, a REK, e Buratti era vice-presidente da Leão Leão.

Helicóptero e bingo
O helicóptero que levou Palocci a Angra pertence a um empresário que fabricava máquinas para bingos, Artur José Valente de Oliveira Caio. Ele e José Paulo Teixeira, ambos nascidos em Angola e que hoje têm cidadania portuguesa, teriam arrecadado o R$ 1 milhão doado ao PT, ainda de acordo com Buratti. Caio informou, por meio do advogado Paulo José de Morais, que não sabia quem usava o helicóptero quando emprestava o aparelho a Kurzweil.
Palocci voou num helicóptero Agusta, prefixo PT-YCB, de cor vermelha, com capacidade para dois tripulantes e seis passageiros. Avaliado em US$ 1,5 milhão, é uma aeronave capaz de fazer vôos por instrumentos, segundo a anotação feita no plano de vôo entregue na época ao DAC (Departamento de Aviação Civil).
Foram dois vôos. Na ida, no dia 1º de novembro de 2002, o helicóptero saiu de Congonhas às 10h30 e pousou um hora depois num heliponto dentro do condomínio Porto do Frade. Na volta, a aeronave saiu às 15h44 de São Paulo, foi a Angra apanhar Palocci e o levou até Ribeirão Preto, onde aterrissou às 21h03.
Kurzweil não pagou os R$ 4.000 por hora que são cobrados em vôos com helicópteros semelhantes ao que Palocci voou. Como ele foi sócio do dono do aparelho em uma empresa na área de telecomunicações, a Cincotelecom, o empresário só tinha de reembolsar o combustível gasto.
Foi por isso que o vôo de ida de Palocci custou uma pechincha a Kurzweil -R$ 558, pagos pelos 300 litros de combustível que foram usados em uma hora de vôo, de acordo com a informação enviada ao DAC. A entrega em Ribeirão saiu mais cara. O combustível consumido em 4,2 horas de vôo, como está anotado na ficha, custou R$ 2.563,82.

República al mare
A primeira viagem reuniu em Angra boa parte da "República de Ribeirão", como depois ficaria conhecida a turma que orbitava em torno de Palocci em busca de negócios. Foram a Angra Palocci, a mulher e a filha, Ademirson Ariovaldo (que seria secretário de Palocci no ministério), Donizete Rosa (diretor do Serpro) e a mulher, Isabel, e Ralf Barquete (ex-secretário de Palocci), com a mulher.
A segunda viagem a Angra, em novembro de 2003, foi mais reservada. Acompanhavam o ministro a mulher, a filha e Buratti com a mulher e os três filhos. Kurzweil e família estavam no condomínio.


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