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JANIO DE FREITAS
Fábrica de doutores
O Brasil melhorou cinco degrauzinhos entre os países
que estão na rabada do Índice de
Desenvolvimento Humano, medido pela ONU. A explicação
apresentada para a melhoria foi
a Educação. Como e por quê?
O ensino básico recebeu forte
impulso governamental, com a
decisão, já bastante praticada, de
que os alunos com aprendizado
insuficiente não sejam reprovados, mas empurrados para a frente. O ensino médio continua como um escorrer amazônico da sala de aula para o trabalho prematuro ou para a rua, com a evasão
crescente a cada ano do curso, só
concluído por cerca de um terço
dos que o iniciaram. Se o aluno
aprendeu e se continuou no curso,
não é da nossa conta e muito menos da ONU. O que vale é o número dos matriculados pela primeira vez, que engrossam as estatísticas de escolarização.
Da universidade divulga-se o
bastante: só Fernando Henrique
Cardoso e Paulo Renato Souza ignoram seu desmoronamento progressivo, mas um lapso a mais ou
a menos nada altera nos dois governantes. Ainda assim, vale citar
dois reforços à ótima reportagem
de Luiz Caversan, na Folha, sobre
as mortes de cancerosos por erro
médico, decorrente de aprendizado insuficiente. Em Goiás, Estado
com índice expressivo de males
mentais, a universidade pública
não forma um psiquiatra há 12
anos. Em Minas, mais de 60%
abandonam o curso universitário, depois de tanto tempo e esforço para chegar lá.
E agora, senhoras e senhores, a
grande obra governamental, de
influência determinante para o
salto dos degrauzinhos nas contas
da ONU: a formação de doutores.
Para os pouco familiarizados com
a formação acadêmica, uma breve explicação: embora por aqui se
use chamar de doutor os que concluem uma faculdade, sobretudo
se de medicina e direito, para chegar a esse título, de fato, há duas
etapas ainda - o mestrado, com
a defesa da respectiva tese, e o
doutorado propriamente dito,
com a elaboração e defesa de outra tese.
O título de doutor é muito conceituado na Europa, nos Estados
Unidos, onde é chamado de PhD,
no Canadá, porque o percurso até
conquistá-lo é muito exigente, e
por isso extenso. Lá, tese de doutoramento tem que se ocupar de
um tema original, uma percepção
nova, devidamente fundamentada pelo conhecimento que a envolva e demonstrada. E depois
disso há o crivo da defesa perante
bancas de vários professores, em
geral aplicados em inquirições rigorosas do doutorando. Em alguns países, tese de doutoramento com menos de 300, 400 páginas, nem é considerada.
Isso tudo explica o alto valor
atribuído ao número de doutores
existentes e de novos doutoramentos, para a aferição do estágio alcançado ou do avanço de
um país em educação científica e
cultural.
A gritante deficiência brasileira
em doutores e doutorandos teve
uma solução muito peculiar do
governo, por intermédio do Ministério da Educação. Às instituições habilitadas a proporcionar
doutoramento passaram a ser dadas maiores porções de verbas, segundo o número de novos doutores nelas diplomados. E a todas
foram dados benefícios segundo o
número de doutores nos seus quadros de ensino e pesquisa.
O que interessa a todos a fazer e
ter doutores. Montou-se uma
enorme fábrica de doutores, da
qual jorram títulos. Poucas instituições preservaram o necessário
rigor. Das outras têm saído doutores até com teses de uma centena de páginas e, no máximo, à altura de serem monografias finais
de curso de faculdade.
O Brasil melhorou no ranking
da educação. Em breve, um título
de doutor, por aqui, será tão corriqueiro e tão valioso quanto é,
hoje, um diploma qualquer de faculdade. E a ciência e a cultura,
repletas de doutores, continuarão
represadas na insignificância.
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