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IGUALDADE RACIAL
Projeto valoriza influência da cultura africana no português coloquial
Governo distribui kit para combater racismo em escola
LEILA SUWWAN
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A valorização da influência africana no português popular deverá ser uma das vertentes da inclusão da cultura negra no currículo
escolar, como determina lei aprovada em 2003. Será ensinado, então, que não provêm de ignorância expressões na fala popular como "muié" (mulher), "simbora"
(ir-se embora) e "zoiá" (olhar).
Além disso, atenção redobrada
para o preconceito em livros didáticos. Nem o "Aurélio" escapa.
No verbete "cabelo", estão variantes que depreciam o negro: "cabelo cocô-de-rola", "cabelo ruim",
"cabelo de cupim" e "carapinha".
"Os livros escolares continuam
mostrando a mulher negra como
a empregada gorda com um pano
na cabeça", disse a ministra Matilde Ribeiro (Igualdade Racial). Segundo ela, os professores ficam
paralisados diante do racismo,
em vez de intervir. "É um mito dizer que o professor não sabe lidar
com a situação. Os alunos são
crianças em fase de aprendizado.
O preconceito nem sempre é racional ou proposital. Quando um
xinga o outro de preto macumbeiro, o professor precisa agir."
Para reverter esse quadro, o governo lançou na semana passada
um programa piloto no qual 40 cidades receberam um kit pedagógico para orientar a inclusão da
cultura negra no currículo, atribuição formal do Ministério da
Educação e que deverá ter diretrizes oficiais anunciadas em 2005.
Por ora, a pasta de Matilde tem
estimulado a formulação dessa
política com a distribuição do kit.
Entre os dez livros do pacote, um
trata dos fatores lingüísticos. Uma
das autoras, Yeda Pessoa de Castro, chama de "preconceito academicista" a rejeição da influência de línguas africanas, que resultaria numa linguagem de resistência ao português imposto.
Outro livro explica que a atitude
não-desafiadora dos negros na relação com professores é na realidade um traço de respeito com os
mais velhos. "Tal postura tem sido interpretada como submissão,
herdada do período da escravidão", diz Petronilha Gonçalves e
Silva. Em um terceiro, "mulato" é
condenado como termo desumanizante e pejorativo. Expressões
como "de cor" ou "moreno" são
eufemismos preconceituosos.
"Nunca mais tive coragem de
abrir a boca na sala", conta Tânia
Mara Silva dos Santos, 30. Quando tinha 8 anos, fez uma pergunta
na classe e ouviu de outro aluno:
"Essa neguinha é burra".
Hoje, Tânia é doméstica e lamenta não ter continuado a estudar -abandonou a escola aos 16.
A timidez foi reforçada pelo
descaso dos professores. Os comentários racistas eram levemente condenados. Alguns alunos
cantavam músicas ofensivas e o
repreendimento dos professores
vinha em tom de bom humor.
A ofensa era dispensada como
brincadeira de criança. "Eu nunca
mais quis botar o pé na escola.
Quando virei adolescente, não
voltei", diz Tânia, que estudou em
escola pública de São Paulo.
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