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Sonho de senador era ser físico
MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O homem que pode entrar para
a história como o primeiro senador a ter o mandato cassado queria ser físico, como seu ídolo Albert Einstein, pai da teoria da relatividade. Até seus inimigos - e
ele os tem às pencas- concordam numa coisa sobre esse personagem: inteligência não é coisa
que falte ao senador Luiz Estevão
de Oliveira Neto.
Os planos de virar físico foram
deixados de lado há mais de 30
anos, quando começou a precoce
carreira de empresário. A prodigiosa memória e a habilidade para
cálculos de Luiz Estevão falham
convenientemente na hora de
medir o patrimônio que juntou
nesse período: ""Não sei, não sei".
Também não tem sido nada fácil para quem cultiva a fama de ser
mais esperto que os demais mortais escapar das suspeitas de enriquecimento ilícito, da prática de
atos lesivos ao patrimônio público e até de falsidade ideológica,
puxadas pelo caso do prédio inacabado do Fórum Trabalhista do
Tribunal Regional do Trabalho de
São Paulo, de onde consta terem
sido desviados R$ 169 milhões.
""É difícil provar que não se fez
alguma coisa; por menos fundamentadas, as denúncias transformaram fagulha em explosão",
teorizou em seu gabinete na noite
da terça-feira passada. Ali, Luiz
Estevão afastou a possibilidade de
renunciar ao mandato de senador, para o qual foi eleito em 98
com 460 mil votos, um recorde na
história de Brasília.
""Não há nenhuma possibilidade de eu renunciar. A renúncia só
caberia se eu me sentisse culpado
ou não confiasse no julgamento
do Senado", descartou.
A tentativa de salvar o mandato
e os bens bloqueados pela Justiça
são agora prioridade do senador
de 50 anos. Os planos de se eleger
governador do DF e de virar presidente, como seu ainda amigo
Fernando Collor, ficam temporariamente congelados. Isso na melhor das hipóteses. Para a legião
de inimigos que cultivou, o sonho
de Luiz Estevão já acabou.
A amizade com Collor rendeu a
Estevão projeção nacional. Ex-colegas no Ciem (Centro Integrado
de Ensino Médio), apaixonados
por lutas de caratê e corridas de
carro, os dois se reaproximaram
na campanha presidencial de
1989. Já então um bem-sucedido
empresário, Luiz Estevão investiu
na carreira política do amigo.
Não hesitou em posar de avalista da chamada Operação Uruguai, um empréstimo de US$ 5
milhões que Collor teria tomado
de banqueiros uruguaios para financiar a campanha ao Planalto.
A operação foi forjada para tentar
explicar a origem ilícita do dinheiro que abastecia o ex-presidente.
Durante o governo Collor, o
Banco Central autorizou a criação
do Banco OK e o empresário tocou grandes obras. Fundos de
pensão de empresas estatais compraram prédios construídos pelo
empresário amigo do presidente.
Estevão não abandonou Collor
nos momentos difíceis. Costumava dizer que as dificuldades provam as grandes amizades.
Antes de Collor deixar o Planalto, em dezembro de 1992, o empreiteiro Fábio Monteiro de Barros Filho, suposto testa-de-ferro
de Luiz Estevão, já havia assumido a obra do TRT de São Paulo.
O processo de licitação comandado pelo juiz Nicolau dos Santos
Neto foi iniciado em janeiro daquele ano, pouco antes do auge da
crise do governo Collor. Os primeiros pagamentos foram liberados antes da queda do amigo.
Mais uma vez, a memória brilhante de Estevão falha. ""Eu acho
que o contrato é de setembro,
quando o Collor já estava fora."
Depois do ocaso do governo
Collor, Luiz Estevão não quis
mais se afastar do poder. Investiu
na própria carreira, elegendo-se
em 94 para a Câmara Legislativa
da capital da República, pelo PP.
Depois da eleição, entrou para o
PMDB e, mais recentemente, trabalhou para engajar o partido no
apoio à reeleição do presidente
Fernando Henrique Cardoso.
Na convenção do PMDB que
discutiu o lançamento de um candidato próprio do partido ao Planalto, o então deputado distrital
ajudou a encher o Congresso com
milhares de ""militantes" contrários à candidatura de Itamar
Franco. Nessa ocasião, ele se
aproximou de lideranças nacionais do partido, aliados de FHC.
