São Paulo, terça-feira, 02 de agosto de 2005

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"Recursos foram para campanha'

Leia abaixo a íntegra do discurso do presidente do PL, deputado Valdemar Costa Neto (SP), que renunciou ao mandato ontem na Câmara.

 

"Senhor presidente, senhoras e senhores deputados.
A natureza da crise política, que hoje enfrentamos, não tem precedentes na história brasileira.
Ela já produziu o aparecimento de uma inversão de valores, capaz de atribuir verdade aos mentirosos; civismo aos mercenários; sinceridade aos cínicos; e, até mesmo, virtude aos políticos mais ardilosos.
Portanto, senhoras e senhores deputados, diante da ascensão de um critério moral, que descarta a necessidade de provas ou coerência, é preciso assumir a responsabilidade de estabelecer a diferença entre a inconseqüência da bravata e o comportamento digno de um homem público.
Durante a campanha eleitoral de 2002 tive a promessa do Partido dos Trabalhadores de que receberia recursos financeiros para fazer frente às despesas da coligação PT-PL.
Sob o signo da nefasta verticalização, formávamos uma aliança partidária que disputava eleições proporcionais e majoritárias, tendo como principal bandeira a conquista da Presidência da República.
Nove meses após o início dos mandatos vitoriosos, o Partido dos Trabalhadores passou a honrar os compromissos que assumiu durante a campanha de 2002.
Assim procedeu, pagando parte dos compromissos daquela eleição.
Contudo, senhoras e senhores deputados, tínhamos e temos a clara certeza de que enquanto não fosse recebido o instrumento de legalização daquele dinheiro doado, os recursos não poderiam dar entrada no caixa do Partido Liberal.
A cada parcela transferida ao PL, cobrávamos a apresentação do documento de doação, para a realização da contabilidade oficial do dinheiro.
Aguardamos por todo esse tempo pela documentação que oficializasse as doações do PT, mas as circunstâncias, como sabemos, reivindicam o fim de qualquer espera.
Esse dinheiro que nos foi doado, senhoras e senhores deputados, foi destinado para atender aos compromissos financeiros das eleições de 2002. Contudo, jamais poderia ser declarado oficialmente, enquanto não tivéssemos os documentos que permitissem sua contabilização.
Senhor presidente, senhoras e senhores deputados, admito que recebi esses recursos. Entretanto, por direito, senhoras e senhores, esses valores se destinavam, especificamente, aos compromissos da campanha da aliança PT-PL.
Neste momento, senhor presidente, assumo a única e absoluta responsabilidade por esse ato. Isto quer dizer que nenhum membro do Partido Liberal pode ser responsabilizado pelo que foi decidido ou praticado por mim.
Que fique claro: os atos de qualquer subordinado no recebimento do dinheiro do Partido dos Trabalhadores são de minha única e exclusiva responsabilidade, uma vez que os mesmos se encontravam no estrito cumprimento de ordens.
Não tínhamos razões para suspeitar da origem dos recursos que recebíamos.
Em nenhum momento, poderíamos colocar sob suspeita as ações de um partido aliado, que junto conosco venceu as eleições.
Reconheço que fui induzido ao erro. Fui induzido ao erro quando aceitei receber recursos destinados à campanha, sem a devida documentação que oficializasse a doação. Errei mais uma vez, quando aceitei a pressão dos credores e concordei em fazer os pagamentos informalmente.
Senhor presidente, senhoras e senhores deputados, ainda que convencido da correção dos meus princípios, venho a público reconhecer meus erros e tomar as providências para corrigi-los com seriedade e justiça.
Venho a público para reconhecer, senhoras e senhores, mas também para ter a oportunidade de demonstrar que jamais comunguei com qualquer ato ilícito. Estou determinando, aos nossos advogados e contadores, o levantamento dos eventuais débitos fiscais junto à Receita Federal.
Corrigirei, portanto, mais uma vez, o erro a que fui induzido, com humildade e desprendimento. Um representante do povo, eleito pelo voto direto, deve explicações sobre seus atos à sociedade e, diante das circunstâncias, não pode buscar a proteção da imunidade que só existe, justificadamente, para preservar a democracia.
Devo, no mínimo, uma satisfação aos 158.510 cidadãos do Estado de São Paulo que, tenham certeza, não terão motivos de deixar de acreditar na dignidade e na honra de meu nome. Para provar, sem qualquer subterfúgio, perante a CPI e a Justiça, a boa fé de meus atos e a inocência de parlamentares que compõem a bancada do Partido Liberal, comunico à Mesa da Câmara a renúncia do meu mandato de deputado federal.
Portanto, senhor presidente, conforme determina o artigo 239 do Regimento Interno desta Casa, solicito a leitura da presente comunicação no expediente, e a devida publicação no Diário da Câmara dos Deputados.
Renuncio ao meu mandato, senhor Presidente, mas não renunciarei aos objetivos e a inspiração que me trouxeram a essa Casa por quatro vezes.
Como presidente do Partido Liberal, continuarei na vida pública. Usarei todos os poderes que meu cargo permite para fiscalizar e trabalhar pelo bom andamento das investigações que hoje afetam a toda a classe política.
Coloco-me à disposição da CPI, do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, para dar os esclarecimentos que a opinião pública está exigindo de todos os partidos políticos.
Posso garantir que os recursos que o PL recebeu do Partido dos Trabalhadores não serviram para pagar mesada a deputados.
Entretanto, para qualquer partido, e inclusive o PL, pedirei a punição de quem se valeu de recursos públicos para desonrar o decoro parlamentar e a confiança do povo.
Os culpados, estejam onde estiverem, não terão a tolerância do Partido Liberal. Não podemos permitir que um delinqüente, que foi o primeiro a ser acusado nessa Casa, possa sair livre das penas da lei e do julgamento político.
Como presidente do Partido Liberal, usando as prerrogativas que o cargo me confere, denuncio, mais uma vez, o deputado Roberto Jefferson, pela quebra de decoro, na prática de corrupção. Criou-se uma CPI para apurar o envolvimento de Roberto Jefferson com a cobrança de propinas nos Correios e no Instituto de Resseguros do Brasil.
As investigações conquistaram progressos relevantes para o país, mas a apuração dos fatos produziu o afastamento de seu objetivo original, que é investigar as denúncias de corrupção praticadas pelo deputado Roberto Jefferson.
Exijo que Roberto Jefferson sente na banca dos acusados para responder por seus crimes. Crimes que foram denunciados a milhões de brasileiros pela força das imagens, o impacto da televisão e o flagrante de um suborno.
Estou complementando meu requerimento ao Conselho de Ética, com novas denúncias contra o deputado Roberto Jefferson, para que a honra do Poder Legislativo seja preservada. Esse é meu dever como presidente de um partido, esse é meu compromisso com a sociedade.
A falta de um mandato não tirará de mim as responsabilidades de homem público. Não esperem minha tolerância com a corrupção e com o desrespeito ao dinheiro do povo. Faço minha despedida desse plenário com a humildade dos que erraram.
Aos meus eleitores, peço a compreensão do meu gesto. À classe política, a coragem de mudar o Brasil. Não precisamos apenas mudar os políticos; a Nação exige que mudemos a política. Ofereço, ao julgamento do povo, meu gesto e a dignidade de minha decisão.
Era o que eu tinha a dizer. Muito obrigado."


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