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SÃO PAULO
Secretário da Saúde reconhece falhas no PAS, mas afirma que controle sobre as cooperativas tem aumentado
Pagura põe em dúvida denúncia de Pinotti
JOÃO BATISTA NATALI
THOMAS TRAUMANN
DA REPORTAGEM LOCAL
Secretário municipal da Saúde
de São Paulo desde 1998, o neurocirurgião Jorge Pagura colocou
em dúvida as denúncias de corrupção do seu antecessor por oito
dias, José Aristodemo Pinotti.
Pagura disse achar "estranho"
que Pinotti tenha demorado duas
semanas para denunciar a suposta proposta de suborno que sofreu para manter o PAS, o sistema
de cooperativas que assumiu o
atendimento público hospitalar e
ambulatorial do município.
"O problema é quando alguém
diz que lhe ofereceram R$ 5 milhões para não acabar com o PAS,
sem que nunca tenha falado publicamente que ia acabar com o
sistema", disse Pagura à Folha.
Pinotti fez denúncia sobre a tentativa de suborno ao Ministério
Público na semana passada. Em
entrevista à Folha, Pinotti disse
que o PAS "é uma máquina de
matar", qualificando-o de corrupto e ineficiente.
Pagura reconheceu falhas na fiscalização do PAS, mas disse que o
controle sobre as cooperativas
tem aumentado. Ele afirmou que
vai pedir ao prefeito Celso Pitta
que transfira a fiscalização das
contas do PAS para a Secretaria
de Finanças.
Folha - Em algum momento nesses dois anos em que está à frente
da Secretaria da Saúde, o sr. recebeu proposta de suborno?
Jorge Pagura - Nunca. Eu vim da
neurocirurgia e vou voltar para a
neurocirurgia, sou um profissional respeitado. Nunca recebi e
nunca dei margem para receber
nenhuma insinuação.
Se houvesse algum tipo de insinuação, denunciaria na hora. Ou
teria armado flagrante.
Folha - Qual a sua avaliação da
denúncia do ex-secretário Pinotti?
Pagura - Deve ser investigada e
comprovada. Acho que qualquer
um que recebesse uma proposta
desse tipo teria que denunciar no
momento da proposta, não 15
dias depois (como fez Pinotti).
O problema é quando alguém
diz que lhe ofereceram R$ 5 milhões para não acabar com o PAS,
sem que nunca tenha falado publicamente que ia acabar com o
sistema. É estranho.
Folha - O sr. conhece o empresário Mauro Alves Pereira, suspeito
da tentativa de suborno ao ex-secretário José Pinotti?
Pagura - Nunca ouvi falar.
Folha - O sr. sabia que funcionários da secretaria recebiam salários
por fora, conforme fita gravada pela assessora do ex-secretário Pinotti em conversa com a servidora Rosemeire Rocco?
Pagura - Esse foi um caso único.
Folha - O senhor acredita que alguém pagaria US$ 10 milhões pelo
direito de indicar o cargo de secretário municipal de Saúde, conforme denúncia do vice-prefeito Regis
de Oliveira?
Pagura - Se houve realmente essa proposta, ele deveria ter dado
nome ao autor.
Folha - O senhor acha que o PAS é
um sistema honesto?
Pagura -Desde que assumimos,
o modelo do PAS tem sido aperfeiçoado em seus mecanismos de
controle. Não se pode afirmar que
não tenha havido atos que não foram lesivos aos cofres públicos.
Atos que estão sendo investigados
pelo Ministério Público, como
acontecem em outros órgãos de
todas as administrações públicas,
sejam municipais, estaduais ou
federais.
Folha - Uma das razões pelas
quais o PAS entrou em evidência
está no fato de o secretário da Saúde não poder vetar uma compra superfaturada de material ou medicamentos das cooperativas. O que
era agilidade não se tornou fonte
de corrupção?
Pagura - Quando se terceiriza
contratos de saúde, seja por meio
de cooperativas como as do PAS
ou de organizações sociais ou fundações, como ocorre com o governo do Estado de São Paulo, o
secretário da Saúde deveria controlar o atendimento prestado.
