São Paulo, sexta-feira, 02 de junho de 2000


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Sonho de senador era ser físico

MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O homem que pode entrar para a história como o primeiro senador a ter o mandato cassado queria ser físico, como seu ídolo Albert Einstein, pai da teoria da relatividade. Até seus inimigos - e ele os tem às pencas- concordam numa coisa sobre esse personagem: inteligência não é coisa que falte ao senador Luiz Estevão de Oliveira Neto.
Os planos de virar físico foram deixados de lado há mais de 30 anos, quando começou a precoce carreira de empresário. A prodigiosa memória e a habilidade para cálculos de Luiz Estevão falham convenientemente na hora de medir o patrimônio que juntou nesse período: ""Não sei, não sei".
Também não tem sido nada fácil para quem cultiva a fama de ser mais esperto que os demais mortais escapar das suspeitas de enriquecimento ilícito, da prática de atos lesivos ao patrimônio público e até de falsidade ideológica, puxadas pelo caso do prédio inacabado do Fórum Trabalhista do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, de onde consta terem sido desviados R$ 169 milhões.
""É difícil provar que não se fez alguma coisa; por menos fundamentadas, as denúncias transformaram fagulha em explosão", teorizou em seu gabinete na noite da terça-feira passada. Ali, Luiz Estevão afastou a possibilidade de renunciar ao mandato de senador, para o qual foi eleito em 98 com 460 mil votos, um recorde na história de Brasília.
""Não há nenhuma possibilidade de eu renunciar. A renúncia só caberia se eu me sentisse culpado ou não confiasse no julgamento do Senado", descartou.
A tentativa de salvar o mandato e os bens bloqueados pela Justiça são agora prioridade do senador de 50 anos. Os planos de se eleger governador do DF e de virar presidente, como seu ainda amigo Fernando Collor, ficam temporariamente congelados. Isso na melhor das hipóteses. Para a legião de inimigos que cultivou, o sonho de Luiz Estevão já acabou.
A amizade com Collor rendeu a Estevão projeção nacional. Ex-colegas no Ciem (Centro Integrado de Ensino Médio), apaixonados por lutas de caratê e corridas de carro, os dois se reaproximaram na campanha presidencial de 1989. Já então um bem-sucedido empresário, Luiz Estevão investiu na carreira política do amigo.
Não hesitou em posar de avalista da chamada Operação Uruguai, um empréstimo de US$ 5 milhões que Collor teria tomado de banqueiros uruguaios para financiar a campanha ao Planalto. A operação foi forjada para tentar explicar a origem ilícita do dinheiro que abastecia o ex-presidente.
Durante o governo Collor, o Banco Central autorizou a criação do Banco OK e o empresário tocou grandes obras. Fundos de pensão de empresas estatais compraram prédios construídos pelo empresário amigo do presidente.
Estevão não abandonou Collor nos momentos difíceis. Costumava dizer que as dificuldades provam as grandes amizades.
Antes de Collor deixar o Planalto, em dezembro de 1992, o empreiteiro Fábio Monteiro de Barros Filho, suposto testa-de-ferro de Luiz Estevão, já havia assumido a obra do TRT de São Paulo.
O processo de licitação comandado pelo juiz Nicolau dos Santos Neto foi iniciado em janeiro daquele ano, pouco antes do auge da crise do governo Collor. Os primeiros pagamentos foram liberados antes da queda do amigo.
Mais uma vez, a memória brilhante de Estevão falha. ""Eu acho que o contrato é de setembro, quando o Collor já estava fora."
Depois do ocaso do governo Collor, Luiz Estevão não quis mais se afastar do poder. Investiu na própria carreira, elegendo-se em 94 para a Câmara Legislativa da capital da República, pelo PP. Depois da eleição, entrou para o PMDB e, mais recentemente, trabalhou para engajar o partido no apoio à reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso.