A ajuda financeira à campanha
de FHC foi, segundo Luiz Estevão,
""insignificante". A prestação de
contas do candidato ao TSE registra a doação de R$ 24 mil do Grupo OK Construções e Incorporações no dia 9 de outubro de 98,
quando FHC já estava eleito.
Menos de dois anos depois da
eleição, os líderes do PMDB não
cogitam arriscar a própria pele
para salvar o mandato do senador. Aliás, não se ouve no governo
ou fora dele nenhuma manifestação de defesa de Luiz Estevão.
Nem do governador Joaquim
Roriz (DF), companheiro de chapa na última eleição e com quem
afirma manter uma boa relação.
A discrição com que se comportam os que dizem não ter nada
contra Luiz Estevão é até bem parecida com o medo que os inimigos têm de abrir a boca. A Folha
ouviu vários deles, na condição de
não citar seus nomes. Os primeiros evitam se comprometer. Os
inimigos temem o estilo truculento e ameaçador que enxergam em
Luiz Estevão -que é faixa preta
em caratê e praticante de jiu-jítsu.
Um grupo de lutadores de artes
marciais foi filmado sob as ordens
de Estevão em uma sessão da Câmara Distrital na cidade-satélite
de Samambaia, onde foi recebido
com vaias. ""Bate, bate", dizia.
Em outro episódio, ainda da
época que Estevão era deputado
distrital, o petista Geraldo Magela
foi agredido por ele com um chute
dentro do plenário, conta o ex-colega e atual deputado federal.
Como contraponto à agressividade, o senador é um homem vaidoso, de hábitos refinados. Veste
ternos da grife Ermenegildo Zegna, de preferência azuis.
Dono de uma letra horrível
-era canhoto e foi forçado a escrever com a mão direita-, Luiz
Estevão confessa duas fraquezas
em seu currículo de desportista:
nunca aprendeu a andar de bicicleta nem sabe nadar.
Luiz Estevão nasceu no Rio de
Janeiro e não chegou a conhecer a
mãe, que morreu no parto. Aos
três anos, foi mandado para um
colégio interno, de onde saiu aos
16 para passar férias em Brasília.
Adotado pelos tios Lino Martins
Pinto e Marita, não deixou mais a
cidade. O tio era dono da revendedora de pneus OK, onde Estevão foi trabalhar aos 18 anos, depois de ter abandonado no segundo semestre o curso de física na
UnB (Universidade de Brasília).
A revenda de pneus, embrião do
Grupo OK, é hoje apenas um dos
negócios do empresário. Ele tem
14 empresas espalhadas em 11 Estados, com faturamento estimado
em R$ 300 milhões.
As empresas do grupo bancaram a campanha de Estevão ao
Senado. Os gastos declarados à
Justiça foram de R$ 1,9 milhão.
A fortuna cresceu bastante depois do casamento com Cleucy, filha de Cleto Meireles, então dono
da Colméia Associação de Poupança e Empréstimo, a maior caderneta de poupança privada de
Brasília. A empresa quebrou no
início dos anos 80.
Cleucy é mãe dos seis filhos do
senador. Uma das três filhas chama-se Ilka, como a mãe que ele
não conheceu. Os adversários de
Estevão enxergam na semelhança
entre Ilka e a construtora Ikal
(responsável pelo prédio do TRT)
mais uma evidência do comprometimento do senador. ""Só se eu
fosse muito burro para lançar
mão de um anagrama do nome
da minha mãe e da minha filha
para a empresa comandada por
um suposto testa-de-ferro", nega.
Desde seu primeiro mandato,
Luiz Estevão não se preocupou
muito em afastar a carreira política dos negócios. Um dos episódios mais marcantes de sua passagem pela Câmara Distrital foi a
aprovação do projeto que permitiu o uso para loteamento urbano
de uma de suas fazendas, a Santa
Prisca, a cerca de 40 km de distância do centro do Plano Piloto.
A polêmica decisão multiplicou
o patrimônio do empresário.
A área é apenas uma parte dos
20 mil hectares de terra que o senador afirma ter no Distrito Federal. Conhecido como "OKlândia",
o projeto de uma nova cidade para a classe média próxima ao centro de Brasília ainda sairá do papel, sonha. ""Um dia, acontecerá."
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