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ELIO GASPARI
Um mensalão 2.0 acabará em nova CPI
Se os gastos de campanha
do PT repetirem a escrita
de 2002, Lula jogará o
país numa nova crise
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O SECRETÁRIO DE FINANÇAS do PT,
Paulo Ferreira, anunciou que o
partido deverá gastar algo como
R$ 55 milhões na campanha pela reeleição de Nosso Guia. A cifra ampara-se
no seguinte raciocínio: "É razoável
pensar no custo da campanha de 2002
acrescido do índice inflacionário".
Se o comissário está falando sério, o
aparelho petista não aprendeu a lição
das contas de 2002. O "custo da campanha" que elegeu Lula não serve de referência para coisa nenhuma, pois é falso.
Para que uma pessoa possa acreditar
na veracidade da prestação de contas
apresentada pelo tesoureiro Delúbio
Soares à Justiça, precisa aceitar que
nem um tostão do ervanário pago ao
marqueteiro Duda Mendonça referia-se à campanha de Lula. Só nas suas
contas caribenhas, Duda depositou R$
10,5 milhões. Lula disse que sua campanha de 2002 custou R$ 21 milhões.
De uma maneira geral, o caixa dois
das campanhas presidenciais é, no mínimo igual ao caixa um. A que "custo da
campanha de 2002" o comissário Ferreira se refere? Admitindo-se que o PT
pretenda fazer uma campanha gastando R$ 55 milhões numa caixa só, pouco
lhe custaria botar na internet uma
exemplar prestação de suas contas. Em
2004, quando a banda limpa do partido
propôs que o partido fizesse isso, Delúbio Soares ensinou que "transparência
assim é burrice". Burrice foi acreditar
que a cáfila de delinqüentes não seria
apanhada.
O comissário Paulo Ferreira tornou-se um tipo inesquecível quando justificou uma das memoráveis patranhas do
ministro Antonio Palocci, dizendo que
ele cometera uma "imprecisão terminológica". Aceitando-se que Delúbio
cometeu imprecisões numerológicas,
está tudo resolvido.
Breve aqui, CPI.
Plutofilia erudita
Muita gente boa ampara-se
em arcanos raciocínios econômicos para descascar a lei que dá
às empregadas domésticas o
acesso a carteira assinada, com
direito a FGTS. Fica uma pergunta: se o distinto (ou a distinta) tem carteira assinada e
FGTS, por que a empregada não
deve tê-lo? Pode-se dizer que
uma coisa nada tem a ver com a
outra, pois a lei votada na Câmara é demagógica. Coisa assim:
"[Ela vai] dar às empregadas
maiores esperanças do que as
que podem corresponder à realidade, embalando esses pobres
espíritos com idéias que não são
exatas, que não têm o alcance
que eles supõem". Essa observação é do deputado Moreira Barros, num discurso da segunda
metade do século 19, quando se
discutia a abolição da escravatura. Na versão original, onde se lê
"empregadas", lia-se "escravos".
Guia mundial
O Centro David Rockefeller
para Estudos da América Latina,
que funciona na Universidade
Harvard, tem uma publicação
chamada ReVista. A última trata
das 16 eleições marcadas para o
período de novembro de 2005 a
dezembro deste ano. O artigo
sobre a situação brasileira tem
um título duro: "Da Revolução
ao "Rouba mas Faz'?". Seu autor
é o professor Scott Desposato,
da Universidade da Califórnia.
Leitura própria
O Datafolha informa que Lula
tem 31% dos votos dos entrevistados com nível superior. Alckmin tem 42%. Para que a teoria
do eleitorado "desinformado"
prospere, será preciso sustentar
que cerca de um terço dos com-canudo são menos informados
que os 20% de entrevistados das
classes D e E que preferem Alckmin.
Novos piratas
Há um novo golpe na praça:
pirataria de livros. Em fevereiro
passado, o governo de Minas
Gerais fez um pregão eletrônico, licitando a compra de 800
exemplares do livro "Os descaminhos do São Francisco". É
um libelo contra a transposição
do Velho Chico, escrito pelo jornalista Marco Antonio Coelho.
O representante da editora Paz
e Terra pediu R$ 44 mil. Foi
derrotado pelo fornecedor Antonio Silvino da Silva Leme. Fazia o negócio por R$ 23,5 mil.
Tratava-se de uma edição pirata. É parecida, mas felizmente
alguns detalhes, como a tonalidade da cor da capa, permitem a
constatação da fraude. Resta saber como o governo mineiro sai
dessa.
Lei de Simonsen
No pequeno município de
Tombos (13 mil habitantes, Zona da Mata mineira), está guardado um monumento à demagogia e ao desperdício do dinheiro da Viúva. Em 2004 a
prefeitura recebeu uma ambulância da Planam, daquelas que
custam R$ 88 mil, dinheiro
equivalente a um mês de arrecadação do ICMS do lugar. Noves fora um tanque de gasolina
de plástico que precisou ser trocado, o serviço e manutenção
do equipamento bebem R$
2.000 mensais. Como o dinheiro está curto, o prefeito pediu
que a trocassem por dois veículos menores. Nada. Pediu que a
levassem de volta. Nada. Decidiu trancá-la na garagem.
A turma que inventou a Planam deveria ter presenciado o
momento em que o professor
Mario Henrique Simonsen
enunciou a lei que leva seu nome: "Amigo, sua idéia é ótima.
Por favor, diga-me de quanto
será a comissão. Eu faço o cheque agora mesmo e você promete que não toca mais no assunto".
COM VOCÊS, UM GRANDE JUIZ: DAVID SOUTER
A decisão da Corte Suprema dos Estados Unidos que
detonou a legalidade dos tribunais militares especiais
criados pelo presidente George W. Bush contém uma aula
sobre o mistério da alma de
seus juízes.
A partida ficou em 5 a 3. O
presidente da Corte, John
Roberts, declarou-se impedido. Como juiz de segunda instância, ele já votara contra o
iemenita Salim Hamdan, motorista de Osama Bin Laden,
preso desde 2001.
A bolsa de apostas sugeria
um empate em 4 a 4. Nesse
caso, continuaria em vigor o
DOI-Bush, sistema pelo qual
um cidadão pode ser julgado
sem conhecer todas as provas
apresentadas pela promotoria. Pior: a defesa não tem
meio de impugnar um depoimento que provavelmente foi
arrancado sob tortura.
A conta era simples: votariam com o governo pelo menos quatro juízes nomeados
pelos presidentes Reagan,
Bush I e Bush II. Deu zebra
porque David Souter, indicado por George I, foi para o outro lado e levou a Corte a uma
decisão histórica, que inibe a
neurastenia policial da Casa
Branca.
Não é a primeira vez que
Souter faz isso. É um personagem que vale a pena conhecer. Tem 66 anos, está na Corte desde 1990 e era uma barbada para os conservadores.
Raramente ligava sua TV preto e branco, só assinava a edição dominical do "The New
York Times" e podia-se acertar o relógio pela hora em que
chegava ao trabalho. Um dia
uma secretária disse um palavrão light e ele presenteou-a
com um sabonete. Almoça
maçã com queijo, vive num
apartamento monástico e dirige um calhambeque. Foi para Washington sem saber
quanto ganharia (US$
118.690 anuais, um pouco
menos que seus similares nacionais). Durante um jantar
na Casa Branca, conversou
em latim com com uma senhora húngara que não falava
inglês. Sua declaração para os
jornalistas ao ser indicado para a Corte: "Duas palavras: Oi,
tchau".
Souter é solteiro e diz por
que: teve uma paixão juvenil,
não foi correspondido e preferiu ficar sozinho.
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