São Paulo, domingo, 02 de julho de 2000


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SÃO PAULO
Secretário da Saúde reconhece falhas no PAS, mas afirma que controle sobre as cooperativas tem aumentado
Pagura põe em dúvida denúncia de Pinotti


JOÃO BATISTA NATALI
THOMAS TRAUMANN
DA REPORTAGEM LOCAL

Secretário municipal da Saúde de São Paulo desde 1998, o neurocirurgião Jorge Pagura colocou em dúvida as denúncias de corrupção do seu antecessor por oito dias, José Aristodemo Pinotti.
Pagura disse achar "estranho" que Pinotti tenha demorado duas semanas para denunciar a suposta proposta de suborno que sofreu para manter o PAS, o sistema de cooperativas que assumiu o atendimento público hospitalar e ambulatorial do município.
"O problema é quando alguém diz que lhe ofereceram R$ 5 milhões para não acabar com o PAS, sem que nunca tenha falado publicamente que ia acabar com o sistema", disse Pagura à Folha.
Pinotti fez denúncia sobre a tentativa de suborno ao Ministério Público na semana passada. Em entrevista à Folha, Pinotti disse que o PAS "é uma máquina de matar", qualificando-o de corrupto e ineficiente.
Pagura reconheceu falhas na fiscalização do PAS, mas disse que o controle sobre as cooperativas tem aumentado. Ele afirmou que vai pedir ao prefeito Celso Pitta que transfira a fiscalização das contas do PAS para a Secretaria de Finanças.

Folha - Em algum momento nesses dois anos em que está à frente da Secretaria da Saúde, o sr. recebeu proposta de suborno?
Jorge Pagura -
Nunca. Eu vim da neurocirurgia e vou voltar para a neurocirurgia, sou um profissional respeitado. Nunca recebi e nunca dei margem para receber nenhuma insinuação.
Se houvesse algum tipo de insinuação, denunciaria na hora. Ou teria armado flagrante.

Folha - Qual a sua avaliação da denúncia do ex-secretário Pinotti?
Pagura -
Deve ser investigada e comprovada. Acho que qualquer um que recebesse uma proposta desse tipo teria que denunciar no momento da proposta, não 15 dias depois (como fez Pinotti).
O problema é quando alguém diz que lhe ofereceram R$ 5 milhões para não acabar com o PAS, sem que nunca tenha falado publicamente que ia acabar com o sistema. É estranho.

Folha - O sr. conhece o empresário Mauro Alves Pereira, suspeito da tentativa de suborno ao ex-secretário José Pinotti?
Pagura -
Nunca ouvi falar.

Folha - O sr. sabia que funcionários da secretaria recebiam salários por fora, conforme fita gravada pela assessora do ex-secretário Pinotti em conversa com a servidora Rosemeire Rocco?
Pagura -
Esse foi um caso único.

Folha - O senhor acredita que alguém pagaria US$ 10 milhões pelo direito de indicar o cargo de secretário municipal de Saúde, conforme denúncia do vice-prefeito Regis de Oliveira?
Pagura -
Se houve realmente essa proposta, ele deveria ter dado nome ao autor.

Folha - O senhor acha que o PAS é um sistema honesto?
Pagura -
Desde que assumimos, o modelo do PAS tem sido aperfeiçoado em seus mecanismos de controle. Não se pode afirmar que não tenha havido atos que não foram lesivos aos cofres públicos. Atos que estão sendo investigados pelo Ministério Público, como acontecem em outros órgãos de todas as administrações públicas, sejam municipais, estaduais ou federais.

Folha - Uma das razões pelas quais o PAS entrou em evidência está no fato de o secretário da Saúde não poder vetar uma compra superfaturada de material ou medicamentos das cooperativas. O que era agilidade não se tornou fonte de corrupção?
Pagura -
Quando se terceiriza contratos de saúde, seja por meio de cooperativas como as do PAS ou de organizações sociais ou fundações, como ocorre com o governo do Estado de São Paulo, o secretário da Saúde deveria controlar o atendimento prestado.
Na prefeitura, foi criado por lei o modelo cooperativado. Numa cooperativa, o ganho do cooperado se chama sobras. No PAS, elas têm um conselho de administração, um conselho fiscal, uma auditoria externa e a assembléia dos cooperados. O controle interno é o primeiro que deve ser efetuado pela cooperativa.