Na prefeitura, foi criado por lei
o modelo cooperativado. Numa
cooperativa, o ganho do cooperado se chama sobras. No PAS, elas
têm um conselho de administração, um conselho fiscal, uma auditoria externa e a assembléia dos
cooperados. O controle interno é
o primeiro que deve ser efetuado
pela cooperativa.
Folha - Se o ganho do cooperado
são as sobras, quanto menos a cooperativa atender a população
maior essas sobras serão.
Pagura - Aí é que a Secretaria da
Saúde precisaria exercer seu controle, vendo os índices de qualidade, o número de atendimentos, de
internações, para ver se a população está sendo adequadamente
atendida. A lei deu à secretaria o
controle das contas e as punições
em caso de irregularidades.
Folha - O Conselho Regional de
Medicina recebeu informações dos
médicos cooperados de que estaria
havendo um desativamento parcial de leitos de hospitais, justamente para que as sobras fosse
maiores.
Pagura - Não é verdade. Há uma
fiscalização que exercemos. O número de leitos até aumentou, e
muito. Em 1995, tínhamos 774.
Temos hoje 1.222.
Folha - Mas o histórico do PAS está ligado ao exercício da improbidade. Dos 14 módulos de cooperativas, seis sofreram intervenção.
Pagura - Quando a secretaria intervém é porque há risco de interrupção dos atendimentos. Se um
indivíduo malversou o dinheiro
público, ele se expõe a sanções.
Quando se fala de corrupção, há
que se ter comprovado que ela
ocorreu. Pode ter havido apenas
má administração de verbas que
afeta o atendimento.
Folha - O sr. diz que ao se falar em
corrupção é preciso comprová-la.
Mas a Câmara Municipal, que tem o
poder de fiscalizar a administração
pública, não tem acesso à contabilidade dos módulos do PAS. Vereadores têm ido à Justiça porque, segundo eles, o sr. argumenta não
poder abrir as contas das cooperativas, que são particulares.
Pagura - A Secretaria da Saúde já
liberou as contas de 1996, 1997 e
1998, publicadas com as devidas
glosas no "Diário Oficial do Município".
Folha - Mas a pergunta não foi sobre o quanto a secretaria repassou
ao PAS. Foi sobre o que o PAS faz
com o dinheiro público.
Pagura - Quando se glosa (censura) uma conta, os módulos têm
o direito a um recurso. Esse recurso é apreciado. O recurso é retirado ou mantido. Manda-se depois
para a auditoria da Secretaria das
Finanças. Um processo desses
tem 80 mil páginas.
Folha - Há cerca de três meses, a
Folha tentou apurar denúncia de
superfaturamento no PAS do Campo Limpo. Pedimos a sua assessoria
a listagem de preços e reserva de
orçamento para pagamentos de
contrato. Seu assessor respondeu
que não poderia tornar públicas informações de uma entidade privada, a cooperativa.
Pagura - Digamos que uma cooperativa comprou um comprimido a R$ 10,00. Você pode argumentar que ela poderia ter comprado a R$ 9,00. Vejamos esta lista do Ministério da Saúde. O mesmo medicamento foi comprado a
R$ 7,50 e a R$ 38,00. Um comprou
o genérico, outro, o similar; um
comprou 1.200 unidades, outro,
120. Toda vez que se noticia superfaturamento, essas diferenças
ocorrem. Não tem tabelamento
de remédios, porque isso caracterizaria cartel.
Acontece a mesma coisa com o
governo do Estado. Se ele repassa
certa verba para a Fundação Zerbini, ele não interfere nos preços
que ela está pagando. O poder público precisa ver se o atendimento
está sendo feito. Nós procuramos
um equilíbrio entre as compras.
Para isso que contratamos a Fundação Getúlio Vargas.
Folha - A Fundação Getúlio Vargas nega que tenha feito um programa de computador para que a
Secretaria Municipal da Saúde controle o PAS. Diz ter apenas um longo estudo com propostas de reestruturação. Quem o fez o software
foi a Prodam (Companhia de Processamento de Dados do Município). Não haveria um uso indevido
da marca FGV?
Pagura - A GV Consult, ligada à
FGV, está fazendo todo um sistema integrado de gestão de saúde.
