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São Paulo, terça-feira, 02 de dezembro de 2003

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JANIO DE FREITAS

Os donos da impunidade

Os êxitos que a Polícia Federal está obtendo em numerosos casos de corrupção policial, administrativa e judicial, pelo país afora, recebem uma explicação interessante por parte de especialistas que se manifestam, por exemplo, em reportagem de Iuri Dantas (o próprio diretor da PF; Reiner Pungs, do escritório da ONU contra Drogas e Crimes; e Felipe Dantas, "pesquisador especialista em PF", na Folha de domingo).
Nas palavras do diretor-delegado Paulo Lacerda, que sintetizam as demais opiniões, o mais importante fator para a ação bem-sucedida da PF é que "a sociedade não tolera" mais a impunidade.
Uma explicação muito bacaninha para a sociedade brasileira. Mas não se sabia que os brasileiros fossem, até aqui, favoráveis ou complacentes ou indiferentes diante da impunidade. E, portanto, da corrupção administrativa, policial e no Judiciário. Se o foram, que períodos assim poderiam ser lembrados, para contrapor-se aos tantos outros, bem conhecidos e muitos registrados historicamente, de manifesta indignação coletiva com a improbidade, o crime e a falta de punição?
A explicação do delegado Paulo Lacerda contém dois complementares para os êxitos atuais da PF: a cooperação do Ministério Público e, preliminarmente, o entendimento pleno com os objetivos e a ação do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. São fatores já bem demonstrados. Mas que só resultam em razão de um outro. Esse é o próprio delegado Paulo Lacerda.
No governo passado, dois ministros da Justiça agiram com seriedade, e não como políticos -José Carlos Dias e Miguel Reale Jr.-, mas não obtiveram da PF o esperado. Um dos que a comandaram por mais, Argílio Monteiro, ao mesmo tempo trabalhava sua candidatura a deputado pelo PSDB mineiro. A PF nem chegou a surpreender pelas suspeitas de contribuição para arruinar a candidatura presidencial da então governadora Roseana Sarney.
Aqui ficou anotada a estranheza com a escolha por Romeu Tuma, diretor da PF no governo Collor, de um obscuro delegado da PF no Paraná, chamado Paulo Lacerda, para presidir o mais importante inquérito policial que poderia haver àquela altura, o da associação PC Farias/ Collor. Não se conseguiam informações de fato esclarecedoras sobre o escolhido, sua personalidade e sua história de policial. Durante o longo desenrolar do inquérito, no entanto, o trabalho e a pessoa de Paulo Lacerda não deram motivo conhecido a nenhuma restrição.
O desdobramento desse inquérito, sim, é que justifica um questionamento: como se explica que nenhum efeito judicial tenha advindo de inquérito tão extenso e minucioso, além de tantas evidências materiais, muitas delas ainda à vista? Não foi obra nem desejo da sociedade.
Para entender a impunidade sem generalizações despropositadas, parece conveniente partir de uma compreensão muito simples. Os criminosos "de colarinho branco" e os bandidos do crime comum usam as respectivas armas com resultados diferentes, mas com o mesmo propósito. O bandido que troca tiros com a polícia está buscando a impunidade assim como o sujeito de melhor classe social usa o dinheiro e a influência política para obter a mesma impunidade. As armas de uns e de outros, do ponto de vista da coletividade, são idênticas. Deterioram-na igualmente, motivo bastante para que qualquer um que tenha desejado ou queira enfrentá-las, de fato, sempre contasse e conte com o apoio mais geral.
A impunidade é produto de corrupção, e nunca de aceitação, complacência ou indiferença da sociedade.


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