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JANIO DE FREITAS
Acima das palavras
São Paulo pouco foi lembrado no discurso de posse do seu novo governador. José Serra falou para o Brasil
DISCURSOS PODEM servir para
muita coisa, menos, desde algum tempo na política brasileira, para se crer neles. Quem foi comedido na celebração do Ano Novo
dificilmente escapou de ressaca pior
-a de alguns dos discursos nas 28
posses, segundo a regra de serem
sempre muito mais longos do que o
tolerável e menos verazes do que o
necessário. Na feliz impossibilidade
de ouvir ou ler muitos, ignoro, mas
não descarto, alguma possível exceção à regra. Mas, ainda bem, não só
do sentido das palavras se pode extrair algo de um discurso.
Em sentido político, os discursos
de Aécio Neves e José Serra foram
os mais indicativos. Sem que para isso tenha colaborado o que disseram,
mas tão só os temas que escolheram.
A par de descrever a visão simpática
e confortável que tem si mesmo
-um sentimento tão invejável
quanto talvez nenhum outro-, Serra entrou em considerações sobre os
descaminhos econômicos, políticos
e éticos a que o Brasil tem sido empurrado. Em termos pessoais, que
não foram explicitados, o alvo principal só podia ser Lula. Mas sobrou
até para Fernando Henrique. Em
trechos como este: "A política da
pasmaceira em relação à nossa economia tem consagrado a mais perversa tendência depois de um século
de prosperidade: a semi-estagnação,
que já se prolonga por 25 anos". Dos
quais, um terço por responsabilidade de Fernando Henrique.
São Paulo pouco foi lembrado no
discurso de posse do seu novo governador. Os problemas paulistas não
apareceram, propriamente, nem sequer o da insegurança. José Serra falou para o Brasil. Se fez bem ou não,
por ora é apenas discutível. Importante é a informação que transpareceu: o novo governador paulista não
pôde esperar nem o fim da posse para lançar-se em novo rumo. Sugestão da influência determinante que
sua meta terá nas características do
governo de São Paulo, com extensão
para os instrumentos comunicativos e outros da riqueza paulista.
Aécio Neves falou da natureza da
mineiridade, falou de conceitos que
convém rever para justiça com Minas e com os demais estados, falou
do que já fez e do espera conseguir
para Minas. Aécio Neves falou para
os mineiros em geral, não prenunciou confrontos para dentro nem
para fora, não precipitou deduções.
Já está definido o estilo em que se
manterá como disputante potencial
em 2010. O sobrenome explica: Aécio Neves é um político genético.
É provável que não se notasse a
troca, por simples desordem, do novo discurso entregue a Lula pelo que
leu na posse de 2003. As diferenças
são formais e pequenas, o essencial é
o mesmo, em todos os sentidos. A diferença mais notável não está no
discurso nem no orador. Está nos
ouvintes ou leitores, que nos últimos quatro anos aprenderam muito
sobre os discursos de Lula. Nesse
novo, Lula oferece uma confirmação do aprendizado. No mesmo texto, o "espetáculo do crescimento"
vindouro volta a trombar com a reafirmação da política econômica: "a
responsabilidade fiscal, de que não
abriremos mão em hipótese alguma", e que não passa, no Brasil, de
ausência de investimentos governamentais e corte de verbas da saúde,
da educação, da segurança pública e
demais necessidades prementes.
Com a companhia dos maiores juros
reais do mundo.
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