São Paulo, terça-feira, 03 de fevereiro de 2004

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SEM GABINETE

Para ex-ministra, pessoas como ela deveriam ser 'usadas como estímulo'; episódio da Argentina não influenciou demissão

Benedita afirma que faria viagem de novo

Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
A ex-ministra da Assistência Social Benedita da Silva (PT-RJ) concede entrevista no centro do Rio


OTÁVIO CABRAL
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Demitida do extinto Ministério da Assistência Social, Benedita da Silva embarcou ontem para Washington (EUA), onde participa de um "café da manhã de orações". O evento evangélico é semelhante ao que participou em Buenos Aires, em setembro, com dinheiro público (R$ 3.000) -mesmo com toda a polêmica que a viagem suscitou, não se arrepende nem considera ter feito nada errado.
Benedita afirma não guardar mágoas de sua demissão, que classifica como uma decisão política do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas deixa claro seu descontentamento com a falta de recursos e com as dificuldades políticas que encontrou.
Benedita, 61, recebeu a Folha no final da tarde de sexta-feira, em um restaurante popular no largo do Machado (centro). Leia, a seguir, a entrevista.
 

Folha - A senhora guarda alguma mágoa do Lula por sua demissão?
Benedita da Silva -
Imagina, sou muito amiga do Lula. Governo não é um clube de amigos, é preciso sustentação política. Tenho certeza de que foi difícil para ele, não pela amizade, mas pelo reconhecimento que ele tem da trajetória de todos nós.

Folha - Muitos ministros deixaram o governo reclamando de José Dirceu, do centralismo e da dificuldade de acesso a ele. A senhora teve algum problema com Dirceu?
Benedita -
Tinha diálogo com a Casa Civil pelo fórum das políticas sociais. Dificilmente pedia audiência para tratar de alguma coisa porque o ministério já havia apresentado as demandas. Mas o nosso tempo não era o mesmo tempo de quem no governo tem o poder de decidir. Eu não reclamei.

Folha - O PT, que sempre teve um discurso de forte conteúdo social, não conseguiu em seu primeiro ano de governo transformar essa área em prioridade. O governo não se preocupou como deveria com a área social?
Benedita -
Não concordo. Se olharmos o desenho do governo, vamos notar que trabalhou no social. O governo, no que pese essas expectativas na área social, precisava de imediato de credibilidade. E ele recebeu isso graças à ação na área econômica. Mas o governo não se esqueceu da área social.

Folha - Mas, ministra, qual foi a grande ação do governo na área social em 2003?
Benedita -
Não se pode analisar assim por uma ação. Nós não trabalhamos uma política de assistência global. O nosso governo começou a tomar essa iniciativa, mas isso não foi reconhecido porque priorizamos as reformas, a área econômica. O presidente lançou o Fome Zero.

Folha - A senhora acha que o Patrus Ananias terá condições de fazer uma gestão melhor que a sua?
Benedita -
O Patrus terá mais condições políticas e econômicas. O que fizemos em 2003 foi acertar a base política, plantar as sementes e, agora, ele vai adaptar às melhores condições de 2004 e colher os frutos que eu plantei.

Folha - A senhora fez menos do que esperava no governo?
Benedita -
Fiz o máximo com o mínimo que tinha. É isso. Você depende de recursos, não dá para fazer milagre.

Folha - Sua gestão ficou marcada pelo episódio de sua viagem à Argentina. A senhora sempre será lembrada por isso. Essa viagem contribuiu para a sua demissão?
Benedita -
Não houve relação com essa viagem. O governo fez a reforma de que precisava e não levou em conta o episódio. Até porque esse episódio é bem pitoresco. Aliás, estou indo na segunda [ontem] para outro café de oração, em Washington. Por que não dar cobertura à cidadã Benedita?

Folha - Porque agora a senhora não está indo como ministra nem custeada por recursos públicos.
Benedita -
Só recebi a passagem. Só pude ver o papa porque era senadora [em referência à viagem que fez a Roma]. Então, o problema não é esse, meu filho. O problema é eminentemente político.

Folha - Houve um desgaste político muito grande para o governo com essa viagem.
Benedita -
Desgaste onde? Só na imprensa.

Folha - A senhora sofreu um desgaste muito grande, que resultou na saída do ministério. A senhora não acha mesmo que foi um erro essa viagem?
Benedita -
Foi aproveitamento político. Nunca vou deixar de viajar, pois a causa é nobre, é justa.

Folha - A senhora acha que a origem humilde de que tanto fala pode ter contribuído para esse desgaste que a viagem a Buenos Aires causou?
Benedita -
Minha origem do morro me fez chegar até aqui. Quem tem um currículo como o da Benedita era para ser muito mais usado como estímulo para outras pessoas. Mas, no nosso país, isso ainda incomoda. Ainda bem que não tem pena de morte, porque da forma como me tratam eu já estaria sendo condenada.

Folha - Se a senhora voltar a ocupar um cargo de governo, fará novamente uma viagem como essa à Argentina?
Benedita -
Faria e farei. Eu não fiz nada que não tivesse feito antes. Até porque a Benedita da Silva do Chapéu Mangueira nunca poderia fazer essas viagens. Mas a Benedita mulher pública vai sempre viajar por aí.


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