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GOVERNO
Ministro diz que presidente vai abandonar "ditadura dos três quintos"
Reforma ministerial será
"guinada", afirma Pimenta
MARTA SALOMON
da Sucursal de Brasília
O presidente Fernando Henrique Cardoso prepara uma guinada
no governo. Vai se livrar da ""ditadura dos três quintos", que atrela o
Planalto -e a escolha do ministério- ao apoio de três quintos dos
votos do Congresso, afirmou, anteontem, o ministro das Comunicações e articulador político do governo, Pimenta da Veiga (PSDB).
A conquista dos votos necessários à aprovação de emendas constitucionais (318 dos 513 deputados
e 49 dos 81 senadores, os três quintos citados) tem limitado a ação do
governo, afirma. ""Isso dá ao presidente a liberdade que ele precisa
para ter o melhor governo", disse
sobre a mudança, sem se referir diretamente à reforma ministerial
esperada para ainda este mês.
Após os seis primeiros e conturbados meses do segundo mandato,
em que FHC teve de agir ""com extremo cuidado" por conta das
ameaças ao Plano Real e dos sinais
de crise política, Pimenta da Veiga
diz que as circunstâncias mudaram. Leia, a seguir, a entrevista.
Folha - Está aberto o caminho para uma reforma ministerial?
Pimenta da Veiga - Quem decidirá se fará e como fará é o presidente. O resto é mera especulação.
Folha - O fato de o PSDB ir ao
presidente dizer que ele pode cortar na própria carne (do partido)
não é um lance da mudança previamente negociada?
Pimenta - É sinal de que o PSDB e
o próprio PFL compreendem que
o presidente tem de ter liberdade
para governar.
Folha - Espera-se que o PMDB faça o mesmo?
Pimenta - Eu não vou ditar regras
a partidos. O que eu digo é que,
num país presidencialista como o
nosso, sobretudo com um presidente eleito e reeleito por maioria
absoluta, o poder político é do presidente, de forma concentrada.
Folha - Qual é a sua opinião sobre a atual equipe ministerial e,
principalmente, sobre a eficiência
da articulação política, tarefa que
cabe ao sr. e que tem sido objeto
de críticas entre os aliados do governo? O ajuste é necessário?
Pimenta - A figura do articulador
político é sempre agredida. Antes
de mostrar as minhas excelências e
as minhas inconveniências, eu já
fui agredido por diversos protagonistas políticos. Nem me deram
tempo. Esse primeiro semestre foi
de sobressaltos nos campos econômico, político e social, sobretudo
nos dois primeiros. A ação política
do governo reagiu a essas ocorrências. Eu manifesto o meu convencimento pessoal de que o governo
terá, a partir deste segundo semestre, um outro patamar, muito mais
tranquilo e organizado.
Folha - A crise entre os aliados
políticos do governo pode ser atribuída a uma corrida precoce à sucessão presidencial? O que o presidente pode fazer para não perder
o controle sobre esse processo a
mais de três anos da eleição?
Pimenta - O pior que pode acontecer agora é discutir sucessão.
Coisa, aliás, historicamente desconhecida: um governo com seis meses de mandato ter posta a sua sucessão. Isso é inteiramente descabido, inoportuno, desgastante, desagregador e prejudica, pela ordem, o governo, a ação política e os
pretensos candidatos. Estou certo
de que isso não será mais referido a
partir de agosto.
Folha - Está combinado com os
aliados políticos?
Pimenta - Não é questão de boa
vontade. É questão de eficiência
política. A partir de 2001, os movimentos partidários começarão a
ser definidos. Mas agora é precipitação jamais vista.
"Trata-se de
uma postura de
governo. É preciso
lealdade, respeito
à autoridade
do presidente"
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Folha - Qual é o prognóstico que
o sr. faz hoje sobre o futuro da
aliança governista?
Pimenta - Eu considero que a
aliança tem possibilidades de continuar, como também pode ser fraturada. Depende dos fatos. O
partido que tiver o candidato
mais forte pode conseguir
apoio dos outros partidos
da aliança. Sabemos que, se
formos juntos
para a eleição
presidencial
com um bom
nome, teremos
inteira condição de continuar a
ação governamental de Fernando
Henrique Cardoso. Se nos dividirmos, a tarefa fica muito difícil.