Os técnicos da FGV estão trabalhando dentro da secretaria. Pode
haver uma questão de vaidade
por parte da Prodam. O software
foi desenvolvido em conjunto pela FGV e pela Prodam.
Folha - No contrato entre sua secretaria e a FGV, ela cobrou R$
123,00 por hora de trabalho. Mas a
lista dos que participaram do projeto mostrava que mais da metade
dos contratados era de estagiários
que recebiam R$ 400 por mês. Não
é esquisito?
Pagura - Quando se contrata a
Fundação Getúlio Vargas, estão
contratando pessoas da maior
idoneidade. Nosso contrato com
eles prevê a reorganização de todo
o sistema. Tínhamos um gerenciamento que custava R$ 36 milhões por ano.
Folha - Era o gerenciamento externo de cada módulo? E por que a
secretaria não continuou pagando
à FEA-USP para fazer a auditoria? A
prefeitura deixou de pagar a FEA,
ela deixou de auditar os módulos, e
os módulos passaram a receber
num mês sem terem suas contas do
mês anterior auditadas.
Pagura - Essa informação é inexata.Há uma auditoria externa
que é feita. As contas passam pelo
conselho de gestão e, só então,
ocorre a liberação da verba. Não
se pode segurar verba de custeio.
Todas as cooperativas recebem
no mínimo 25% a menos que suas
estimativas iniciais. Estamos salvaguardando o dinheiro público.
Folha - Como assim?
Pagura - O sistema do PAS, no
valor inicialmente estimado, precisaria estar recebendo R$ 51 milhões por mês. Mas está recebendo R$ 40 milhões. Eles têm um repasse menor.
Folha - Recebem menos porque
fizeram menos?
Pagura - Não. Há um pré-pagamento. Houve uma redução de
verbas.
Folha - As cooperativas recebem
por paciente potencialmente cadastrado, mas prestam serviços
por capacidade de atendimento.
Não há um fosso que se cria com o
subatendimento?
Pagura - Não é bem assim. Há
um valor de referência de um módulo, que coincide com a obrigatoriedade de atendimento. Tudo é
definido por estudos sérios.
Folha - Qual é a qualidade dos
mecanismos de controle do PAS?
Pagura -O nosso modelo é de monitoração. Por exemplo: temos
agora um cadastro on line de
compras. Quando uma cooperativa vai comprar um remédio por
um preço acima do previsto, o sistema nota. Ele mostra uma tarja
vermelha, manda um e-mail para
a cooperativa e avisa a secretaria.
Folha - Por que existe só um grupo de quatro empresas de diagnósticos por imagem contratadas por
todos os módulos?
Pagura - Não saberia responder
e não é de meu conhecimento. A
orientação da secretaria é a de que
não haja cartelização.
Folha - Um hospital do PAS faria
cinco exames pré-natal numa mulher grávida, sabendo que isso aumentará suas despesas? A receita
da cooperativa é fixa.
Pagura - Não é bem assim. Caso
houvesse um pagamento posterior, correríamos o risco de repetir os boletins de atendimento que
quebraram o SUS. O problema
não está aí.
Folha - Mas há um aumento de
mortalidade materna com o PAS.
Em 1994 era de 47, em 1998 estava
em 58.
Pagura - O que mudou foi a notificação. Havia uma subnotificação que procuramos corrigir.
Folha - Mas a Fundação Seade
também constata um acréscimo da
mortalidade materna e ela não tem
problemas de subnotificação porque ela computa todos os atestados de óbito.
Pagura - Em 1998, nós já diminuímos bastante. Preenchimento
de atestado de óbito também é
um problema. O que eu estou dizendo é que temos que melhorar.
Há uma avaliação técnica feita pela coordenadora operacional de
todo o sistema. Ela demonstra
que o atendimento melhorou.
Folha - Falemos de mortalidade
infantil. Argumenta-se que sem o
PAS os índices teriam caído mais
rapidamente em São Paulo.
Pagura - Em 1995, tínhamos
23,46 crianças mortas a cada mil
antes de completar um ano de
idade. Em 1999, esse índice caiu
para 16,3 casos por mil. São dados
do Seade.
