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ANÁLISE
Crítico literário afirma que Lula é obrigado a fazer política de compromisso, mas PT guarda "possibilidades futuras de radicalização"
Pobres vão sentir falta de Marta, diz Candido
RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL
"Durante algum tempo, o PT terá que ser um partido mais rotineiro", diz o mais importante crítico literário brasileiro, Antonio
Candido, 86, questionado sobre o
governo de Luiz Inácio Lula da
Silva.
Um dos principais nomes da intelectualidade petista, o autor de
"Formação da Literatura Brasileira" afirma que a prefeita Marta
Suplicy (PT), derrotada domingo
nas urnas, "cumpriu o seu dever à
luz dos princípios do partido".
"Os menos favorecidos da cidade
de São Paulo vão sentir muito a
falta da Marta."
E o governo Lula, tem cumprido
o seu "dever" petista? "O PT está
fazendo muita coisa boa. Mas não
está fazendo tudo que poderia fazer", declara. "Se no Brasil, neste
momento, não for possível outra
política senão a de compromisso,
prefiro que seja feita pelo PT do
que por outro partido", diz, e justifica: "Por [ele] ter, no seu bojo,
possibilidades futuras de radicalização".
Candido também rebate a tese
do prefeito eleito de São Paulo, José Serra (PSDB), de que os tucanos seriam os verdadeiros defensores dos valores republicanos no
país. "O republicanismo no Brasil
foi sempre o negócio das elites. De
modo que é muito fácil virar o argumento."
Folha - Qual a sua avaliação da
derrota da prefeita Marta Suplicy?
Antonio Candido - A mim, como
petista, não interessa apenas a vitória. Interessa indagar se o mandatário cumpriu o seu dever à luz
dos princípios do partido. Creio
que a prefeita Marta cumpriu o
dever dela como petista, e isso para mim é muito confortador. Porque ela deu uma orientação democrático-popular ao governo.
Não precisa nem enumerar as
medidas que beneficiaram os
mais pobres -tanto que teve
uma votação muito expressiva
nas áreas mais pobres da cidade.
É claro que ela não pôde fazer
tudo que gostaria, e sobretudo tudo que precisaria fazer, porque
uma cidade como São Paulo é dificílima de administrar. Mas deixou bem claro qual era a linha do
que faria se reeleita. Isso é uma garantia de futuro. Para mim, uma
garantia de que seria uma administração de acordo com os princípios do meu partido.
Os menos favorecidos da cidade
de São Paulo vão sentir muito a
falta da Marta.
Folha - Esses mesmos princípios
petistas também estão sendo seguidos na esfera federal?
Candido - Essa é uma questão
mais complicada. Sou um petista
muito fiel. Tenho muita confiança
nas possibilidades futuras do PT,
porque é um partido raro -é um
partido em grande medida socialista, mas um partido socialista
muito pluralista, o que não é freqüente. Os partidos socialistas
que arriscam o pluralismo geralmente se desfiguram. Penso que,
sendo um país como o Brasil, o fato de o PT ser pluralista não vai
desfigurá-lo. Pelo contrário, vai
permitir que ele se adapte a diversas situações.
As injunções internacionais são
tão poderosas, os compromissos
que assumimos no passado tão
impositivos, que é muito difícil
um governo que não é revolucionário romper com esse estado de
coisas. Imagino que, durante algum tempo, o PT terá que ser um
partido mais rotineiro. Já fez muita coisa no terreno da economia
solidária, renda mínima, política
internacional; acho que o PT está
fazendo muita coisa boa. Mas não
está fazendo tudo que poderia fazer. Se no Brasil, neste momento,
não for possível outra política senão a de compromisso, prefiro
que seja feita pelo PT do que por
outro partido.
Folha - Por quê?
Candido - Por ter, no seu bojo,
possibilidades futuras de radicalização. Como é pluralista... Imagine um leque que se abre. Ele é um
leque aberto, o PT. Vai desde possibilidades de soluções mais radicais até possibilidades de soluções
de contemporização. Isso permite
um grande realismo.
Folha - O ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso disse que o PT
está refazendo o "patrimonialismo"
no Brasil, "dando-lhe um caráter de
clientelismo mais partidário". O sr.
vê patrimonialismo no PT?
Candido - Não está na linha ideológica do PT o patrimonialismo,
que é uma praga dos países subdesenvolvidos. Uma praga muito
difícil de ser sanada porque, como
a pobreza é muito grande, as pessoas têm a idéia do Estado como
um pai de todos. Não creio que o
presidente Fernando Henrique
tenha razão.
Folha - O prefeito eleito, José Serra, fala do PSDB como representante do republicanismo no Brasil, insinuando que o PT não o é.
Candido - O republicanismo no
Brasil foi sempre o negócio das
elites. De modo que é muito fácil
virar o argumento. A República
no Brasil foi sempre a república
das elites. De vez em quando há
momentos em que a república
das elites é quebrada, realmente
de maneira pouco democrática,
como foi a tentativa no tempo de
Getúlio Vargas. O poder quase ilimitado das oligarquias sofre restrições, mas infelizmente por
meios não democráticos.
O PT é o primeiro partido brasileiro não subordinado a organizações internacionais que vai desenvolver os fermentos de radicalidade sufocados na tradição republicana brasileira.
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