São Paulo, domingo, 02 de maio de 2004

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GOVERNO NO AR

Gastos com deslocamentos para Estados de origem de 15 assessores de Lula consumiram R$ 1,26 mi no ano passado

União paga viagens de ministros para casa

RUBENS VALENTE
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

EDUARDO SCOLESE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Valendo-se de dois decretos assinados pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e mantidos por Luiz Inácio Lula da Silva, ministros de Estado têm passado finais de semana e feriados em suas cidades de origem com os custos das viagens bancados pelos cofres da União.
O governo federal gastou no ano passado pelo menos R$ 1,26 milhão em viagens do gênero para um grupo de 15 ministros.
Para chegar ao valor total, a Folha pesquisou cerca de 1.700 páginas com os registros de passagens aéreas emitidas por 15 ministérios, entregues ao Congresso Nacional para atender a um requerimento do deputado federal Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), e outras 250 páginas de um relatório do Ministério da Defesa que listou todos os vôos em aviões da FAB (Força Aérea Brasileira) a pedido de 33 ocupantes do primeiro escalão do governo.
A opção de viajar para suas cidades com recursos públicos não é consensual entre os próprios ministros. O levantamento mostrou que alguns pouco ou nunca utilizaram tal procedimento ao longo de todo o ano passado.
De Ricardo Berzoini (ex-Previdência, hoje Trabalho), por exemplo, há quatro registros do gênero em todo o ano. Todos foram justificados com a apresentação de uma agenda detalhada.
"Pelo que conheço da legislação, o que nos é permitido é o deslocamento para atividades de serviços. É o que eu tenho praticado. Quando tenho de ir a São Paulo para atividades particulares, vou por minha conta", disse Berzoini.
Da mesma forma pensa o ex-ministro Cristovam Buarque (Educação), que mora em Brasília e, por isso, não entrou no levantamento. O hoje senador disse que a lei "só autoriza viagens a serviço".
O deputado federal Miro Teixeira (PPS-RJ), que no ano passado foi titular da pasta das Comunicações, reconhece ter usado "algumas vezes" passagens aéreas nos finais de semana para ir ao Rio de Janeiro, onde tem residência. Mas, segundo ele, as viagens sempre eram "casadas" com eventos pré-agendados. "Não era uma viagem exclusivamente para casa. Aproveitava e despachava no Rio", disse o ex-ministro.
Suas viagens não entraram nos cálculos feitos pela reportagem porque, na relação entregue ao Congresso, ele não discriminou as datas. Ele e Antonio Palocci Filho (Fazenda), que teve raras viagens a São Paulo nos finais de semana, foram os únicos a não incluir as datas dos deslocamentos na resposta enviada à Câmara.
O ministro Olívio Dutra (Cidades) foi o que mais gastou com vôos da FAB para ir a Porto Alegre (RS) nos finais de semana e feriados. As 15 vezes em que lá esteve custaram R$ 184,8 mil.
O mais caro nesses vôos é o combustível (as diárias da tripulação, para custeio de hospedagem e alimentação, oscilam entre R$ 200 e R$ 600). A primeira etapa da viagem de Brasília a Porto Alegre realizada por Dutra em 17 de janeiro de 2003, por exemplo, saiu por R$ 7.100. Mas o avião teve de voltar no dia seguinte a Brasília, onde está baseado, o que custou mais R$ 6.000.
Situações como essa, em que o avião é deslocado para o Estado e depois chamado de volta a Brasília, dobrando o valor da viagem, aparecem com freqüência no relatório de gastos da FAB.
O chefe-de-gabinete de Dutra e ministro interino na última sexta-feira (Dutra estava viajando para Nova York), Dirceu Lopes, disse que "sempre" que o ministro vai a Porto Alegre há uma agenda a ser cumprida (leia texto na pág. A11).
O decreto nº 4.244, baixado em 22 de maio de 2002, regula o uso das aeronaves da FAB por ministros de Estado. Em seu artigo 4º, prevê três possibilidades para a utilização do avião oficial: "Por motivo de segurança e emergência médica, em viagens a serviço e deslocamentos para o local de residência permanente".
Um outro decreto, o de nº 3.562, de agosto de 2000, abre a brecha também para vôos comerciais, ao dizer que os ministros "poderão optar" por esse tipo de deslocamento até para suas residências permanentes.
Para advogados ouvidos pela Folha, o termo "permanente" comporta discussões. Ao tomar posse, o ministro que não consegue ou não quer um imóvel funcional (José Dirceu, ministro da Casa Civil, e Palocci, por exemplo, vivem em casas da União) recebe um auxílio-moradia mensal de R$ 1.800. Por esse valor é possível alugar um apartamento de ótimo padrão em Brasília. A intenção é justamente fixá-lo na cidade.
Os registros das viagens mostram que muitas vezes o ministro que passou o final de semana em seu Estado de origem inicia seu "expediente" já solicitando um avião da FAB. A Aeronáutica vai buscá-lo para trazê-lo a Brasília ou para deixá-lo em outra cidade, para cumprimento de agenda.


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