Folha - Se o ganho do cooperado são as sobras, quanto menos a cooperativa atender a população maior essas sobras serão.
Pagura -
Aí é que a Secretaria da Saúde precisaria exercer seu controle, vendo os índices de qualidade, o número de atendimentos, de internações, para ver se a população está sendo adequadamente atendida. A lei deu à secretaria o controle das contas e as punições em caso de irregularidades.

Folha - O Conselho Regional de Medicina recebeu informações dos médicos cooperados de que estaria havendo um desativamento parcial de leitos de hospitais, justamente para que as sobras fosse maiores.
Pagura -
Não é verdade. Há uma fiscalização que exercemos. O número de leitos até aumentou, e muito. Em 1995, tínhamos 774. Temos hoje 1.222.

Folha - Mas o histórico do PAS está ligado ao exercício da improbidade. Dos 14 módulos de cooperativas, seis sofreram intervenção.
Pagura -
Quando a secretaria intervém é porque há risco de interrupção dos atendimentos. Se um indivíduo malversou o dinheiro público, ele se expõe a sanções. Quando se fala de corrupção, há que se ter comprovado que ela ocorreu. Pode ter havido apenas má administração de verbas que afeta o atendimento.

Folha - O sr. diz que ao se falar em corrupção é preciso comprová-la. Mas a Câmara Municipal, que tem o poder de fiscalizar a administração pública, não tem acesso à contabilidade dos módulos do PAS. Vereadores têm ido à Justiça porque, segundo eles, o sr. argumenta não poder abrir as contas das cooperativas, que são particulares.
Pagura -
A Secretaria da Saúde já liberou as contas de 1996, 1997 e 1998, publicadas com as devidas glosas no "Diário Oficial do Município".

Folha - Mas a pergunta não foi sobre o quanto a secretaria repassou ao PAS. Foi sobre o que o PAS faz com o dinheiro público.
Pagura -
Quando se glosa (censura) uma conta, os módulos têm o direito a um recurso. Esse recurso é apreciado. O recurso é retirado ou mantido. Manda-se depois para a auditoria da Secretaria das Finanças. Um processo desses tem 80 mil páginas.

Folha - Há cerca de três meses, a Folha tentou apurar denúncia de superfaturamento no PAS do Campo Limpo. Pedimos a sua assessoria a listagem de preços e reserva de orçamento para pagamentos de contrato. Seu assessor respondeu que não poderia tornar públicas informações de uma entidade privada, a cooperativa.
Pagura -
Digamos que uma cooperativa comprou um comprimido a R$ 10,00. Você pode argumentar que ela poderia ter comprado a R$ 9,00. Vejamos esta lista do Ministério da Saúde. O mesmo medicamento foi comprado a R$ 7,50 e a R$ 38,00. Um comprou o genérico, outro, o similar; um comprou 1.200 unidades, outro, 120. Toda vez que se noticia superfaturamento, essas diferenças ocorrem. Não tem tabelamento de remédios, porque isso caracterizaria cartel.
Acontece a mesma coisa com o governo do Estado. Se ele repassa certa verba para a Fundação Zerbini, ele não interfere nos preços que ela está pagando. O poder público precisa ver se o atendimento está sendo feito. Nós procuramos um equilíbrio entre as compras. Para isso que contratamos a Fundação Getúlio Vargas.

Folha - A Fundação Getúlio Vargas nega que tenha feito um programa de computador para que a Secretaria Municipal da Saúde controle o PAS. Diz ter apenas um longo estudo com propostas de reestruturação. Quem o fez o software foi a Prodam (Companhia de Processamento de Dados do Município). Não haveria um uso indevido da marca FGV?
Pagura -
A GV Consult, ligada à FGV, está fazendo todo um sistema integrado de gestão de saúde. Os técnicos da FGV estão trabalhando dentro da secretaria. Pode haver uma questão de vaidade por parte da Prodam. O software foi desenvolvido em conjunto pela FGV e pela Prodam.

