São Paulo, domingo, 2 de agosto de 1998

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DOMINGUEIRA
Um salto no "processo"

MARCOS AUGUSTO GON€ALVES
Editor de Domingo

Com a privatização das telecomunicações, o governo Fernando Henrique Cardoso deu um largo passo para a definitiva superação da "era Vargas", objetivo que o presidente popôs-se -e ao país- no início de seu mandato. Se os serviços irão melhorar ou se as tarifas internas irão subir, não importa -embora seja provável que as duas coisas aconteçam.
O ponto da privatização é que ela, a um só tempo, arma uma proteção econômica para a reeleição e materializa inapelavelmente um novo posicionamento do país diante das suas opções históricas de desenvolvimento.
Aqui, todo o trabalho teórico do sociólogo presidente revela-se, não naquilo que possa ter tido de esclarecedor e explicativo, mas em sua dimensão instrumental.
Se em algum momento a renovação do pensamento de esquerda pôde servir-se, ambiguamente, das tentativas de Fernando Henrique de repensar, face às teorias do imperialismo, a articulação do capitalismo brasileiro com o sistema internacional, fica hoje claro, em perspectiva histórica, que o professor dedicou-se a produzir material teórico para o lançamento de uma nova ideologia do desenvolvimento capitalista no país.
Capitalismo, que, como ele escreveu friamente em um de seus ensaios, deverá ser consolidado ainda que pagando-se o preço do sacrifício de gerações. Eis a tarefa que o destino, tocado pela ambição política do personagem, concedeu-lhe na condição de presidente da República.
O que a privatização da Telebrás nos diz simbolicamente é que se despedem de cena os projetos, à direita e à esquerda, que guardavam em comum a idéia de assegurar um perfil "nacional" ao desenvolvimento, ancorando-se no Estado empreendedor. Uma derrocada produzida não apenas pelo esforço político do governo FHC, mas pelo fato de que ele tenha podido operar num contexto internacional refratário aos modelos nacionais centralizadores -em que pese a esfinge chinesa.
É essa sensação de irreversibilidade, comemorada por uns e amaldiçoada por outros, que a venda da Embratel e das telefônicas deixa no ar. Em bom jargão, a privatização foi um salto qualitativo no "processo" de FHC.
Evidentemente, o projeto em curso não está consolidado -e a história tem sido pródiga em desmanchar da noite para o dia sistemas e situações "irreversíveis".
Não parece razoável, porém, supor que o país venha a recolocar-se proximamente na perspectiva dos modelos em declínio.
Restam, diante do quadro, muitíssimas dúvidas e questões -e não será a menor delas saber com que grau de incorporação social a modernização em curso poderá trabalhar. Qual será a dimensão, afinal, do "sacrifício" previsto anos atrás pelo sociólogo ora no poder?



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