São Paulo, quarta-feira, 03 de janeiro de 2007

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JANIO DE FREITAS

Acima das palavras

São Paulo pouco foi lembrado no discurso de posse do seu novo governador. José Serra falou para o Brasil

DISCURSOS PODEM servir para muita coisa, menos, desde algum tempo na política brasileira, para se crer neles. Quem foi comedido na celebração do Ano Novo dificilmente escapou de ressaca pior -a de alguns dos discursos nas 28 posses, segundo a regra de serem sempre muito mais longos do que o tolerável e menos verazes do que o necessário. Na feliz impossibilidade de ouvir ou ler muitos, ignoro, mas não descarto, alguma possível exceção à regra. Mas, ainda bem, não só do sentido das palavras se pode extrair algo de um discurso.
Em sentido político, os discursos de Aécio Neves e José Serra foram os mais indicativos. Sem que para isso tenha colaborado o que disseram, mas tão só os temas que escolheram. A par de descrever a visão simpática e confortável que tem si mesmo -um sentimento tão invejável quanto talvez nenhum outro-, Serra entrou em considerações sobre os descaminhos econômicos, políticos e éticos a que o Brasil tem sido empurrado. Em termos pessoais, que não foram explicitados, o alvo principal só podia ser Lula. Mas sobrou até para Fernando Henrique. Em trechos como este: "A política da pasmaceira em relação à nossa economia tem consagrado a mais perversa tendência depois de um século de prosperidade: a semi-estagnação, que já se prolonga por 25 anos". Dos quais, um terço por responsabilidade de Fernando Henrique.
São Paulo pouco foi lembrado no discurso de posse do seu novo governador. Os problemas paulistas não apareceram, propriamente, nem sequer o da insegurança. José Serra falou para o Brasil. Se fez bem ou não, por ora é apenas discutível. Importante é a informação que transpareceu: o novo governador paulista não pôde esperar nem o fim da posse para lançar-se em novo rumo. Sugestão da influência determinante que sua meta terá nas características do governo de São Paulo, com extensão para os instrumentos comunicativos e outros da riqueza paulista.
Aécio Neves falou da natureza da mineiridade, falou de conceitos que convém rever para justiça com Minas e com os demais estados, falou do que já fez e do espera conseguir para Minas. Aécio Neves falou para os mineiros em geral, não prenunciou confrontos para dentro nem para fora, não precipitou deduções. Já está definido o estilo em que se manterá como disputante potencial em 2010. O sobrenome explica: Aécio Neves é um político genético.
É provável que não se notasse a troca, por simples desordem, do novo discurso entregue a Lula pelo que leu na posse de 2003. As diferenças são formais e pequenas, o essencial é o mesmo, em todos os sentidos. A diferença mais notável não está no discurso nem no orador. Está nos ouvintes ou leitores, que nos últimos quatro anos aprenderam muito sobre os discursos de Lula. Nesse novo, Lula oferece uma confirmação do aprendizado. No mesmo texto, o "espetáculo do crescimento" vindouro volta a trombar com a reafirmação da política econômica: "a responsabilidade fiscal, de que não abriremos mão em hipótese alguma", e que não passa, no Brasil, de ausência de investimentos governamentais e corte de verbas da saúde, da educação, da segurança pública e demais necessidades prementes. Com a companhia dos maiores juros reais do mundo.


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