Folha - No contrato entre sua secretaria e a FGV, ela cobrou R$ 123,00 por hora de trabalho. Mas a lista dos que participaram do projeto mostrava que mais da metade dos contratados era de estagiários que recebiam R$ 400 por mês. Não é esquisito?
Pagura -
Quando se contrata a Fundação Getúlio Vargas, estão contratando pessoas da maior idoneidade. Nosso contrato com eles prevê a reorganização de todo o sistema. Tínhamos um gerenciamento que custava R$ 36 milhões por ano.

Folha - Era o gerenciamento externo de cada módulo? E por que a secretaria não continuou pagando à FEA-USP para fazer a auditoria? A prefeitura deixou de pagar a FEA, ela deixou de auditar os módulos, e os módulos passaram a receber num mês sem terem suas contas do mês anterior auditadas.
Pagura -
Essa informação é inexata.Há uma auditoria externa que é feita. As contas passam pelo conselho de gestão e, só então, ocorre a liberação da verba. Não se pode segurar verba de custeio. Todas as cooperativas recebem no mínimo 25% a menos que suas estimativas iniciais. Estamos salvaguardando o dinheiro público.

Folha - Como assim?
Pagura -
O sistema do PAS, no valor inicialmente estimado, precisaria estar recebendo R$ 51 milhões por mês. Mas está recebendo R$ 40 milhões. Eles têm um repasse menor.

Folha - Recebem menos porque fizeram menos?
Pagura -
Não. Há um pré-pagamento. Houve uma redução de verbas.

Folha - As cooperativas recebem por paciente potencialmente cadastrado, mas prestam serviços por capacidade de atendimento. Não há um fosso que se cria com o subatendimento?
Pagura -
Não é bem assim. Há um valor de referência de um módulo, que coincide com a obrigatoriedade de atendimento. Tudo é definido por estudos sérios.

Folha - Qual é a qualidade dos mecanismos de controle do PAS?
Pagura -O nosso modelo é de monitoração. Por exemplo: temos agora um cadastro on line de compras. Quando uma cooperativa vai comprar um remédio por um preço acima do previsto, o sistema nota. Ele mostra uma tarja vermelha, manda um e-mail para a cooperativa e avisa a secretaria.

Folha - Por que existe só um grupo de quatro empresas de diagnósticos por imagem contratadas por todos os módulos?
Pagura -
Não saberia responder e não é de meu conhecimento. A orientação da secretaria é a de que não haja cartelização.

Folha - Um hospital do PAS faria cinco exames pré-natal numa mulher grávida, sabendo que isso aumentará suas despesas? A receita da cooperativa é fixa.
Pagura -
Não é bem assim. Caso houvesse um pagamento posterior, correríamos o risco de repetir os boletins de atendimento que quebraram o SUS. O problema não está aí.

Folha - Mas há um aumento de mortalidade materna com o PAS. Em 1994 era de 47, em 1998 estava em 58.
Pagura -
O que mudou foi a notificação. Havia uma subnotificação que procuramos corrigir.

Folha - Mas a Fundação Seade também constata um acréscimo da mortalidade materna e ela não tem problemas de subnotificação porque ela computa todos os atestados de óbito.
Pagura -
Em 1998, nós já diminuímos bastante. Preenchimento de atestado de óbito também é um problema. O que eu estou dizendo é que temos que melhorar. Há uma avaliação técnica feita pela coordenadora operacional de todo o sistema. Ela demonstra que o atendimento melhorou.

