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SEM GABINETE
Para ex-ministra, pessoas como ela deveriam ser 'usadas como estímulo'; episódio da Argentina não influenciou demissão
Benedita afirma que faria viagem de novo
Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
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A ex-ministra da Assistência Social Benedita da Silva (PT-RJ) concede entrevista no centro do Rio |
OTÁVIO CABRAL
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
Demitida do extinto Ministério
da Assistência Social, Benedita da
Silva embarcou ontem para Washington (EUA), onde participa de
um "café da manhã de orações".
O evento evangélico é semelhante
ao que participou em Buenos Aires, em setembro, com dinheiro
público (R$ 3.000) -mesmo com
toda a polêmica que a viagem suscitou, não se arrepende nem considera ter feito nada errado.
Benedita afirma não guardar
mágoas de sua demissão, que
classifica como uma decisão política do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas deixa claro seu
descontentamento com a falta de
recursos e com as dificuldades
políticas que encontrou.
Benedita, 61, recebeu a Folha no
final da tarde de sexta-feira, em
um restaurante popular no largo
do Machado (centro). Leia, a seguir, a entrevista.
Folha - A senhora guarda alguma
mágoa do Lula por sua demissão?
Benedita da Silva - Imagina, sou
muito amiga do Lula. Governo
não é um clube de amigos, é preciso sustentação política. Tenho
certeza de que foi difícil para ele,
não pela amizade, mas pelo reconhecimento que ele tem da trajetória de todos nós.
Folha - Muitos ministros deixaram o governo reclamando de José
Dirceu, do centralismo e da dificuldade de acesso a ele. A senhora teve algum problema com Dirceu?
Benedita - Tinha diálogo com a
Casa Civil pelo fórum das políticas sociais. Dificilmente pedia audiência para tratar de alguma coisa porque o ministério já havia
apresentado as demandas. Mas o
nosso tempo não era o mesmo
tempo de quem no governo tem o
poder de decidir. Eu não reclamei.
Folha - O PT, que sempre teve um
discurso de forte conteúdo social,
não conseguiu em seu primeiro
ano de governo transformar essa
área em prioridade. O governo não
se preocupou como deveria com a
área social?
Benedita - Não concordo. Se
olharmos o desenho do governo,
vamos notar que trabalhou no social. O governo, no que pese essas
expectativas na área social, precisava de imediato de credibilidade.
E ele recebeu isso graças à ação na
área econômica. Mas o governo
não se esqueceu da área social.
Folha - Mas, ministra, qual foi a
grande ação do governo na área social em 2003?
Benedita - Não se pode analisar
assim por uma ação. Nós não trabalhamos uma política de assistência global. O nosso governo
começou a tomar essa iniciativa,
mas isso não foi reconhecido porque priorizamos as reformas, a
área econômica. O presidente lançou o Fome Zero.
Folha - A senhora acha que o Patrus Ananias terá condições de fazer uma gestão melhor que a sua?
Benedita - O Patrus terá mais
condições políticas e econômicas.
O que fizemos em 2003 foi acertar
a base política, plantar as sementes e, agora, ele vai adaptar às melhores condições de 2004 e colher
os frutos que eu plantei.
Folha - A senhora fez menos do
que esperava no governo?
Benedita - Fiz o máximo com o
mínimo que tinha. É isso. Você
depende de recursos, não dá para
fazer milagre.
Folha - Sua gestão ficou marcada
pelo episódio de sua viagem à Argentina. A senhora sempre será
lembrada por isso. Essa viagem
contribuiu para a sua demissão?
Benedita - Não houve relação
com essa viagem. O governo fez a
reforma de que precisava e não levou em conta o episódio. Até porque esse episódio é bem pitoresco. Aliás, estou indo na segunda
[ontem] para outro café de oração, em Washington. Por que não
dar cobertura à cidadã Benedita?
Folha - Porque agora a senhora
não está indo como ministra nem
custeada por recursos públicos.
Benedita - Só recebi a passagem.
Só pude ver o papa porque era senadora [em referência à viagem
que fez a Roma]. Então, o problema não é esse, meu filho. O problema é eminentemente político.
Folha - Houve um desgaste político muito grande para o governo
com essa viagem.
Benedita - Desgaste onde? Só na
imprensa.
Folha - A senhora sofreu um desgaste muito grande, que resultou
na saída do ministério. A senhora
não acha mesmo que foi um erro
essa viagem?
Benedita - Foi aproveitamento
político. Nunca vou deixar de viajar, pois a causa é nobre, é justa.
Folha - A senhora acha que a origem humilde de que tanto fala pode ter contribuído para esse desgaste que a viagem a Buenos Aires
causou?
Benedita - Minha origem do
morro me fez chegar até aqui.
Quem tem um currículo como o
da Benedita era para ser muito
mais usado como estímulo para
outras pessoas. Mas, no nosso
país, isso ainda incomoda. Ainda
bem que não tem pena de morte,
porque da forma como me tratam
eu já estaria sendo condenada.
Folha - Se a senhora voltar a ocupar um cargo de governo, fará novamente uma viagem como essa à
Argentina?
Benedita - Faria e farei. Eu não
fiz nada que não tivesse feito antes. Até porque a Benedita da Silva
do Chapéu Mangueira nunca poderia fazer essas viagens. Mas a
Benedita mulher pública vai sempre viajar por aí.
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