São Paulo, domingo, 3 de janeiro de 1999

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ELIO GASPARI

É só pedir
O doutor Gustavo Franco, presidente do Banco Central, terminou o ano devidamente informado, com base em fatos, de que, se algum dia ele acordar com vontade de pedir demissão, ela será aceita.

Macumba
É pena, mas estão ruins as relações de FFHH com o embaixador Rubens Ricupero.

Inutilidade
Entrou em vigor mais uma lei inútil. É a obrigação de carregar estojos de primeiros socorros nos automóveis.
Dará dinheiro aos fabricantes desses estojos e, eventualmente, azeitará propinas de policiais que capturam motoristas desequipados.
Num acidente de automóvel, de duas, uma: ou as pessoas sofrem ferimentos superficiais e podem se medicar numa farmácia, ou as lesões recomendam que nenhum curioso toque no acidentado.
O que mata gente nas pistas não é a falta de esparadrapo nos carros, mas o excesso de bebida na cabeça dos motoristas.

Cuidado com a CPI
Ou FFHH se cuida, ou, ao final do segundo reinado, terá no colo a CPI do BNDES. Além de ter servido de biombo para que se fizesse o que já se fez com as privatizações, o banco está agora sendo usado para a prática da nefasta tradição dos juros favorecido$.
Depois de jogar mais um pacote em cima do empresariado que não sabe onde fica o BNDES, anunciou-se que o setor produtivo seria compensado por meio da redução da Taxa de Juros de Longo Prazo, a TJLP, que caiu de 18% para 12% ao ano. É a velha taxa exclusiva dos clientes do banco. Já fez fortunas, mas quebrou a Viúva.
Restabelece-se o velho paraíso, no qual há dois tipos de empresários: os que sabem os números dos telefones (com ouvidos) do BNDES e os que se danam. Estes, se forem doidos, tomam dinheiro a 30% ao ano. Depois, quando os telefones (ou as pessoas) falarem, não adiantará reclamar.

Memória derrubada
Foi-se uma referência histórica do Rio de Janeiro. Demoliram a casa do presidente João Goulart no sítio do Capim Melado, em Jacarepaguá. Foi derrubada a troco de nada, pelo valor do terreno.
Jango passava alguns de seus fins de semana nessa construção. Tinha uns 400 metros de área construída, num estilo europeu. Por conta das demolições e dos apartamentos, é provável que a única casa de presidente ainda de pé seja a do marechal Deodoro, na praça da República. Ela vale uma visita ou, pelo menos, uma olhada. Reflete a modéstia com que viviam os governantes brasileiros. A menos de um quilômetro, está a casa do visconde do Rio Branco, um dos homens mais poderosos do Império e uns dos maiores que por cá andaram. É bem maior, mas ainda assim, não faria figura no Lago Sul de Brasília.

A folha da Viúva cresceu 10%
Nas próximas semanas, vai aparecer um número feio nas contas nacionais. A folha de pagamento dos funcionários da União deverá encostar nos R$ 49 bilhões, batendo todos os recordes e prenunciando a quebra da marca do R$ 50 bilhões neste ano.
Em 1998, a economia cresceu em torno de 1%, mas a folha dos servidores cresceu 10%. Aumentou ao estilo da taxa de expansão da economia durante o milagre brasileiro. A folha do Planalto, de onde saem as decisões que contraem o emprego na iniciativa privada, cresceu 7,4% nos 12 meses anteriores a outubro.
Antes que esses números gerem espasmos de histeria contra os servidores públicos, é necessário entendê-los.
Os 10% se deveram, em parte, a dois aumentos: um, de 46%, para o pessoal do Judiciário e outro, de 23%, para os militares. O aumento dos militares tem sua lógica. Eles ficaram com um salário médio de R$ 1.349. Comparado com o que ganhavam em 1995, tiveram um aumento real de 20%.
O do Judiciário dói. Levou seus funcionários a um salário médio de R$ 4.458, 31% acima do que ganhavam em 1995. (Nunca é demais lembrar que a aposentadoria média no INSS está em 1,8 salário mínimo. A do Judiciário vale 32,5. (Essa bonança deve ser um milagre da alma de Epitácio Pessoa. Ele se aposentou como ministro do Supremo Tribunal Federal aos 47 anos, por grave problema de saúde. Viveu até os 77. Como inválido remunerado, foi juiz da corte de Haia e presidente da República.)
Já os servidores civis do Executivo estão comendo o pão que Asmodeu amassou. No primeiro reinado de FFHH, seu quadro encolheu 10% e hoje ele são 517 mil. Nesse mesmo período, tiveram uma perda salarial de 10%. Ganham em média R$ 1.800. No ano passado, a folha desses funcionários encolheu em pelo menos 10%. Estão sendo massacrados. Como são eles os que mais têm contato direto com os contribuintes, acabam vistos como se ganhassem o que não ganham e vivessem uma vida que não vivem.
O ministro Luiz Carlos Bresser Pereira fechou sua administração tendo racionalizado um bom pedaço da máquina administrativa. Se nos últimos quatro anos houve rombos nas contas do funcionalismo, não foi ele (nem FFHH) quem os produziu. Receberam uma folha de pagamento que comia 56% da receita da União e conseguiram baixá-la para 40%. Uma das boas realizações do primeiro reinado foi a política de preenchimento de cargos públicos. Contratou-se mão-de-obra cada vez mais qualificada. Em 1995, os concursos para cargos de nível superior preencheram 39% das vagas. No ano passado, essa porcentagem passou os 75% e mais da metade foi ocupada por professores.