Na convenção do PMDB que discutiu o lançamento de um candidato próprio do partido ao Planalto, o então deputado distrital ajudou a encher o Congresso com milhares de ""militantes" contrários à candidatura de Itamar Franco. Nessa ocasião, ele se aproximou de lideranças nacionais do partido, aliados de FHC.
A ajuda financeira à campanha de FHC foi, segundo Luiz Estevão, ""insignificante". A prestação de contas do candidato ao TSE registra a doação de R$ 24 mil do Grupo OK Construções e Incorporações no dia 9 de outubro de 98, quando FHC já estava eleito.
Menos de dois anos depois da eleição, os líderes do PMDB não cogitam arriscar a própria pele para salvar o mandato do senador. Aliás, não se ouve no governo ou fora dele nenhuma manifestação de defesa de Luiz Estevão.
Nem do governador Joaquim Roriz (DF), companheiro de chapa na última eleição e com quem afirma manter uma boa relação.
A discrição com que se comportam os que dizem não ter nada contra Luiz Estevão é até bem parecida com o medo que os inimigos têm de abrir a boca. A Folha ouviu vários deles, na condição de não citar seus nomes. Os primeiros evitam se comprometer. Os inimigos temem o estilo truculento e ameaçador que enxergam em Luiz Estevão -que é faixa preta em caratê e praticante de jiu-jítsu.
Um grupo de lutadores de artes marciais foi filmado sob as ordens de Estevão em uma sessão da Câmara Distrital na cidade-satélite de Samambaia, onde foi recebido com vaias. ""Bate, bate", dizia.
Em outro episódio, ainda da época que Estevão era deputado distrital, o petista Geraldo Magela foi agredido por ele com um chute dentro do plenário, conta o ex-colega e atual deputado federal.
Como contraponto à agressividade, o senador é um homem vaidoso, de hábitos refinados. Veste ternos da grife Ermenegildo Zegna, de preferência azuis.
Dono de uma letra horrível -era canhoto e foi forçado a escrever com a mão direita-, Luiz Estevão confessa duas fraquezas em seu currículo de desportista: nunca aprendeu a andar de bicicleta nem sabe nadar.
Luiz Estevão nasceu no Rio de Janeiro e não chegou a conhecer a mãe, que morreu no parto. Aos três anos, foi mandado para um colégio interno, de onde saiu aos 16 para passar férias em Brasília.
Adotado pelos tios Lino Martins Pinto e Marita, não deixou mais a cidade. O tio era dono da revendedora de pneus OK, onde Estevão foi trabalhar aos 18 anos, depois de ter abandonado no segundo semestre o curso de física na UnB (Universidade de Brasília).
A revenda de pneus, embrião do Grupo OK, é hoje apenas um dos negócios do empresário. Ele tem 14 empresas espalhadas em 11 Estados, com faturamento estimado em R$ 300 milhões.
As empresas do grupo bancaram a campanha de Estevão ao Senado. Os gastos declarados à Justiça foram de R$ 1,9 milhão.
A fortuna cresceu bastante depois do casamento com Cleucy, filha de Cleto Meireles, então dono da Colméia Associação de Poupança e Empréstimo, a maior caderneta de poupança privada de Brasília. A empresa quebrou no início dos anos 80.
Cleucy é mãe dos seis filhos do senador. Uma das três filhas chama-se Ilka, como a mãe que ele não conheceu. Os adversários de Estevão enxergam na semelhança entre Ilka e a construtora Ikal (responsável pelo prédio do TRT) mais uma evidência do comprometimento do senador. ""Só se eu fosse muito burro para lançar mão de um anagrama do nome da minha mãe e da minha filha para a empresa comandada por um suposto testa-de-ferro", nega.
Desde seu primeiro mandato, Luiz Estevão não se preocupou muito em afastar a carreira política dos negócios. Um dos episódios mais marcantes de sua passagem pela Câmara Distrital foi a aprovação do projeto que permitiu o uso para loteamento urbano de uma de suas fazendas, a Santa Prisca, a cerca de 40 km de distância do centro do Plano Piloto.
A polêmica decisão multiplicou o patrimônio do empresário.
A área é apenas uma parte dos 20 mil hectares de terra que o senador afirma ter no Distrito Federal. Conhecido como "OKlândia", o projeto de uma nova cidade para a classe média próxima ao centro de Brasília ainda sairá do papel, sonha. ""Um dia, acontecerá."


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