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JANIO DE FREITAS
Os donos da impunidade
Os êxitos que a Polícia Federal está obtendo em numerosos casos de corrupção policial, administrativa e judicial,
pelo país afora, recebem uma explicação interessante por parte
de especialistas que se manifestam, por exemplo, em reportagem de Iuri Dantas (o próprio
diretor da PF; Reiner Pungs, do
escritório da ONU contra Drogas
e Crimes; e Felipe Dantas, "pesquisador especialista em PF", na
Folha de domingo).
Nas palavras do diretor-delegado Paulo Lacerda, que sintetizam as demais opiniões, o mais
importante fator para a ação
bem-sucedida da PF é que "a sociedade não tolera" mais a impunidade.
Uma explicação muito bacaninha para a sociedade brasileira.
Mas não se sabia que os brasileiros fossem, até aqui, favoráveis
ou complacentes ou indiferentes
diante da impunidade. E, portanto, da corrupção administrativa, policial e no Judiciário. Se o
foram, que períodos assim poderiam ser lembrados, para contrapor-se aos tantos outros, bem
conhecidos e muitos registrados
historicamente, de manifesta indignação coletiva com a improbidade, o crime e a falta de punição?
A explicação do delegado Paulo Lacerda contém dois complementares para os êxitos atuais
da PF: a cooperação do Ministério Público e, preliminarmente,
o entendimento pleno com os
objetivos e a ação do ministro da
Justiça, Márcio Thomaz Bastos.
São fatores já bem demonstrados. Mas que só resultam em razão de um outro. Esse é o próprio
delegado Paulo Lacerda.
No governo passado, dois ministros da Justiça agiram com seriedade, e não como políticos
-José Carlos Dias e Miguel Reale Jr.-, mas não obtiveram da
PF o esperado. Um dos que a comandaram por mais, Argílio
Monteiro, ao mesmo tempo trabalhava sua candidatura a deputado pelo PSDB mineiro. A PF
nem chegou a surpreender pelas
suspeitas de contribuição para
arruinar a candidatura presidencial da então governadora
Roseana Sarney.
Aqui ficou anotada a estranheza com a escolha por Romeu
Tuma, diretor da PF no governo
Collor, de um obscuro delegado
da PF no Paraná, chamado Paulo Lacerda, para presidir o mais
importante inquérito policial
que poderia haver àquela altura, o da associação PC Farias/
Collor. Não se conseguiam informações de fato esclarecedoras
sobre o escolhido, sua personalidade e sua história de policial.
Durante o longo desenrolar do
inquérito, no entanto, o trabalho
e a pessoa de Paulo Lacerda não
deram motivo conhecido a nenhuma restrição.
O desdobramento desse inquérito, sim, é que justifica um questionamento: como se explica que
nenhum efeito judicial tenha advindo de inquérito tão extenso e
minucioso, além de tantas evidências materiais, muitas delas
ainda à vista? Não foi obra nem
desejo da sociedade.
Para entender a impunidade
sem generalizações despropositadas, parece conveniente partir
de uma compreensão muito simples. Os criminosos "de colarinho branco" e os bandidos do
crime comum usam as respectivas armas com resultados diferentes, mas com o mesmo propósito. O bandido que troca tiros
com a polícia está buscando a
impunidade assim como o sujeito de melhor classe social usa o
dinheiro e a influência política
para obter a mesma impunidade. As armas de uns e de outros,
do ponto de vista da coletividade, são idênticas. Deterioram-na
igualmente, motivo bastante para que qualquer um que tenha
desejado ou queira enfrentá-las,
de fato, sempre contasse e conte
com o apoio mais geral.
A impunidade é produto de
corrupção, e nunca de aceitação,
complacência ou indiferença da
sociedade.
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