O sequestro do empresariado
FFHH começou seu primeiro mandato saudando os empresários que "souberam inovar, souberam refazer suas fábricas e escritórios, souberam vencer as dificuldades". Terminou-o enfiando-lhes mais um pacote de aumento de impostos.
Nem ele nem seus ministros precisavam empacotar a inteligência alheia. O professor Pedro Malan anunciou o pacote do feriadão sugerindo que o aumento se deve ao atraso na aprovação, pelo Congresso, da aprovação da emenda da CPMF.
Isso é mais falso que uma nota de três reais.
A arrecadação da CPMF será interrompida porque a ekipekonômica não fez o seu dever de casa e deixou de remeter ao Congresso, em julho, o projeto que asseguraria a continuidade da coleta. O Congresso não atrasou coisa alguma. Malan faria justiça ao estilo que cultiva se explicasse a verdadeira causa do atraso.
Até aí, nada de novo. O pior é que o governo impôs a tunga ao setor produtivo da economia, indo ao bolso dos empresários que pagam seus impostos. Com a suspensão da CPMF, o sonegador ganhou férias, e o empresário sério ganhou pedras. Além disso, não faz sentido tomar R$ 6,7 bilhões em nome do suspiro da CPMF. Ele custará, no máximo, R$ 3 bilhões.
Pode-se argumentar que se pretendeu cobrir também a perda resultante da derrubada do projeto de confisco parcial dos proventos dos servidores aposentados.
Nesse caso, a ekipe deveria reconhecer que sequestrou o empresariado honesto. Remarca o valor resgate de acordo com as necessidades da sua política de engorda da turma do papelório. Ela não fez o dever de casa com a CPMF? O Congresso, no uso de suas atribuições, derrubou o confisco? Aumenta-se o resgate.

Quem perde, ganha. Quem ganha, salta
Um bom truque dos administradores de empresas é sempre manter uma lista das pessoas a quem deram empregos e outra, com os nomes daquelas a quem convidaram sem sucesso. Comparando as duas, podem contrapor a equipe que são capazes de formar àquela que gostariam de ter formado.
Nas últimas semanas, FFHH tem procurado descobrir onde pode empregar o ex-governador mineiro Eduardo Azeredo e o ex-deputado fluminense Moreira Franco. Ambos são políticos derrotados nas urnas e ambos podem vir a ocupar cargos técnicos na grande mãe Petrobrás. Seus conhecimentos nesse setor resumem-se ao hábito de encher os tanques.
Enquanto isso, três pessoas rebarbaram convites ou sondagens para ocupar secretarias em seu governo.
O paranaense Euclides Scalco, que coordenou a campanha da reeleição, não quis a secretaria de coordenação política.
O empresário Nildemar Secches, do frigorífico Perdigão, afastou-se das conversas em torno do Ministério do Desenvolvimento.
Os vencedores saíram do jogo. Procura-se reforçar o time com os perdedores.

