São Paulo, Sexta-feira, 02 de Julho de 1999
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GOVERNO
Ministro diz que presidente vai abandonar "ditadura dos três quintos"
Reforma ministerial será "guinada", afirma Pimenta

MARTA SALOMON
da Sucursal de Brasília

O presidente Fernando Henrique Cardoso prepara uma guinada no governo. Vai se livrar da ""ditadura dos três quintos", que atrela o Planalto -e a escolha do ministério- ao apoio de três quintos dos votos do Congresso, afirmou, anteontem, o ministro das Comunicações e articulador político do governo, Pimenta da Veiga (PSDB).
A conquista dos votos necessários à aprovação de emendas constitucionais (318 dos 513 deputados e 49 dos 81 senadores, os três quintos citados) tem limitado a ação do governo, afirma. ""Isso dá ao presidente a liberdade que ele precisa para ter o melhor governo", disse sobre a mudança, sem se referir diretamente à reforma ministerial esperada para ainda este mês.
Após os seis primeiros e conturbados meses do segundo mandato, em que FHC teve de agir ""com extremo cuidado" por conta das ameaças ao Plano Real e dos sinais de crise política, Pimenta da Veiga diz que as circunstâncias mudaram. Leia, a seguir, a entrevista.

Folha - Está aberto o caminho para uma reforma ministerial?
Pimenta da Veiga -
Quem decidirá se fará e como fará é o presidente. O resto é mera especulação.

Folha - O fato de o PSDB ir ao presidente dizer que ele pode cortar na própria carne (do partido) não é um lance da mudança previamente negociada?
Pimenta -
É sinal de que o PSDB e o próprio PFL compreendem que o presidente tem de ter liberdade para governar.

Folha - Espera-se que o PMDB faça o mesmo?
Pimenta -
Eu não vou ditar regras a partidos. O que eu digo é que, num país presidencialista como o nosso, sobretudo com um presidente eleito e reeleito por maioria absoluta, o poder político é do presidente, de forma concentrada.

Folha - Qual é a sua opinião sobre a atual equipe ministerial e, principalmente, sobre a eficiência da articulação política, tarefa que cabe ao sr. e que tem sido objeto de críticas entre os aliados do governo? O ajuste é necessário?
Pimenta -
A figura do articulador político é sempre agredida. Antes de mostrar as minhas excelências e as minhas inconveniências, eu já fui agredido por diversos protagonistas políticos. Nem me deram tempo. Esse primeiro semestre foi de sobressaltos nos campos econômico, político e social, sobretudo nos dois primeiros. A ação política do governo reagiu a essas ocorrências. Eu manifesto o meu convencimento pessoal de que o governo terá, a partir deste segundo semestre, um outro patamar, muito mais tranquilo e organizado.

Folha - A crise entre os aliados políticos do governo pode ser atribuída a uma corrida precoce à sucessão presidencial? O que o presidente pode fazer para não perder o controle sobre esse processo a mais de três anos da eleição?
Pimenta -
O pior que pode acontecer agora é discutir sucessão. Coisa, aliás, historicamente desconhecida: um governo com seis meses de mandato ter posta a sua sucessão. Isso é inteiramente descabido, inoportuno, desgastante, desagregador e prejudica, pela ordem, o governo, a ação política e os pretensos candidatos. Estou certo de que isso não será mais referido a partir de agosto.

Folha - Está combinado com os aliados políticos?
Pimenta -
Não é questão de boa vontade. É questão de eficiência política. A partir de 2001, os movimentos partidários começarão a ser definidos. Mas agora é precipitação jamais vista.

"Trata-se de uma postura de governo. É preciso lealdade, respeito à autoridade do presidente"


Folha - Qual é o prognóstico que o sr. faz hoje sobre o futuro da aliança governista?
Pimenta -
Eu considero que a aliança tem possibilidades de continuar, como também pode ser fraturada. Depende dos fatos. O partido que tiver o candidato mais forte pode conseguir apoio dos outros partidos da aliança. Sabemos que, se formos juntos para a eleição presidencial com um bom nome, teremos inteira condição de continuar a ação governamental de Fernando Henrique Cardoso. Se nos dividirmos, a tarefa fica muito difícil.