Os dados da Pastoral do Menor
(que indicam uma queda menor
nos índices) isolam regiões com
focos maior de pobreza. Isso nos
permite saber onde devemos
atuar, mas não pode ser usado como dado principal.
E ainda há uma co-responsabilidade com o governo do Estado.
O PAS e a prefeitura têm 130 unidades. O Estado tem 190.
Folha - O ex-secretário Pinotti
afirmou que o PAS é uma "máquina
de matar". O PAS mata?
Pagura - A frase é uma ofensa
não ao modelo de gestão, mas
principalmente aos profissionais.
Por mais críticas que se se tenha
ao modelo, dizer isso é absurdo.
Pelo contrário. O PAS fixa mais
o médico, a saúde da população
está sendo objeto de melhor atendimento. Entre 1995 e 1999, o
atendimento ambulatorial cresceu de 4,3 milhões para 5,7 milhões. E estamos retomando unidades de atendimento básico.
Folha - Essa retomada não é feita
apenas para que a prefeitura volte
a receber os repasses do SUS, que o
PAS não recebia por ser cooperativa privada?
Pagura - Não é por dinheiro. Fala-se muito em municipalização.
Com ela, a prefeitura gerencia todas as unidades básicas de saúde,
que são 320. A prefeitura tem que
assumir as suas e as do Estado. Estamos já fazendo isso. Estamos
trazendo de volta os funcionários
que nos deixaram depois da implantação do PAS.
Folha - Se fosse para fazer uma
avaliação contábil, o dinheiro do
contribuinte é mais bem usado pelo PAS que o era pelo atendimento
da administração direta?
Pagura - São coisas diferentes. É
preciso levar em conta a qualidade de atendimento, que melhorou. A meu ver, numa cidade como São Paulo não cabe mais o
atendimento só estatizado. A cidade tem o tamanho de um país.
Deve-se ter um modelo híbrido,
com os programas de saúde básica com a prefeitura e o atendimento emergencial com sistemas
terceirizados, sejam cooperativas
ou fundações.
Folha - O sr. acha que há perseguição política sobre as contas do
PAS?
Pagura - Vamos dizer que existam 50 pessoas no PAS que se locupletaram com dinheiro público. Isso não significa que o PAS
não presta, mas há pessoas mal-intencionadas. Se a pessoa quer
fazer malversação de dinheiro público, ela faz com PAS ou sem o
PAS.
Folha - O sr. acha que o PAS é viável na próxima gestão?
Pagura - O inviável é tentar fazer
todo o atendimento pela administração direta. O PAS é um modelo
flexível, permite uma agilidade
que o poder público não tem. Se
um hospital precisa contratar um
médico, faz isso na hora. A prefeitura tem que abrir concurso, leva
seis meses. Quando uma cooperativa precisa comprar um medicamento, faz um levantamento de
preço e resolve o problema.
No poder público, ou se faz uma
licitação, que demora demais, ou
por compra de emergência, um
mecanismo conhecido pelos seus
problemas. Na minha gestão, evitei as compras de emergência
Folha - Quais foram os ganhos da
população com o PAS?
Pagura - O aumento do número
de profissionais. O hospital da Vila Nhocuné (zona leste) tinha dez
médicos em 1995. Hoje tem 107.
Mas vou dar exemplos maiores.
Em 95, ocorreram 2,5 milhões de
atendimentos de urgência. No
ano passado, esse número saltou
para 6,1 milhões.
O número de partos passou de
15.631 em 1995 para 34.685 no ano
passado. Nesses quatro anos, a
quantidade de cirurgias passou de
17.888 para 31.309. É lógico que a
população ganhou. E não foi apenas ela. Um médico da prefeitura
ganha em torno de R$ 1.000. Na
cooperativa, o seu ganho vai para
R$ 2.400.
Folha - Com tantos problemas no
PAS, o sr. se ocupa mais com a contabilidade do PAS ou com o serviço
de saúde?
Pagura - Passo todo os dias vendo essas auditorias. Não é o que
quero. Vou propor ao prefeito
que transfira a fiscalização da
contabilidade para a Secretaria
das Finanças. Assim vou poder
cuidar mais atentamente da qualidade dos serviços.
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