São Paulo, Quinta-feira, 02 de Setembro de 1999
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DESCOBRIMENTO
Para Diogo Curto, de Portugal, atribuir problemas brasileiros à colonização é "bode expiatório"
Historiador isenta o legado português

Patrícia Santos/Folha Imagem
O historiador português Diogo Ramada Curto, professor da Universidade Nova de Lisboa


FERNANDA DA ESCÓSSIA
da Sucursal do Rio


Culpar a herança da colonização portuguesa pelos problemas brasileiros é buscar "um bode expiatório", avalia Diogo Ramada Curto, 40, professor da Universidade Nova de Lisboa e especialista em história portuguesa a partir do século 16.
Membro da Comissão Portuguesa para a Celebração dos Descobrimentos e professor visitante da Brown University (Rhode Island, EUA), o historiador português é um dos convidados do seminário "Que País É Este?", que começou ontem no Centro Cultural Banco do Brasil, no centro do Rio, e discute a constituição da identidade nacional brasileira.
Do debate sobre a herança ibérica, ontem, participou o cientista social Luiz Werneck Vianna, 60, da Universidade Federal Rural do Rio (leia texto ao lado). A seguir, trechos da entrevista de Curto.

Folha - O que é o legado português no Brasil?
Diogo Ramada Curto -
O legado português tem sido visto de duas maneiras: pelo lado das manifestações mais específicas, como a língua, e pelo lado do desenvolvimento de elementos ligados à discriminação, à exploração e à violência. Como cidadão, estou mais próximo dos elementos da denúncia de um passado colonial fundado na violência, mas como historiador penso que é importante conciliar os dois aspectos.
Haverá sempre este dualismo quando se fala de um legado português, que é no fundo o dualismo da capacidade dos portugueses nas colônias se adaptarem e integrarem as populações, por um lado, e da capacidade de discriminação e exploração que os portugueses no fundo espalharam pelo mundo.

Folha - O senhor concorda com a análise que atribui a tais práticas de dominação parte da responsabilidade pelos problemas brasileiros?
Curto -
Isso seria muito pretensioso. Seria pensar que os portugueses teriam tido a capacidade de determinar a sociedade brasileira, coisa que não aconteceu.
Existem problemas contemporâneos que o Brasil, tal como Portugal, tal como outras sociedades, atravessa. Esses problemas geram crises de identidade e, por vezes, tende-se a buscar na história respostas para essas mesmas crises de identidade.
A herança de um passado português pode ser um bom bode expiatório. É normal no comportamento das sociedades que se libertam atribuir à metrópole essas marcas de arcaísmo.
Eu acho que é importante, e é isso que compete ao historiador, entender as mudanças que as sociedades atravessaram, tanto Portugal quanto o Brasil. Por isso seria pretensioso julgar que Portugal tenha responsabilidade.

Folha - Pretensioso não só com Portugal, mas também com o Brasil, o senhor diz?
Curto -
Exato. Há um exemplo muito curioso, dado pelo historiador José Honório Rodrigues, sobre a colônia portuguesa no Rio, sobre as mudanças que acontecem. Essa colônia teria sido caracterizada por um espírito intolerante, conservador. Mas a segunda geração, de portugueses nascidos no Rio, já tinha assimilado um espírito carioca. Essas marcas que poderiam ser atribuídas a uma herança portuguesa já teriam deixado de existir.
O exemplo pode ser generalizado para um passado mais longo. Há uma capacidade inventiva da sociedade brasileira para além dos seus quadros institucionais. É essa inventividade que me deslumbra em relação ao Brasil.






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