São Paulo, sábado, 02 de outubro de 2004

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IGUALDADE RACIAL

Projeto valoriza influência da cultura africana no português coloquial

Governo distribui kit para combater racismo em escola

LEILA SUWWAN
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A valorização da influência africana no português popular deverá ser uma das vertentes da inclusão da cultura negra no currículo escolar, como determina lei aprovada em 2003. Será ensinado, então, que não provêm de ignorância expressões na fala popular como "muié" (mulher), "simbora" (ir-se embora) e "zoiá" (olhar).
Além disso, atenção redobrada para o preconceito em livros didáticos. Nem o "Aurélio" escapa. No verbete "cabelo", estão variantes que depreciam o negro: "cabelo cocô-de-rola", "cabelo ruim", "cabelo de cupim" e "carapinha".
"Os livros escolares continuam mostrando a mulher negra como a empregada gorda com um pano na cabeça", disse a ministra Matilde Ribeiro (Igualdade Racial). Segundo ela, os professores ficam paralisados diante do racismo, em vez de intervir. "É um mito dizer que o professor não sabe lidar com a situação. Os alunos são crianças em fase de aprendizado. O preconceito nem sempre é racional ou proposital. Quando um xinga o outro de preto macumbeiro, o professor precisa agir."
Para reverter esse quadro, o governo lançou na semana passada um programa piloto no qual 40 cidades receberam um kit pedagógico para orientar a inclusão da cultura negra no currículo, atribuição formal do Ministério da Educação e que deverá ter diretrizes oficiais anunciadas em 2005.
Por ora, a pasta de Matilde tem estimulado a formulação dessa política com a distribuição do kit. Entre os dez livros do pacote, um trata dos fatores lingüísticos. Uma das autoras, Yeda Pessoa de Castro, chama de "preconceito academicista" a rejeição da influência de línguas africanas, que resultaria numa linguagem de resistência ao português imposto.
Outro livro explica que a atitude não-desafiadora dos negros na relação com professores é na realidade um traço de respeito com os mais velhos. "Tal postura tem sido interpretada como submissão, herdada do período da escravidão", diz Petronilha Gonçalves e Silva. Em um terceiro, "mulato" é condenado como termo desumanizante e pejorativo. Expressões como "de cor" ou "moreno" são eufemismos preconceituosos.
"Nunca mais tive coragem de abrir a boca na sala", conta Tânia Mara Silva dos Santos, 30. Quando tinha 8 anos, fez uma pergunta na classe e ouviu de outro aluno: "Essa neguinha é burra".
Hoje, Tânia é doméstica e lamenta não ter continuado a estudar -abandonou a escola aos 16.
A timidez foi reforçada pelo descaso dos professores. Os comentários racistas eram levemente condenados. Alguns alunos cantavam músicas ofensivas e o repreendimento dos professores vinha em tom de bom humor.
A ofensa era dispensada como brincadeira de criança. "Eu nunca mais quis botar o pé na escola. Quando virei adolescente, não voltei", diz Tânia, que estudou em escola pública de São Paulo.


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