São Paulo, quarta-feira, 02 de outubro de 2002

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RETA FINAL

Antônio Palocci diz que governo terá de manter superávit acertado com FMI no primeiro ano; CUT promete trégua

PT diz a empresários que fará 'ajuste brabo'

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

O ajuste fiscal que o PT terá que implementar, se ganhar a eleição, é descrito pelo partido como "brabo", o que representa o reconhecimento de que a margem de manobra para políticas que envolvam gasto público é pequena.
O conceito de ajuste "brabo" ("muito forte", "intenso", "violento", segundo o "Aurélio") foi anunciado no sábado pelas principais lideranças do partido, à frente o próprio candidato Luiz Inácio Lula da Silva, no encontro que mantiveram com empresários, executivos e sindicalistas.
Ontem, Antônio Palocci, prefeito de Ribeirão Preto e coordenador do programa de governo, afirmou que "o primeiro ano [do governo] será restrito demais", em razão da necessidade de manter o superávit fiscal acertado com o Fundo Monetário Internacional. É sintomático que, na mesma reunião, o presidente da Central Única de Trabalhadores, João Felício, tenha dito que a central não pretende pressionar por empregos no início de um governo Lula.
O que a CUT quer é, primeiro, a "humanização das relações de trabalho" e, segundo, a criação de um "espaço" para negociação entre a sociedade e o poder público (Felício citou CUT, Força Sindical e MST). O pressuposto é o de que o "espaço" de negociação acalmaria as bases sindicais, pelo menos num primeiro momento.
As lideranças petistas anunciaram também que pretendem conceder "autonomia", mas não independência, ao Banco Central.
A independência do BC é uma das mais recorrentes reivindicações apresentadas pelos agentes de mercado, no pressuposto de que políticos são menos confiáveis que os burocratas que comandariam o banco e evitariam gastos públicos exagerados. Ao falar em "autonomia", e não em independência, o PT está enviando um sinal aos mercados para tranquilizá-los, o que, de resto, foi a tônica do encontro de sábado.
A agenda do que José Dirceu, presidente do partido, chamou de "assuntos importantes", inclui:
1 - Reforma tributária, centrada na desoneração da produção e, em especial, da exportação.
2 - Reforma da Previdência.
3 - Relações com os EUA. Os petistas disseram que o atual embaixador em Washington, Rubens Barbosa, está dando indicações para as falas de Lula a respeito.
O PT aproveitou a reunião para anunciar que vai, sim, negociar a Alca (Área de Livre Comércio das Américas), prevista para englobar os 34 países americanos, excluída apenas Cuba. Como Lula disse que a Alca, nos termos que está proposta, é um processo de "anexação" do Brasil pelos EUA, não uma zona de livre comércio, pairava no ar a hipótese de que o PT abandonasse a negociação. É claro que o partido diz que fará a negociação em "condições favoráveis ao Brasil". Ninguém anunciaria de público algo diferente.
4 - Regulamentação do artigo 192 da Constituição. É o artigo que impõe a limitação de 12% (anuais) para os juros e que abre a brecha para a independência (ou "autonomia") do Banco Central. Como se tratava de uma reunião para expor posições, não de uma sabatina, não houve pedidos de esclarecimento nem sobre o que é exatamente "autonomia" do BC ou que é um "ajuste fiscal brabo" (Palocci diz que não haverá aumento na meta combinada com o FMI, que é de 3,75% do PIB).

"Seleção brasileira"
Durante o encontro houve uma cobrança mais ou menos velada de nomes que comporiam o Ministério Lula, em especial na área econômica. Nome algum foi, no entanto, mencionado, até onde a Folha pôde saber.
O que, sim, foi anunciado, é que o governo do PT "não será exclusivamente do PT nem só da CUT nem apenas dos partidos ligados ao PT. Será uma seleção brasileira", na expressão de Aloizio Mercadante (SP), candidato ao Senado e um dos dois principais porta-vozes econômicos do partido.
A perspectiva de um ajuste fiscal "brabo" combina com o fato de que, nas conversas que líderes do PT vêm mantendo tanto com o presidente do BC, Armínio Fraga, como com o próprio Fernando Henrique Cardoso, a avaliação é a de que a situação é "muito difícil". A margem de manobra do próximo governo será reduzida, ao menos no início, para o que contribui o pessimismo que as autoridades brasileiras vêem no mundo todo.
O diálogo entre o PT e FHC está sendo o melhor possível. José Dirceu não apenas fala pelo telefone com o chefe do governo como se reúne com ele, sem holofotes, juntamente com Antônio Palocci, o coordenador do programa de governo de Lula, que vai assumindo funções cada vez mais relevantes.
Dirceu chegou a dizer aos presentes no encontro de sábado que a transição do governo FHC para um governo Lula "será a mais organizada possível". Por isso quase não houve críticas dos petistas à gestão do câmbio pelo BC. Quem atacou o BC, paradoxalmente, foi um empresário (Lawrence Pih).



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