Folha - Falemos de mortalidade infantil. Argumenta-se que sem o PAS os índices teriam caído mais rapidamente em São Paulo.
Pagura -
Em 1995, tínhamos 23,46 crianças mortas a cada mil antes de completar um ano de idade. Em 1999, esse índice caiu para 16,3 casos por mil. São dados do Seade.
Os dados da Pastoral do Menor (que indicam uma queda menor nos índices) isolam regiões com focos maior de pobreza. Isso nos permite saber onde devemos atuar, mas não pode ser usado como dado principal.
E ainda há uma co-responsabilidade com o governo do Estado. O PAS e a prefeitura têm 130 unidades. O Estado tem 190.

Folha - O ex-secretário Pinotti afirmou que o PAS é uma "máquina de matar". O PAS mata?
Pagura -
A frase é uma ofensa não ao modelo de gestão, mas principalmente aos profissionais. Por mais críticas que se se tenha ao modelo, dizer isso é absurdo.
Pelo contrário. O PAS fixa mais o médico, a saúde da população está sendo objeto de melhor atendimento. Entre 1995 e 1999, o atendimento ambulatorial cresceu de 4,3 milhões para 5,7 milhões. E estamos retomando unidades de atendimento básico.

Folha - Essa retomada não é feita apenas para que a prefeitura volte a receber os repasses do SUS, que o PAS não recebia por ser cooperativa privada?
Pagura -
Não é por dinheiro. Fala-se muito em municipalização. Com ela, a prefeitura gerencia todas as unidades básicas de saúde, que são 320. A prefeitura tem que assumir as suas e as do Estado. Estamos já fazendo isso. Estamos trazendo de volta os funcionários que nos deixaram depois da implantação do PAS.

Folha - Se fosse para fazer uma avaliação contábil, o dinheiro do contribuinte é mais bem usado pelo PAS que o era pelo atendimento da administração direta?
Pagura -
São coisas diferentes. É preciso levar em conta a qualidade de atendimento, que melhorou. A meu ver, numa cidade como São Paulo não cabe mais o atendimento só estatizado. A cidade tem o tamanho de um país. Deve-se ter um modelo híbrido, com os programas de saúde básica com a prefeitura e o atendimento emergencial com sistemas terceirizados, sejam cooperativas ou fundações.

Folha - O sr. acha que há perseguição política sobre as contas do PAS?
Pagura -
Vamos dizer que existam 50 pessoas no PAS que se locupletaram com dinheiro público. Isso não significa que o PAS não presta, mas há pessoas mal-intencionadas. Se a pessoa quer fazer malversação de dinheiro público, ela faz com PAS ou sem o PAS.

Folha - O sr. acha que o PAS é viável na próxima gestão?
Pagura -
O inviável é tentar fazer todo o atendimento pela administração direta. O PAS é um modelo flexível, permite uma agilidade que o poder público não tem. Se um hospital precisa contratar um médico, faz isso na hora. A prefeitura tem que abrir concurso, leva seis meses. Quando uma cooperativa precisa comprar um medicamento, faz um levantamento de preço e resolve o problema.
No poder público, ou se faz uma licitação, que demora demais, ou por compra de emergência, um mecanismo conhecido pelos seus problemas. Na minha gestão, evitei as compras de emergência

Folha - Quais foram os ganhos da população com o PAS?
Pagura -
O aumento do número de profissionais. O hospital da Vila Nhocuné (zona leste) tinha dez médicos em 1995. Hoje tem 107. Mas vou dar exemplos maiores. Em 95, ocorreram 2,5 milhões de atendimentos de urgência. No ano passado, esse número saltou para 6,1 milhões.
O número de partos passou de 15.631 em 1995 para 34.685 no ano passado. Nesses quatro anos, a quantidade de cirurgias passou de 17.888 para 31.309. É lógico que a população ganhou. E não foi apenas ela. Um médico da prefeitura ganha em torno de R$ 1.000. Na cooperativa, o seu ganho vai para R$ 2.400.

Folha - Com tantos problemas no PAS, o sr. se ocupa mais com a contabilidade do PAS ou com o serviço de saúde?
Pagura -
Passo todo os dias vendo essas auditorias. Não é o que quero. Vou propor ao prefeito que transfira a fiscalização da contabilidade para a Secretaria das Finanças. Assim vou poder cuidar mais atentamente da qualidade dos serviços.


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