Folha - O presidente tem condições de governar desde já sem o
apoio formal do PMDB?
Pimenta - Não faço uma avaliação partidária do apoio ao presidente, mas uma análise geral. É
preciso que o presidente tenha sólida maioria absoluta (metade
mais um dos votos do Congresso).
Não é indispensável ter nada mais
do que isso. Isso dá ao presidente a
liberdade que ele precisa para ter o
melhor governo. Ter consideração
com os partidos que o apóiam,
mas ter também independência
para agir com energia, clareza.
Folha - Sem ter de engolir sapos?
Pimenta - É. Até porque a autoridade do presidente é incontrastável. Eu tenho uma convicção pessoal de que, nesse primeiro semestre conturbado, aconteceram coisas que jamais se repetirão no governo Fernando Henrique Cardoso, sobretudo tentativas de desgastar a autoridade do presidente.
Não se trata de excluir ou incluir
nenhuma força política no esquema de apoio ao presidente, repito.
Trata-se de uma postura de governo. É preciso lealdade, respeito à
autoridade do presidente.
Folha - Hoje há alguém fora desse enquadramento?
Pimenta - No primeiro semestre
teve, evidentemente. Eu não vou
mencionar,
mas teve. O importante é que
teremos um
outro formato.
O governante
tem de agir de
acordo com as
circunstâncias.
E elas indicam
a conveniência
de um outro
comportamento.
Folha - O que
mudou exatamente?
Pimenta - Tivemos um primeiro
semestre mais conturbado do que
qualquer outro governo no Brasil.
Eu atribuo a uma série de fatores
que se conjugaram. A questão
cambial, as posições de alguns atores políticos, o risco de retomada
da inflação, a alta dos juros, as reformas que estavam sendo aprovadas. Essas circunstâncias indicavam a necessidade de o presidente
operar com extremo cuidado.
As circunstâncias agora são completamente diferentes. Há uma retomada da atividade econômica.
Não há nenhuma possibilidade de
o governo ficar na dependência de
uma votação de três quintos, nenhuma possibilidade, eu repito.
O governo não ficará dependente
de emendas constitucionais. Portanto, o presidente exercerá plenamente a sua autoridade, podendo
operar com muito mais liberdade a
ação administrativa.
Folha - O sr. evitou comentários
sobre os governistas ""infiéis", mas
gostaria de uma avaliação sobre
Antonio Carlos Magalhães.
Pimenta - (Risos) Não há dúvida
de que o presidente do Senado tem
uma presença política muito forte.
Eu interpreto suas ações como
bem intencionadas.
Folha - Mesmo quando cria constrangimentos para o presidente?
Pimenta - Quando criou, eu mesmo respondi.
Folha - Ministros da cota dele ou
de qualquer outra estão imunes a
uma eventual reforma ministerial?
Pimenta - Aí é o vezo (costume)
que alguns têm de querer dar tratamento diferenciado a pedidos do
senador Antonio Carlos. Ele tem o
direito de expressar sua opinião
sobre ministros de seu partido.
Folha - O presidente disse mais
de uma vez que era fácil governar
o Brasil. É fácil ser articulador político desse governo?
Pimenta - (Risos) Eu digo que é
difícil. É difícil porque é um governo que afeta interesses a cada dia.
Transformações exigem negociação constante. Eu diria que uma
coisa pode tornar esse trabalho
menos penoso: o estabelecimento
de regras. Havendo regras políticas claras sobre limites da reivindicação partidária, por exemplo, certamente haverá uma reação inicial
e depois todos se adequarão.
Não é a base de apoio que determina que governo teremos. É preciso dizer qual é o governo e saber
quem está disposto a apoiá-lo, voluntária e espontaneamente.
Folha - Essa mudança que o sr.
vislumbra a partir de julho inclui
ajustes na política econômica?
Pimenta - A estabilidade econômica é uma cláusula pétrea para o
governo, como a defesa dos direitos humanos. Vencida essa discussão, que é estéril, é preciso avançar
no desenvolvimento. Para mim,
bastaria cumprir o PPA (Plano
Plurianual de Investimentos). Na
minha opinião, o que falta é o presidente colocar o projeto debaixo
do braço e correr o país. Esse circuito pelo país seria um símbolo.
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