Folha - O presidente tem condições de governar desde já sem o apoio formal do PMDB?
Pimenta -
Não faço uma avaliação partidária do apoio ao presidente, mas uma análise geral. É preciso que o presidente tenha sólida maioria absoluta (metade mais um dos votos do Congresso). Não é indispensável ter nada mais do que isso. Isso dá ao presidente a liberdade que ele precisa para ter o melhor governo. Ter consideração com os partidos que o apóiam, mas ter também independência para agir com energia, clareza.

Folha - Sem ter de engolir sapos?
Pimenta -
É. Até porque a autoridade do presidente é incontrastável. Eu tenho uma convicção pessoal de que, nesse primeiro semestre conturbado, aconteceram coisas que jamais se repetirão no governo Fernando Henrique Cardoso, sobretudo tentativas de desgastar a autoridade do presidente.
Não se trata de excluir ou incluir nenhuma força política no esquema de apoio ao presidente, repito. Trata-se de uma postura de governo. É preciso lealdade, respeito à autoridade do presidente.

Folha - Hoje há alguém fora desse enquadramento?
Pimenta -
No primeiro semestre teve, evidentemente. Eu não vou mencionar, mas teve. O importante é que teremos um outro formato. O governante tem de agir de acordo com as circunstâncias. E elas indicam a conveniência de um outro comportamento.

Folha - O que mudou exatamente?
Pimenta -
Tivemos um primeiro semestre mais conturbado do que qualquer outro governo no Brasil. Eu atribuo a uma série de fatores que se conjugaram. A questão cambial, as posições de alguns atores políticos, o risco de retomada da inflação, a alta dos juros, as reformas que estavam sendo aprovadas. Essas circunstâncias indicavam a necessidade de o presidente operar com extremo cuidado.
As circunstâncias agora são completamente diferentes. Há uma retomada da atividade econômica. Não há nenhuma possibilidade de o governo ficar na dependência de uma votação de três quintos, nenhuma possibilidade, eu repito.
O governo não ficará dependente de emendas constitucionais. Portanto, o presidente exercerá plenamente a sua autoridade, podendo operar com muito mais liberdade a ação administrativa.

Folha - O sr. evitou comentários sobre os governistas ""infiéis", mas gostaria de uma avaliação sobre Antonio Carlos Magalhães.
Pimenta -
(Risos) Não há dúvida de que o presidente do Senado tem uma presença política muito forte. Eu interpreto suas ações como bem intencionadas.

Folha - Mesmo quando cria constrangimentos para o presidente?
Pimenta -
Quando criou, eu mesmo respondi.

Folha - Ministros da cota dele ou de qualquer outra estão imunes a uma eventual reforma ministerial?
Pimenta -
Aí é o vezo (costume) que alguns têm de querer dar tratamento diferenciado a pedidos do senador Antonio Carlos. Ele tem o direito de expressar sua opinião sobre ministros de seu partido.

Folha - O presidente disse mais de uma vez que era fácil governar o Brasil. É fácil ser articulador político desse governo?
Pimenta -
(Risos) Eu digo que é difícil. É difícil porque é um governo que afeta interesses a cada dia. Transformações exigem negociação constante. Eu diria que uma coisa pode tornar esse trabalho menos penoso: o estabelecimento de regras. Havendo regras políticas claras sobre limites da reivindicação partidária, por exemplo, certamente haverá uma reação inicial e depois todos se adequarão.
Não é a base de apoio que determina que governo teremos. É preciso dizer qual é o governo e saber quem está disposto a apoiá-lo, voluntária e espontaneamente.

Folha - Essa mudança que o sr. vislumbra a partir de julho inclui ajustes na política econômica?
Pimenta -
A estabilidade econômica é uma cláusula pétrea para o governo, como a defesa dos direitos humanos. Vencida essa discussão, que é estéril, é preciso avançar no desenvolvimento. Para mim, bastaria cumprir o PPA (Plano Plurianual de Investimentos). Na minha opinião, o que falta é o presidente colocar o projeto debaixo do braço e correr o país. Esse circuito pelo país seria um símbolo.


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