São Paulo, quinta, 2 de julho de 1998

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CELSO PINTO
Aposta contra o Brasil

A nova onda de desconfiança em países emergentes, que vem tomando corpo desde o mês passado, voltou a polarizar opiniões em relação ao Brasil. Muita gente aposta que o Brasil atravessará até 99 sem encarar outra crise monetária, mas há exceções.
Uma delas é a análise feita pela Bank Credit Analyst (BCA), uma respeitada empresa de pesquisa, sediada no Canadá, usada por bancos e investidores institucionais internacionais. Assinada por David Abramson, datada de 23 de junho, a análise da BCA traça alguns paralelos entre o Brasil de hoje e o México anterior ao colapso de 1994.
Mesmo sem prever que o Brasil, necessariamente, vai passar por uma crise idêntica à sofrida pelo México, a BCA sugere que os investidores apostem no pior. Como eles consideram que o custo de apostar diretamente contra o real é muito alto, em razão dos prêmios no mercado futuro e dos controles sobre capitais especulativos, "a melhor estratégia envolve vender a Bovespa, pelo menos até que a pressão contra a moeda atinja extremos insuportáveis".
Traduzindo: a maneira clássica de apostar na desvalorização de uma moeda é comprar dólares no mercado futuro à cotação atual na moeda local. Se houver a desvalorização, os dólares que serão recebidos no futuro valerão muito mais quando trocados pela moeda local.
Como no Brasil o custo de fazer essa especulação é alto, a BCA sugere que se aposte na queda da Bolsa de Valores de São Paulo, como uma alternativa. A BCA vê quatro cenários nos quais aumentam as chances de haver uma desvalorização desordenada do real e um tombo na bolsa.
O primeiro seria uma queda de 15% ou mais na bolsa americana. Nesse caso, "provavelmente seria necessário adiar a privatização da Telebrás, que tem cativado a atenção dos investidores estrangeiros e das corretoras". A bolsa despencaria.
O segundo seria uma desestabilização na Rússia ou uma desvalorização do iene superior a 150 ienes por dólar. Qualquer dos dois eventos elevaria o prêmio de risco para países emergentes "e tornaria as moedas ligadas ao bloco do dólar mais caras". É o caso do real.
O terceiro seria uma forte queda adicional nos preços do petróleo e do cobre. Isso afetaria México, Venezuela e Chile, que representam 4,8% do comércio brasileiro. Uma desvalorização do peso mexicano além de 10 pesos por dólar "exacerbaria a sobrevalorização do real".
O quarto seria o temor de um descontrole fiscal no Brasil que acompanhasse uma queda na popularidade do presidente. Principalmente se o candidato de oposição "não der seu endosso integral ao regime cambial".
A BCA sugere que o potencial brasileiro é enorme, pelo fim da inflação, o tamanho do mercado interno e o preço barato das ações. Só que o Brasil "é viciado" em capital externo, dado seu baixo nível de poupança interna, e a crise asiática complicou a situação para o país.
O potencial positivo do país é uma das semelhanças apontadas entre o Brasil de hoje e o México de 94. Existem outras.
Nos dois casos há uma forte sobrevalorização cambial, embora o déficit externo mexicano fosse o dobro (8% do PIB) do que é o déficit brasileiro hoje. O Brasil tem emitido muito papel indexado ao dólar, como o México fez, e há um acúmulo de vencimentos da dívida interna a curto prazo. No México, a bolsa atingiu o pico algum tempo antes da crise; no Brasil, o pico foi no ano passado.
Nos dois casos, o ciclo econômico é de baixa, com desemprego em alta. Nos dois casos, há uma eleição presidencial que, no México, levou a gastos eleitoreiros, risco que a BCA também vê no Brasil.
As diferenças, contudo, são significativas em favor do Brasil: metade do déficit externo, reservas muito mais altas, menor proporção de títulos indexados ao dólar, prazo médio da dívida interna maior e uma política cambial recente com desvalorização acima da inflação. "Mesmo assim, o preço de manter um câmbio vinculado aumenta a cada novo sinal de deflação em mercados emergentes", observa o trabalho.
As próprias ressalvas da análise mostram que há um exagero na comparação entre o Brasil de hoje e o México de 94. A análise serve, de todo modo, como ilustração do tipo de percepção que parte do mercado tem, hoje, do Brasil.




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