O homem que soube das coisas
Primeira boa notícia do ano: sai nos próximos meses o terceiro volume das memórias do professor Henry Kissinger, o cérebro da política externa americana de 1969 a 1977. Ele armou o reatamento dos Estados Unidos com a China, negociou o fim da guerra do Vietnã e ganhou o prêmio Nobel da Paz.
O primeiro volume de suas memórias é uma jóia descritiva das manhas do poder. O segundo é pedestre. O próximo parece melhor. Seu capítulo sobre o caso Watergate, no qual o presidente Richard Nixon perdeu o mandato por conta de meia dúzia de grampos que tentou botar na oposição, é razoável. Nele há uma boa aula sobre o comportamento dos cortesãos num palácio em crise. Quando Nixon estava batido, com manifestações diante da Casa Branca, um de seus assessores, o general Alexander Haig, disse a Kissinger que parecia necessário chamar uma tropa de pára-quedistas para proteger o presidente. O professor perguntou-lhe se perdera o senso. O país não poderia ser governado por uma Casa Branca cercada por baionetas.
Haig respondeu que pensava a mesma coisa e fizera o comentário para que visse o que estava passando pela cabeça das pessoas. (Como se não fosse coisa da sua.)
Tomara que esse volume seja editado em português, porque os outros dois não foram.

Entrevista

Eduardo Bueno
(40 anos, jornalista, autor dos livros "A Viagem do Descobrimento" e "Náufragos, Traficantes e Degredados", com cerca de 150 mil exemplares vendidos.)
Sem nunca ter escrito um só livro de história, a que o senhor atribui o sucesso de seus trabalhos, que chegaram a tomar o primeiro e o segundo lugar na lista de obras mais vendidas no país?
Ao interesse dos brasileiros por uma história com personagens de carne, osso, aventuras, paixões e dinheiro. A história tem libido, tem sangue. Pedro Álvares Cabral deu o golpe do baú e ganhou quatro quilos de ouro para comandar a maior expedição portuguesa, provavelmente sem nunca ter navegado. Num país de pessoas com 1,68 m, em média, ele tinha 1,90 m. Coisas desse tipo parecem desimportantes, mas é a saciedade dos detalhes que estimula o apetite pela história. O escritor americano Norman Mailer me ensinou que a história muitas vezes é contada por maus romancistas. A história do Brasil é contada por uma excelente produção acadêmica, infelizmente indigesta. Veja o caso do Varnhagen, que no século 19 escreveu a primeira grande obra sobre o nosso passado. Todos os historiadores que o sucederam não acharam um quinto dos documentos que Varnhagen achou. É um gênio, mas lê-lo é padecer num paraíso. Digo isso com a minha total falta de autoridade acadêmica. Escrevi o primeiro livro em 57 dias e o segundo em 64, sem sair de casa, amparado numa biblioteca de 4.000 volumes de história colonial. Nossa história é uma aventura, povoada por personagens fantásticos, esperando que suas vidas sejam contadas. Foi isso que eu fiz.
Quais personagens dos seus livros o senhor gostaria de ter conhecido?
Eu daria a vida para ter encontrado o Aleixo Garcia. Ele naufragou em 1516 na ilha de Santa Catarina, indo bater no lugar que hoje é conhecido como praia dos Naufragados. Soube pelos índios que a oeste havia uma serra coberta de branco (os Andes), com uma montanha de prata (as minas de Potosi) e um povo governado por um rei (os incas). Saiu a pé, andou 2.000 quilômetros e chegou à Bolívia. Outro que eu gostaria de entrevistar é o Afonso Ribeiro. Era um assassino e foi metido a força numa das caravelas do Cabral. Deixaram-no em Porto Seguro, cumprindo pena de degredo. Vinte meses depois, ele foi achado, no mato, por uma expedição em que estava Américo Vespúcio. Voltou para Lisboa e o rei o gratificou pelas valiosas informações que acumulara na terra desconhecida. Imagine um criminoso que é jogado no fim do mundo para passar o resto da vida como degredado e consegue se livrar da pena. O Afonso Ribeiro é o patrono do jeitinho brasileiro.
O que o senhor acha das comemorações que estão sendo organizadas para festejar os 500 anos da chegada de Cabral?
Acho que vamos regredir em relação aos festejos de 1900 e de 1950. No quarto centenário, você teve Capistrano de Abreu influindo na publicação de trabalhos e documentos que estimulassem a pesquisa. Em 1950, você teve o Jayme Cortesão. Agora, há uma programação meio oficialista, uma sucessão de eventos. As autoridades vão fazer festas para as autoridades. A impressão que eu tenho é que se vai fazer uma coisa sem alma. Ainda não vi incentivos aos pesquisadores, à edição de novos trabalhos. O povo gosta de aprender, quem gosta de evento são os donatários de Brasília.

Era muito
Para a crônica da criação do Ministério do Desenvolvimento: a certa altura, passou pelo céu o nome do empresário Antonio Ermírio de Moraes. Teve a rapidez de um raio, porque era ministro demais para governo de menos.



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